A segunda metade dos anos 60 foram anos difíceis na história do Brasil. A recém instalação de um governo militar, liderado pelo General Castelo Branco e as correntes opositoras – algumas no congresso nacional, outras por meios de enfrentamento físico – preocupavam a sociedade. No automobilismo, as disputas fora da pista também tomavam caminhos acidentados. Durante a duração da II Guerra Mundial, o então Presidente da República, que comandava o país desde 1930, ordenou fazer-se cumprir o Decreto-Lei 3199/41 que organizava o esporte pelo sistema de confederações. Os mais antigos talvez lembrem da camisa da Seleção Brasileira, tricampeã de Futebol na copa do México, em 1970, onde o escudo trazia as letras CBD, que referia-se a Confederação Nacional de Desportos. O Automóvel Clube do Brasil possui uma imponente sede no centro da cidade do Rio de Janeiro. Contudo, o decreto lei de 1941 trazia uma exceção: o automobilismo. O controle dos destinos do esporte a motor no país era do Automóvel Clube do Brasil, fundado em 1907, idealizado por ninguém menos que Alberto Santos Dumont, e que era filiado a Federação Internacional de Automobilismo desde 1927, tendo a representação do órgão internacional no território nacional. O leque de atuação do ACB era bastante amplo, como é o da FIA, a nível mundial. Muito antes de serviços de reboque e de mecânico virarem lugar-comum das operadoras de cartão de crédito e seguradoras, poucas organizações prestavam tais serviços e outros, como a emissão de carteiras de habilitação internacionais. Entre os anos 50 e 90, ser sócio do ACB ou de outras entidades, como automóveis clubes que eram abertos nos estados, muitos deles, filiados ao ACB. Os Automóveis Clube tinham um papel importante para seus associados, provendo diversos serviços. Dez anos antes, na segunda metade dos anos 50, o surgimento da indústria no país de uma forma geral e da indústria automotiva particularmente. No curto período entre 1956, quando as indústrias são instaladas em São Paulo, e 1960, quando o Rio de Janeiro perde a condição de capital nacional, tinha início um movimento para “acabar com a exceção” que era concedida ao ACB e, dentro do que previa o Decreto-Lei 3199/41, começava a crescer a ideia de se criar uma Confederação para cuidar dos assuntos ligados ao esporte. Dois fatores eram considerados como cruciais: o primeiro vinha de uma pressão externa, devido o relativo pouco interesse do ACB pelas competições, que começaram a aumentar em quantidade e importância, com o início do envolvimento das fabricantes de automóveis nas corridas como elemento de marketing para alavancar a venda de seus veículos. O segundo era interno e político. A forma como era conduzida a política pelo então presidente do ACB, o General Sílvio Américo de Santa Rosa. Ramon Buggenhout (de óculos escuros) foi o grande articulador na criação da Confederação Brasileira de Automobilismo. Com a mudança da capital para o planalto central e com ele o centro do poder, um ex-funcionário do ACB por muitos anos e um antagonista da política do General Santa Rosa, fundou o Automóvel Clube de Brasília e vindo a se tornar um personagem importantíssimo em todo o processo político que iria se seguir praticamente ao longo de toda a década de 60. Este era Ramon Buggenhout. Depois de fundar o Automóvel Clube de Brasília, Buggenhout passou a a visitar diversos estados, e convencendo os de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraná a fundarem suas federações, encontrando em São Paulo aliados que acreditavam que a federalização do automobilismo de competição era o caminho para o fortalecimento do esporte. Foi justamente em São Paulo que no dia 14 de julho de 1961 foi realizado nas dependências do Centauro, à Av. São João, 1151, uma assembleia que foi presidida por Claudio Daniel Rodrigues, do Auto Sport Clube, onde foi proposta, votada e aprovada a fundação da tão desejada Federação Paulista de Automobilismo (FPA), foi também aprovado o estatuto elaborado por Renato Lima Pedreira, do Automóvel Clube Piratininga, além de também elegerem a primeira diretoria, que tinha Paulo Machado de Carvalho Filho como presidente e Eloy Gogliano como vice. A recém fundada federação tinha sua sede no mesmo endereço do Centauro. Wilson Fittipaldi, promotor das Mil Milhas Brasileiras e personagem de grande projeção no esporte e com a vantagem de ser jornalista e radialista, seria um voz importante para divulgar a nova ideia. O Automóvel Clube cumrpria um "papel social" que era relevante para os seus associados. Estiveram presentes na reunião de fundação: Eloy Gogliano, do Centauro Motor Clube, Fernando Palmério, do Automóvel Clube do Estado de São Paulo, Renato Lima Pedreira, do Automóvel Clube Piratininga, Antônio Carlos Avallone, do Automóvel Clube de