Falar sobre finanças na Formula 1 não é fácil. Não é um assunto do qual muitos pretendem saber como a máquina funciona, como as equipas recebem as suas finanças, como permitem sobreviver e triunfar na categoria máxima do automobilismo. Para além disso, é complexo o esquema de distribuição do dinheiro que a Formula One Management recebe vindo de várias fontes, desde a publicidade até às receitas vindas das televisões e dos países que acolhem os circuitos, muitos deles vindos de estados. Em muitos aspetos, esta opacidade sempre foi uma aposta de Bernie Ecclestone. Para ele, o que interessava era distribuir o dinheiro e ajudar a manter as equipas a seu gosto, especialmente a Ferrari. E claro, garantir a sua quota-parte, o que fez com que em 40 anos, se tornasse num homem muito rico. E a sua aversão à transparência tem algumas razões, uma delas é que muitas das vezes, a origem desses dinheiros é altamente duvidosa… Contudo, temos agora novos senhores na Formula 1, e uma das discussões do momento é saber como será redistribuído o dinheiro, pois existem equipas que recebem mais do que outros. Enquanto a Ferrari quase não gasta dinheiro do seu próprio bolso para construir os seus carros, outros recorrem a pilotos pagantes para ver se conseguem correr mais uma temporada… Os novos chefes da Fórmula 1 pensam em mudá-la e fazer dela um negócio mais atual. Primeiro que tudo: para sobreviver, uma equipa de Formula 1 precisa de pelo menos, cem milhões de dólares. Para isso, tenta recolher patrocínios, não interessa muito de onde, mas sobretudo, tem de ficar no “top tem” em termos de construtores. A razão? Porque apenas essas dez equipas é que recebem dinheiro da FOM, para pagar coisas como o custo de transporte, por exemplo. Em 2014, quando a Manor-Marussia conseguiu os seus primeiros pontos, com o malogrado Jules Bianchi, e acabou no nono lugar no campeonato de Construtores, a FOM deu-lhes no final da temporada 35 milhões de dólares. Suficiente para que pudesse sobreviver mais algum tempo, apesar de terem pedido falência no final dessa temporada… Com esses números, a Liberty Media descobriu que os custos estão demasiadamente altos na Formula 1, e a distribuição é desigual. Já disse que a Ferrari quase não gasta nada, agora é o porquê: só pela antiguidade, recebe cerca de 100 milhões de dólares, cerca de um terço do seu orçamento. Ainda antes de fazer o seu primeiro parafuso do seu carro de Formula 1. E não se fala do seu valor no bolo da Formula 1, que varia conforme a sua posição no Mundial de Construtores. Mesmo sem títulos conquistados desde 2007, a Scuderia pode-se dar ao luxo de ter os melhores salários da competição, por exemplo. A Formula 1 é muito lucrativa. Segundo números de 2014, as receitas andavam a rondar os 1700 milhões (ou 1,7 biliões) de dólares, com despesas a rondar os 500 milhões. Restavam 1,2 mil milhões (ou 1,2 biliões) que seriam distribuídos entre as equipas, a CVC Capital Partners e a Delta Topco, o fundo de investimento feito por Bernie Ecclestone. Só aí, eles tinham direito a 15 por cento dos lucros. Suficiente para manter a Brabham, se Ecclestone ainda a tivesse e quisesse… Contudo, por estes dias, as coisas andam um pouco diferentes. Numa matéria do passado dia 12 de novembro, no site da Forbes, escrito pelo jornalista Chris Sylt (recomendo seguirem o Formula Money no Twitter), afirma que os novos donos tem tido dificuldades em arranjar novos patrocinadores e parceiros. Pior: vão fechar o ano com um prejuízo a rondar os 120 milhões de dólares. É quase o orçamento anual de uma equipa como a Force India, por exemplo… A distribuição do dinheiro na Fórmula 1 nos tempos de Berie Ecclestone fazia as mais ricas ainda mais ricas. As razões são simples de explicar. Uma delas tem a ver com os contratos com os circuitos. Em média, alcançam os 20 a 25 milhões por temporada, com extremos. Em 2010, só para receber a primeira ronda da Formula 1, o governo do Bahrein pagou 60 milhões de dólares por temporada, num contato em que os valores teriam de aumentar cinco por cento ao ano, até cinco anos. Ou seja, alguém que começaria o contrato terminaria a pagar em um quarto de preço mais caro do que antes. Claro, em pouco tempo, algumas partes decidiram quebrar o contrato a meio e pagar pesadas multas para se livrar da Formula 1 porque ninguém saia a ganhar. Ninguém… a não ser Bernie Ecclestone. E