Conhece-se aquela expressão “nunca conheças os teus heróis”. Muitas das vezes não são aquilo do qual tinhas expectativas, ou por vezes projetas para eles coisas dos quais não tiveste na tua infância. Mas há cerca de um mês, conheci um dos heróis da minha infância automobilística, e as circunstancias foram tão casuais e tão incríveis que achei melhor contar por aqui como é que as coisas correram. Numa tarde de domingo de chuva, com ele montado num jipe. Para quem não sabe, o finlandês Ari Vatanen foi um dos pilotos mais velozes e mais espetaculares do seu tempo nos ralis. Nasceu a 27 de abril 1952 na localidade de Tuupovaara, na sua Finlândia natal, e cedo começou a correr em ralis, principalmente nos Ford Escort 1800, onde demonstrou toda a sua rapidez. Em 1981, ao lado de David Richards (que viria mais tarde a fundar a Prodrive), tornou-se campeão do mundo e um dos melhores pilotos daquilo que se veio a chamar de “finlandeses voadores” a par de Markku Alen, Hannu Mikkola, Henri Toivonen, Timo Salonen e Juha Kankkunen, entre outros. Em 1984, Vatanen juntou-se à equipa oficial da Peugeot, que estava a estrear o 205 Turbo, numa altura em que os carros de Grupo B apareciam na estrada. Venceu cinco ralis entre 1984 e 85, até que um grave acidente na Argentina o colocou entre a vida e a morte e o deixou afastado do volante durante ano e meio. Apenas em 1987 ele voltou a conduzir pela Peugeot, acabando por vencer quatro edições do Dakar. Pelo meio, ainda foi ao Pikes Peak, onde venceu em 1988 com o modelo 405. Continuou a competir até à década passada, especialmente no Dakar, e pelo meio ainda se meteu na política, onde foi deputado europeu por dois mandatos, entre 1999 e 2009. A minha historieta começou na última semana de setembro, quando aconteceu o Leiria Sobre Rodas. Visito-a desde a sua primeira edição, em 2014, e este ano, Vatanen era o cabeça de cartaz, a par de Rui Madeira, campeão mundial de Grupo N de ralis em 1995. Durante o fim-de-semana, houve demonstrações de “slalom” à volta do estádio municipal, com um Ford Escort Mk1 de ralis, para deleite dos visitantes. Como tinha compromissos no sábado à tarde, acabei por não ir ao estádio para ver o “meet and greet” proporcionado pela organização no interior do estádio. Somente à noite é que fui visitar o evento, e confesso que deixei a ideia de o ver para trás. Na tarde de domingo, para finalizar os eventos do fim-de-semana, há um desfile pelas ruas das cidade, com dezenas de automóveis, todos eles a posar ao longo do fim-de-semana no recinto. Esse desfile começa sempre no final da tarde, com milhares de pessoas alinhadas nas ruas, em um policia sinaleiro a recordar a vida de há meio século, quando eram eles que orientavam o trânsito. Naquele domingo, porém, não víamos que os céus estavam a escurecer para os nossos lados. E a meio do desfile, começou a chover, e as pessoas abrigaram-se no primeiro toldo que conseguiriam encontrar. O aparato foi incrível, e pessoalmente, comecei a marchar para casa, rumo ao estádio. E foi ali que tudo aconteceu. Perto de uma pequena rotunda, a rua onde estava a caminhar e a tirar fotografias, tinha duas faixas, e os carros presentes já faziam um engarrafamento, para deleite dos resistentes. Reparei num carro da policia que escoltava um “jeep” da II Guerra, e apontei a máquina para o veículo, desconhecendo totalmente quem lá iam. E só quando tirei a foto é que reconheci o Ari Vatanen e a sua mulher, Erja. Confesso que fiquei deslumbrado. Como a velocidade era baixa, segui-o até quando pude, e por causa do engarrafamento, o jipe teve de parar por momentos. E foi aí que tive a minha oportunidade. Tirei algumas fotos com o meu celular (e com a minha mão trêmula) e conversei com ele sobre como ele foi o meu primeiro herói nos ralis, e como era um prazer vê-lo mais uma vez em Portugal. A resposta dele era a esperada: - É por isso que adoro Portugal. As pessoas são sempre simpáticas. E é verdade: do que vi, todos queriam tirar uma foto ao lado dele, do qual ele acedia sem hesitar. Sempre simpático, super-simpático. No final disse-lhe: - Por favor, volte em breve. E ele respondeu: - Voltarei, tenho a certeza! Debaixo daquela chuva miudinha, naquela tarde de final de verão, aquele encontro é um pouco parecido com a vida: por vezes, as melhores oportunidades aparecem quando menos esperamos. E quando acontecem, é tudo tão rápido que nem sequer tens tempo para assentar aquilo tudo. É um misto de surpresa e deslumbramento, e isto fez-me lembrar outra história. Quatro anos antes, em junho de 2013, a meio de um período de férias, fui desafiado a ir a Le Mans, para ver as 24 Horas. Era uma segunda-feira e a corrida iria ser no sábado. Fiz cálculos mentais e cheguei à conclusão que o fácil era apanhar um avião para Paris e um TGV para Le Mans, mas a parte difícil era chegar a La Sarthe e arranjar um lugar para dormir naqueles dias. A chance de dormir ao relento parecia ser super-tentadora, e confesso que senti tentado. Mas no final, surgiu um contratempo. Tive um duplo furo no carro que tinha na altura e perdi dois dias preciosos na oficina para trocar os pneus, porque havia uma lista de espera, para não falar no rombo orçamental causado por reboques e outros problemas. Assim sendo, acabei por deixar essa chance para uma nova oportunidade. Contudo, a ideia pré-concebida do “Conhecer os teus ídolos? Nunca na vida, ou ficas desiludido!”, nem sempre isso acontece. Não posso responder pelos outros, mas em relação ao Ari Vatanen, é algo parecido com uma bênção dos céus. E até ao momento em que escrevo estas linhas, a minha - selfie tremida - com ele está a decorar o meu Facebook pessoal. Sempre que olho para ela, só retiro sorrisos. Saudações D’Além Mar, Paulo Alexandre Teixeira
|