Jundiaí, Aloísio Assumpção Fagundes, Roberto Oliveira Rocha, Alfredo Ferreira da Costa, Wilson Fittipaldi, Mário Macedo Júnior, Paulo Machado de Carvalho Filho, José Brescia, José C. Martinez, Caio Marcondes Ferreira, Araguay Vieira Ribeiro, Gilberto Muniz, Agnaldo de Araújo Góes Filho e Ramon Buggenhout. O ACB era visto como um órgão que vivia sob a autoridade de um General... de fato. O General Santa Rosa baixava regras que irritava os promotores de corridas, exigindo que, obrigatoriamente, estivessem presentes um ou mais delegados do ACB, com todas as despesas pagas (detalhe, a CBA há anos exige isso também). Ainda haviam outras taxas e exigências que dificultavam a promoção de corridas, algo que passou a ser parte das federações estaduais e da CBA. Enquanto que na pista, fosse no Fundão, no Rio de Janeiro, em Interlagos em São Paulo, no antigo Jacarepaguá ou nas corridas de rua pelo interior do país. Com o investimento que as fábricas passaram a fazer esse quadro começou a mudar. Os pilotos de ponta, de grandes equipes, que corriam sem receber, começaram a ganhar carros e prêmios das fábricas que representavam nas corridas. Em seguida, salários começaram a ser pagos. Enquanto isso, o ACB levou o automobilismo carioca a um plano inferior ao dos grandes centros do país por não conseguir administrar o crescimento das competições em vista de suas outras atribuições. Por decisão judicial, o mando nas corridas nacionais já era da CBA desde 1965, mas coube recurso ao que foi publicado no Diário Oficial da União. A disputa tomou rumos que prejudicaram o esporte. Reuniões entre as diretorias chegaram a acontecer, mas a intransigência do Gen. Santa Rosa era um problema. A proibição, por parte do ACB, impedindo os pilotos de saírem do país para competir em categorias internacionais; havia sanções e punições para os que desrespeitassem as regras. Graças a esta intransigência do ACB a nossa mais brilhante geração de pilotos não teve como chegar à Fórmula 1 em seu auge. Luiz Pereira Bueno, Bird Clemente, Mario Camargo Filho, Jayme Silva poderiam ter preenchido a enorme lacuna deixada pela morte precoce de Christian Heins, nas 24 Horas de Le Mans em 1963, que corria como filiado a um clube alemão. Bird e Marinho tiveram convites para participar do Rally de Montecarlo em 1964. Não foram! A porta foi reaberta por Ricardo Ashcar, que filiado a um clube inglês, começou a correr de F. Ford na Inglaterra em 1968 e abriu um caminho para em 1969 outros pilotos tomarem o mesmo caminho, entre eles, Emerson Fittipaldi. A temperatura subiu quando, em comitiva, dirigentes do automobilismo paulista, entre eles Eloy Gogliano, Wilson Fittipaldi, Mário Macedo Júnior, Paulo Machado de Carvalho Filho e Ramon Buggenhout saíram em peregrinação pelos estados para criar as Federações Estaduais de Automobilismo que dariam legitimidade legal à criação da Confederação Brasileira de Automobilismo – que na prática já existia – e assim tentar mudar o status da representatividade brasileira junto à FIA. Com sua costumaz habilidade, Mauro Salles conseguiu conciliar as partes e por um ponto final na disputa. A CBA já existia de fato, mas sua oficialização e reconhecimento pelo governo federal para conseguir mudar a forma de representação brasileira junto à FIA era um problema. Ramon Buggenhout tinha tráfego nos gabinetes na Europa enquanto que no Brasil, o General Santa Rosa... bom, era um General num país governado por Generais! Não ia ser fácil conciliar as partes. Foi apenas em 1970 que chegou-se a um bom termo entre as partes. Um acordo verbal foi acordado entre os presidentes da CBA, Mauro Salles e do ACB, General Silvio Américo de Santa Rosa, acordo esse reclamado desde 1962 pelo CND, presidido pelo General Eloi Menezes. Até 1962 o Automóvel Clube do Brasil era reconhecido oficialmente como a entidade dirigente do automobilismo brasileiro em todos os seus aspectos. Tal fato foi considerado uma anomalia perante a legislação esportiva brasileira, Decreto-Lei 3199 de 14 de abril de 1941, que estabelece as bases de organização dos esportes em todo o País, determinando que todas as modalidades esportivas sejam dirigidas por Confederações Nacionais. Com esse acordo a filiação esportiva junto à FIA passava à CBA, ficando os assuntos relativos à circulação internacional de veículos de turismo com o ACB, uma vez que, por decisão judicial, o mando nas corridas nacionais já era da CBA desde 1965. Cópia do Diário Oficial da União de 1965, onde já determinava a CBA como responsável pelas competições no país. Quando enfim a CBA se tornou a autoridade máxima de nosso automobilismo para representar o país junto à FIA, os caminhos se abriram para os pilotos brasileiros “invadirem a Europa e conquistarem o mundo”.
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