agora, sítios como a Grã-Bretanha e a Malásia decidiram roer a corda por causa dos custos elevados. Silverstone poderá estar fora do calendário em 2019, se não existir uma renegociação antes, e Sepang viu em 2017 a sua última corrida de Formula 1, depois de 18 anos de bons serviços. E para piorar as coisas, a Liberty Media ainda não arranjou um patrocinador “master”, porque provavelmente aquilo que andavam a pedir antes era demasiadamente caro… E os donos das equipas estão preocupados. Na quarta-feira anterior ao GP de Abu Dhabi, a Autosport britânica escrevia sobre isso e deu azo a declarações como as de Niki Lauda e Eric Boullier, respectivamente, o diretor não-executivo da Mercedes e o diretor da McLaren. "O cerne do problema é outra coisa", disse Lauda. "Em face do crescimento dos custos em cerca de 70 milhões de euros de um ano para o outro, as receitas diminuíram. Mas onde queremos ir a partir daqui? Deveria haver ideias para gerar mais dinheiro, mas não as vejo", afirmou o tricampeão austríaco. "Se perdemos dinheiro, não ficaremos felizes, mas nosso modelo de receita na Formula 1 é baseado em um que o FOM está nos dando com base em seu próprio EBITDA [resultado bruto antes de impostos]. Então, se o seu EBITDA está abaixo, o que vamos conseguir é baixo. É assim que funciona". Bernie Ecclestone deixa a cena e para muitos sem deixar saudades. Será Chase Carey melhor? Claro, há sítios por explorar. Eles querem ter uma segunda corrida em território americano, mas é complicado. A Formula 1 é uma competição “estranha” para eles, na terra da NASCAR. E mesmo tendo a Haas – e com rumores de interesse por parte da Andretti – ainda não atrai o gosto, e os milhões da America ainda são complicados de os agarrar. E mesmo com interesses de operadores privados, o público é muito relutante em aceitar. No passado mês de outubro, a pequena cidade de San Juan Bautista – cerca de três mil habitantes – e situada entre São Francisco e Los Angeles, na Silicon Valley, esteve interessada em construir um complexo automobilístico para acolher a Formula 1, um projeto que rondaria os 180 milhões de dólares, mas os habitantes da cidade votaram veementemente contra, devido a preocupações ambientais, como o barulho e a água, que é um bem escasso naquela parte da California. É por isso que a Liberty Media deseja remexer nos lucros da Formula 1. Colocar um limite nos custos gastos pelas equipas, e redistribuir o dinheiro no sentido de que todos saiam a ganhar e atrair mais equipas para o pelotão, agora que, por exemplo, vemos boa parte dos construtores a migrarem para a Formula E, a nova fronteira tecnológica do automobilismo. E é sobre isso que Ross Brawn sabe que tem de mexer com pinças, porque a partir de 2018 terá de negociar um novo Pacto da Concórdia, que estará em vigor em 2021. "Precisamos convencer as equipes de não jogar a água do banho fora com o bebé lá dentro", afirmou Brawn en Interlagos, quando referiu sobre sobre o desconforto causado na queda do prize-money. "Há uma discussão maior sobre todo o lado comercial que precisa ser feito. Nós [recentemente] tivemos nossa primeira discussão sobre um sistema de controle de custos justo e sustentável para o futuro, de modo que também é parte disso. Precisamos garantir que todos nós crescemos sobre isso, e nós temos uma discussão comercial. "Haverá discussões difíceis, mas temos o lado técnico do esporte para tentar avançar. Temos o lado do controle de custo do esporte para avançar. Nós temos o lado esportivo do esporte para avançar. Se estragarmos tudo porque estamos tendo esse debate sobre o lado comercial, somos tolos porque é isso que torna o nosso negócio melhor, mais sustentável", concluiu. Portanto, podem ver porque é que falar sobre o aspeto financeiro é o mais complicado de todos. O apoiante comum não entende da coisa, e muitas das vezes não quer. E mesmo outros aspetos tão ou mais complicados como a engenharia até são relativamente simples, comparado com as contas sobre quanto dinheiro vai para a equipa A ou B e porque uns merecem mais do que outros. Mas é o dinheiro que faz circular tudo e porque é que as coisas avançam. E se no final do ano, a equipa tiver lucro, então sobrevivem mais um dia e tentam fazer o seu melhor para bater a concorrência. Saudações D’além Mar, Paulo Alexandre Teixeira
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