O grande assunto extrapista desde o final do ano passado está sendo o projeto de lei 705 da prefeitura de São Paulo que coloca à venda o Autódromo Internacional de Interlagos e, ao contrário do que inicialmente o prefeito da cidade havia falado, sem nenhuma garantia da continuidade das atividades do autódromo (onde há a menção de haver uma “pista para corridas”, mas sem garantir que seja o traçado atual) e com a condenação ao desaparecimento do kartódromo, que está sendo combatida por uma comissão de dirigentes, promotores e ex-pilotos. No mundo existem diversos complexos autódromo-kartódromo que são privados ou que foram privatizados e mantidos funcionando sem prejuízo da prática do esporte e com o uso do espaço para diversas atividades além do automobilismo que são rentáveis para os proprietários, mas o projeto da administração paulistana passa pela instalação de um novo bairro dentro do autódromo e um duvidoso projeto de um centro comercial no interior no traçado. Conversamos com diversos profissionais envolvidos com o automobilismo sobre o assunto para saber o que eles pensam sobre o assunto: privatizar Interlagos de ser bom? É ruim? Interlagos está condenado? Com a palavra, pilotos de diversas categorias nacionais. Bia Figueiredo – Pilota na Stock Car. A partir do momento que o projeto fala em destruir o kartódromo aqui em Interlagos o projeto já deixa de ser bom. Na verdade, é péssimo para o automobilismo. Desde que surgiu esta situação eu tenho conversado muito com o Felipe Giaffone, presidente da ABPA, para ver o que nós, pilotos podemos fazer, efetivamente, para ajudar a evitar que Interlagos desapareça. Como ele está mais envolvido politicamente, pediu para que tivéssemos calma porque tem muitos rumores, mas não há nada escrito ainda sobre uma privatização, mas se tiver algo neste sentido a gente vai se posicionar, vai contestar. O autódromo de Interlagos foi construído para ser um autódromo. O kartódromo para ser um kartódromo. Acredito que isso não pode ser mudado por estar registrado assim, como bens públicos. Precisamos e vamos estar atentos a tudo que acontecer porque diz respeito diretamente a nós. Cacá Bueno – Piloto na Stock Car. Sobre as questões do autódromo de Interlagos eu sei pouco a respeito de como está sendo o processo. Eu acompanhei mais de perto o problema do autódromo de Jacarepaguá, por ser no Rio e eu ser do Rio. Eu comprei uma briga desgraçada por lá e era um dos poucos a me manifestar. Agora a briga é para manter o autódromo de São Paulo e, sem revanchismo, quero ver os paulistas comprarem a briga. Independente de Rio ou São Paulo, eu vou comprar a briga, porque é uma briga pelo esporte a motor no país. No momento eu estou muito pouco informado sobre como está sendo feito o processo e eu tenho conhecimento de vários autódromos no mundo que são privados e que funcionam melhor do que autódromos públicos. Aqui no Brasil um ótimo exemplo é o Velocittà. Eu não acho que uma privatização seja o fim do mundo. O fim do mundo seria desvirtuar a destinação do terreno. Se privatizado o terreno continuar tendo como fim o esporte a motor, não vejo problema nenhum. Se tiver aqui dentro um shopping, um outlet, um hotel, algo que tem em muitos autódromos do mundo, vai ser positivo. Outros tem escolas, centros de treinamentos, instalações olímpicas como na Russia, sem falar no parâmetro com os estádios de futebol que tem shows de música , feiras e até eventos de carros com competição. Em Interlagos acontecem shows e festivais de música que geram renda para o autódromo, mas preciso saber mais sobre o projeto para poder me posicionar melhor. O que é inaceitável é a construção no local de um autódromo histórico de outras coisas que não sejam para manter sua finalidade com foco no esporte a motor. Danilo Dirani – Piloto na Copa Truck. Todos os autódromos privados que eu conheço pelo mundo são bem mais cuidados do que Interlagos. Silverstone e praticamente todos os autódromos da Inglaterra são privatizados. Se aqui for feita uma venda para quem comprar ter um cuidado melhor e o autódromo continuar sendo autódromo, seria perfeito. Se aparecer um grupo de investidores com visão para o esporte, vão deixar Interlagos melhor do que ele é, hoje. Agora, se for vender para fechar o autódromo e construir prédios, temos que nos posicionar contra e fazer alguma coisa para que isso não aconteça. A maioria das pessoas quando veem as corridas veem os carros e os pilotos,mas não veem a quantidade de pessoas que vivem direta e indiretamente do automobilismo e que não aparece. Eu e meu irmão vivemos do automobilismo, não apenas como pilotos, mas como orientadores de novos pilotos que estão começando a competir. Se você andar nas vizinhanças de Interlagos, quantas centenas de oficinas de preparação de karts e carros dos campeonatos locais existem? Centenas! Eu não vou me prender a parte histórica, nostálgica, que envolve Interlagos, olhando apenas para o que ele representa hoje, o autódromo não pode deixar de existir. Se privatizar pra melhorar, ótimo, do contrário, não. Nos autódromos da Inglaterra todos os dias tem atividade, eles não param. Interlagos, sendo em São Paulo, ao lado do polo