Um dos melhores pilotos da geração “pós-Senna”, quem sabe o melhor deles, Felipe Nasr, o “candango-libanês” do nosso planalto central não é apenas mais um dos diversos pilotos que mostraram capacidade de estar – e ficar – na Fórmula 1 e que não estão no grid de apenas 20 carros. Aos 25 anos e em plena forma, nosso piloto mais promissor não desistiu das pistas e de uma carreira profissional fora do Brasil, onde já mostrou ter plenas condições de estar ao volante de qualquer carro em qualquer equipe e em qualquer categoria que haja pessoas com visão suficiente para abrir suas portas e colher os frutos de tudo o que ele pode oferecer. Em uma rápida passagem pelo Brasil, tivemos a oportunidade de conversar um pouco sobre automobilismo em geral, Fórmula 1 em particular e perspectivas para o futuro. NdG: Felipe, por favor, fala um pouco sobre o Felipe. Esquece o piloto. Fala de você. Quem é Felipe Nasr? Felipe Nasr: O que eu posso dizer... sou de Brasília, tenho 25 anos, nasci dia 21 de agosto de 1992 e sou um cara muito tranquilo, muito família e sou uma pessoa como qualquer outra pessoa. Vivi minha infância e minha adolescência como qualquer outro garoto da minha idade. Uma coisa que sempre me atraiu foi esporte. Fiz todos os esportes que vocês puderem imaginar, tendo ou não a velocidade no meio. Acho que pouca gente sabe que eu gosto de pescar, que é algo bem diferente de acelerar qualquer coisa. Gosto muito de surfar e sou aberto a toda experiência nova em termos de esporte, mas a paixão mesmo é o automobilismo, a velocidade. NdG: Essa paixão por velocidade, até onde teve a influência do ambiente familiar? Teve um “empurrãozinho extra” de casa? Minha família está no automobilismo há 35 anos, mas eu tive que dar os primeiros passos sozinho, sem pai por perto. Felipe Nasr: Empurrãozinho (risos)... como todo mundo sabe, minha família sempre esteve envolvida com automobilismo. Meu tio Amir foi piloto, é dono de equipe junto com meu pai e meus tios e são mais de 35 anos de história nas pistas no Brasil e no exterior. Eu cresci nesse meio entre carros de fórmula, turismo, protótipos, pilotos indo treinar “lá em casa”... de alguma forma isso influenciou, mas eu nunca fui empurrado para o automobilismo. Sempre tive toda a liberdade do mundo para seguir meu caminho. Fui eu que um dia comecei a encher o saco do meu pai para fazer um teste num kart. Ele falou que “um dia me levava”. Eu tinha uns 7 para 8 anos e meu pai, Samir, me levou para o kartódromo que fica dentro do autódromo de Brasília e me colocou num kart, sem expectativas, pra que eu pudesse conhecer. É uma coisa que está viva em mim até hoje porque foi uma coisa muito natural. Não tive medo de acelerar, me senti muito à vontade e disse para ele que era aquilo ali que eu queria fazer e teve uma coisa muito boa na minha formação de kartista que não foi ter meu pai por perto. Como ele estava sempre viajando com as corridas da equipe, eu tive que me virar. Tinha o preparador de motor, um esquemazinho, mas eu precisei mostrar serviço para poder crescer como piloto, sem ter o pai do lado. Isso me fez assumir responsabilidades muito cedo na pista e afastou aquela pressão familiar. NdG: Geograficamente falando, você foi e é um privilegiado. A sede da Amir Nasr Racing fica do lado do Autódromo Internacional de Brasília. Ter a “escola” do lado de casa ajudou bastante, não? Felipe Nasr: Ajudou muito! Quando eu corria de kart ter um kartódromo “do lado de casa” era muito bom e antes de ir para a Europa eu pude fazer alguns treinos com os carro de Fórmula 3 que tínhamos na sede da equipe Amir Nasr Racing na pista do Autódromo de Brasília, que infelizmente está como está e que era muito boa, muito técnica. Como eu fui correr fora com 16 anos, eu não conheci mais da pista do autódromo. NdG: Você foi para o automobilismo europeu bem cedo e correu muito pouco por aqui. Alguns anos depois você encontrou pilotos que viu e correram aqui no Brasil. Dava para perceber alguma diferença a nível de preparação? Em termos de estrutura e organização não dá pra comparar a Europa com o Brasil. Se o piloto tiver chance de ir, vá logo. Felipe Nasr: A gente sabe que em termos de estrutura, de organização, de acesso a equipamentos há uma vantagem para quem vai fazer a formação na Europa, mas nada do que eu enfrentei eu não cheguei lá e me vi surpreendido com algo diferente. O que eu tive de preparação com a equipe da minha família foi de nível equivalente. A opção por tomar o caminho da Europa foi por ver mais oportunidades lá do que no Brasil. No primeiro ano já se abriram portas que poderiam me levar à Fórmula 1. Talvez fosse diferente se eu tivesse corrido alguns anos no Brasil antes de ir para lá. NdG: Quem acompanha F1 há mais tempo como a gente, nós vimos os pilotos saírem aqui do Brasil, se destacarem na Europa e chegarem na F1. Isso parou de acontecer. Em paralelo a isso surgiram os “programas de jovens pilotos”. Até onde estes programas ajudam ou atrapalham? Felipe Nasr: Se for feito um trabalho profissional, de qualidade, o talento vai aparecer. No caso dos programas de jovens pilotos, um piloto talentoso vai ser observado e vão levá-lo para um programa desses e ele vai poder fazer uma academia na Ferrari, na Mercedes, na Renault, na Red Bull... mas é sempre uma aposta. Vai ter sempre um risco. Estar num desses programas não é garantia de que você vai chegar no topo. Quando você entra num programa desses você fica vinculado a ele e vai fazer o que for determinado. Quem não está num programa tem a possibilidade de negociar com outras equipes, outras categorias, fazer seu próprio caminho. São meios diferentes, mas que podem levar aonde se busca chegar. NdG: Tem uma coisa que está se tornando mais evidente com o passar do tempo é o “favorecimento de pilotos”, dando-se mais oportunidade a um do que a outro dentro de uma equipe e isso está aparecendo nas categorias de base. Isso não mascara os talentos e desestimula quem é preterido? O piloto talentoso sempre vai aparecer, chamar a atenção, mas se ele não tiver um suporte por trás, vai ser difícil. Felipe Nasr: É algo que tenho visto nos últimos anos também, especialmente quando o piloto que tem as preferências tem mais dinheiro, coloca mais dinheiro na equipe, acaba tendo uma atenção diferenciada. Hoje a gente vê pilotos com estruturas nas categorias de base que nunca se viu antes. O cara tem tudo à mão, não falta nada. Ele pode treinar nos melhores simuladores, tem como fechar pistas só pra ele e isso cria um desequilíbrio, eles vão além do que a categoria de formação oferece. Na teoria ele está encurtando o caminho do aprendizado. NdG: Outra coisa que cresceu e continua crescendo no meio é a figura do empresário. Aquele profissional que gerencia carreiras e muitas vezes de diversos pilotos. Até onde isso ajuda? Pode atrapalhar? Felipe Nasr: Se for um empresário sério, parceiro, que vai buscar realmente o melhor para o piloto, souber falar com as equipes, conseguir ter uma visão do mercado e for capaz de encontrar as melhores oportunidades e negociar as melhores condições, claro que é positivo... mas dá pra contar nos dedos essas pessoas. NdG: Antes de chegar na Fórmula 1 você teve um histórico vitorioso com a Carlin. Como era o ambiente de trabalho lá e o que diferia das outras? Felipe Nasr: O ambiente na equipe era excelente. Até hoje eu tenho uma ótima relação com eles. São fantásticos, super profissionais, são muito estruturados e organizados. Eles não dão passos maiores que as pernas. Foi com eles que vencemos o campeonato de Fórmula 3 na Inglaterra, foi com eles que tive minha melhor temporada na GP2 e sempre tenho contato com eles quando estou na Europa. NdG: Já com a Sauber as coisas foram um pouco diferentes, não? Os simuladores melhoraram muito, mas não existe simulador melhor do que o que se consegue indo com o carro para a pista. Felipe Nasr: Foi completamente diferente. Quando eu cheguei lá ela não era uma equipe bem estruturada, vinha passando por dificuldades financeiras e o carro ficou estagnado em termos de desenvolvimento. No primeiro ano ainda conseguimos ter um carro que começou o ano bem, mas como não havia dinheiro para investir no seu aprimoramento nós fomos ficando para trás. No segundo ano o carro já não nasceu tão bom e as coisas foram muito mais difíceis. A falta de dinheiro foi em parte amenizada com um grupo sueco comprando grande parte da equipe e era ligada ao meu companheiro de time que virou o “dono da equipe”. Com o que eu tinha nas mãos, o que eu consegui fazer de resultados na Sauber foi fantástico. Infelizmente na F1 as coisas são assim. Tem que estar no lugar certo no momento certo. O primeiro ano foi muito bom, mas no segundo a equipe estava totalmente desestruturada. NdG:Você falou em desenvolvimento e nós temos uma veia saudosista. Lembramos do tempo do piloto na pista desenvolvendo os carros. A sua geração tem, segundo alguns dizem ser por questão de custo, o trabalho de desenvolvimento no simulador. E aí, simulador ou treino de pista: o que dá mais resultado? Felipe Nasr: Eu sou totalmente pelo treino de pista. Não tem nada como ir para a pista, sentir o asfalto e as reações do carro para se poder trabalhar e melhorar, desenvolver. É como um tenista. Ele vai para a quadra e joga, ele treina jogando, não num simulador. Para o piloto é assim também. Para quem não tem condições financeiras ou por impedimento de regulamento não se ter permissão para treinar, o simulador acaba sendo a única alternativa. Os simuladores melhoram a cada ano. Desde o primeiro que eu usei até o mais recente, eles já melhoraram muito, estão muito próximos do que é a realidade, mas não é a mesma coisa e eu não acho que um dia eles venham a ser melhores do que o trabalho puro na pista. NdG: Com tanta eletrônica embarcada nos carros de hoje em dia, quão longe ficou o trabalho de desenvolvimento daquele piloto que sentava no carro, sentia o que estava acontecendo e passava as informações para o engenheiro? O peso do dinheiro não deveria pesar mais do que o talento. Ele mascara, acelera um processo de formação e sem garantias. Felipe Nasr: Hoje as coisas estão muito diferentes. Posso dizer sem medo que hoje em dia, o resultado na pista em condições normais é 90% do carro e 10% do piloto. A qualidade do equipamento, as leituras dos sensores, as obtenção de dados por telemetria dão para a equipe uma quantidade de informação tão grande que um piloto como se fazia antigamente não teria como passar tanta coisa para a equipe. Claro que o piloto tem que ter condições de sentar no carro, andar forte, trocar impressões com a equipe, trabalhar o acerto, mas na somatória do resultado, o carro hoje tem um peso muito maior. NdG: Uma das coisas que não tinha antigamente e hoje parece ter até demais é a conversa por rádio. Até onde ajuda ou atrapalha o engenheiro falando? Felipe Nasr: Depende. Eu acho que se for passado o necessário para que se tenha benefícios e se consiga melhorar o desempenho, é positivo. Seja no treino ou na corrida, este diálogo hoje em dia ficou importante NdG: O atleta de alto rendimento passa por um trabalho de alimentação e condicionamento muito rigorosos. Como foi tua preparação neste sentido e como é teu dia a dia? Felipe Nasr: Desde meus 12/13 anos de idade que eu venho tendo um acompanhamento específico para o automobilismo, com uma dieta equilibrada, um programa de preparação física e também um trabalho de acompanhamento psicológico. Eu sempre tive consciência de que era preciso colocar o meu preparo físico como algo fundamental na minha condição de piloto se eu quisesse chegar aonde cheguei e para mim isso nunca foi sacrifício nenhum. Sempre fui muito ativo, gosto de praticar esportes, de ir para a academia e na alimentação eu digo que sou magro de ruim (risos) porque eu como de tudo e não engordo... e eu como pra caramba! Como o que tiver na frente, todo tipo de comida eu gosto. Tenho minhas preferências, claro. Gosto de uma boa massa, de comida libanesa que é algo de família, mas gosto de feijão e arroz, de churrasco... como tudo mesmo. Claro que tem um programa e não dá pra comer tudo e tanto sempre, mas num final de semana dá para dar uma fugida do controle sem prejuízo. Compensando na academia depois, não tem problema. NdG: Ao longo destes anos, como é que você tem visto o cenário do automobilismo a nível de mundo e de Brasil? Eu sou magro de ruim! Como de tudo, mas desde os 12/13 anos que sigo uma preparação física e nutricional como piloto. Felipe Nasr: Eu acho que o automobilismo está muito ditado pelo dinheiro e no quanto se investe para se fazer um piloto chegar mais longe. Alguns países tem investido pesado buscando com esses pilotos ter um maior retorno. As vezes o apoio vem de empreses destes países, as vezes do próprio governo. A gente que está no meio vê países como o México, a França, a Itália a Espanha, a Inglaterra, todos de alguma forma fazendo por onde seus pilotos chegarem o mais longe possível, visando a F1, e no Brasil a gente não tem isso, ainda mais com o cenário econômico que o país está vivendo. Hoje um brasileiro conseguir aqui um patrocínio para ir para a F1 é quase impossível. Quanto ao que tem acontecido aqui no Brasil, tenho visto muito pouco. Sei que as coisas estão difíceis. Tanto que a equipe da nossa família está sem participar de campeonatos. Tenho me concentrado mais em ver as possibilidades no exterior. NdG: E fora da F1, o que você tem visto? Felipe Nasr: Eu vejo dois tipos de piloto: aqueles que tem talento, que tem mérito para estar ali e aqueles que estão onde estão porque tem um grande esquema por trás que o está levando a subir de categorias, encurtando caminhos. NdG: Você alguma possibilidade de mudança neste cenário? Felipe Nasr: O que eu vejo é que, se o piloto tiver o apoio correto e eu vou usar o meu caso, que eu tive a sorte chegar na Europa como eu cheguei para disputar a F. BMW Europeia e o dono da equipe italiana onde eu fui correr assumiu tudo. Ele bancou minha temporada apostando no meu talento e buscou ter o retorno para ele e para a equipe em cima de uma conquista de título, que foi conquistado. Depois passei a ter um empresário que cuidou da minha carreira desde os 16 anos, sem nada de dentro do Brasil. Bem depois foi que vim conseguir ter patrocínios de empresas brasileiras. Para isso acontecer de novo, tem que ter muita sorte e o raio cair duas vezes no mesmo lugar, ou ele sair do Brasil com um esquema capaz de bancar seu início na Europa e chegar com força, ganhar corridas, conquistar títulos para manter a estrutura... e mesmo com tudo isso, ainda vai ser difícil. NdG: Como você tem trabalhado as perspectivas para 2018? Estou vendo as possibilidades para 2018. Estive nos Estados Unidos e também vendo categorias na Europa. Felipe Nasr: Estive no início do mês nos Estados Unidos acompanhando mais de perto a Fórmula Indy convidado pelo Helio Castroneves, que é um amigo da família e tem uma bom relacionamento com muita gente por lá e também estou vendo possibilidades em outras categorias (Nota NdG: 10 dias após esta entrevista Felipe Nasr assinou contrato com a equipe Action Express e disputará o campeonato da IMSA em 2018). NdG: Você pensa em vir a correr aqui no Brasil? Felipe Nasr: Ainda não.
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