automobilístico, pode ser assim também. Felipe Giaffone – Piloto na Copa Truck. Acho que meu ponto de vista vai incomodar algumas pessoas que enxergam a Fórmula 1 como um problema para Interlagos, mas é graças a ela que Interlagos tem esta condição que tem, sendo uma pista de padrão internacional, segura e bem cuidada. A gente estaria com aquele traçado antigo, sabe-se lá em que condições e seria muito mais fácil ter tido o mesmo destino que teve Jacarepaguá. Precisamos ter consciência do valor desta área no mercado imobiliário e eu vejo a privatização com algo que pode ser positivo. Caso percamos a Fórmula 1, vão aparecer vários com o discurso de que Interlagos é sustentável, mas vão aparecer mais e mais interessados em mudar a destinação da área do autódromo e do kartódromo. Por isso que uma privatização bem feita pode ser um caminho certo para preservar o autódromo como autódromo. O importante é, caso o projeto siga, não se deixe acontecer o que aconteceu no Rio de Janeiro. Com relação ao kartódromo, tem muita gente batendo forte, mas se for uma moeda de contrapartida, que se entre com um museu para manter a memória e se faça um outro kartódromo, melhor e mais moderno, pode ser algo bom. Julio Campos – Piloto na Stock Car. O kartódromo de Interlagos é o kartódromo mais legal que eu já andei na vida e olha que eu já andei em kartódromos por muitos países. Se vierem a destruir o kartódromo para construir prédios, casa, shopping vai ser uma perda terrível para o nosso esporte, uma coisa inadmissível pra gente que pilota. A gente está preocupado com esta possibilidade real de venda do autódromo porque estará colocando em risco a continuidade da existência do principal autódromo do Brasil. Se venderem, a gente pode esperar pela destruição. Eles vão vir com projetos pra fazer tudo lá dentro e quem comprar, virar o dono, vai fazer o que quiser. Eu não estou totalmente inteirado de como está este processo, em que estado está o andamento, mas espero que se consiga evitar esta privatização, porque quando privatizarem, a tendência é acabar. Juliano Moro – Piloto no Brasileiro de Endurance. Eu não tenho acompanhado essa coisa da privatização de Interlagos muito de perto, mas acho que, caso seja privatizado, vai depender do grupo que comprar o autódromo. Se for um grupo de pessoas de boa fé, com visão para o esporte, pode ser uma coisa muito boa, mas se for um grupo pensando em destruir o autódromo e construir outra coisa, como fizeram no Rio de Janeiro, não. Lá no Rio prometeram que iriam construir outro autódromo e até hoje não construíram. Para mim, o melhor seria manter as coisas como estão. Interlagos é o maior e melhor autódromo do país e para a prefeitura eu não acredito que seja algo tão ruim, tendo em vista o retorno que a cidade tem quando tem eventos como a Fórmula 1 e a Stock Car, que enchem o autódromo, mas se nos planos está a demolição do kartódromo eu não acho que eles estão pensando no automobilismo. Pedro Boesel – Piloto do então Brasileiro de Turismo (2017), Atualmente Stock Light. Eu acredito que tanto nós pilotos de carros como os kartistas somos todos a favor do que vier a ser melhor para o automobilismo e eu acho que seria um pecado muito grande alguém alterar ou destruir o traçado de Interlagos, um lugar que tem uma história de muitas décadas, que é conhecido em todo mundo e que todos que vem correr aqui adoram a pista. Destruir o kartódromo, um lugar onde nasceu o maior ídolo do automobilismo brasileiro, o Ayrton Senna, seria um outro pecado sem tamanho. É no kart que tudo começa e o kartódromo está aí desde os anos 70. A diferença é que se destruírem o kartódromo, em São Paulo ainda tem outros kartódromos excelentes, mas se destruírem Interlagos vão estar destruindo o melhor e maior autódromo do Brasil. Para o kartismo ainda temos a Granja Viana e Aldeia da Serra, mas se perdermos Interlagos, não vamos ter outro. Nada vai substituir o que é Interlagos. Raijan Mascarello – Piloto no Mercedes Benz Challenge. Interlagos não pode acabar, nunca! É um dos templos do automobilismo mundial, um lugar com uma história riquíssima e que continua sendo um autódromo moderno, excelente e desafiador. Em torno de Interlagos existem muitas equipes, oficinas, preparadores, gente que trabalha para que aconteçam corridas e vivem do funcionamento do autódromo. Se destruírem o autódromo, essas pessoas vão trabalhar aonde? Vão construir outro autódromo aonde? No rio de Janeiro disseram que iriam construir e até hoje não construíram. Talvez o prefeito esteja vendo o autódromo como um negócio, como empresário. Todo mundo sabe que autódromo não dá lucro, mas o esporte foi feito para dar lucro? Pode se ganhar em outras situações, vendendo espaço de publicidade, atraindo o turismo para as grandes corridas como a F1, a Stock, a Truck, o que vai gerar receita para o município. Thiago Camilo – Piloto na Stock Car. Independente de qualquer coisa que tenha sido dita até agora, eu não acredito que haja algo 100% concreto. Ainda existem algumas dúvidas, questões a serem esclarecidas e que, não apenas como piloto, mas também como amante do automobilismo, eu espero que o kartódromo de Interlagos seja preservado, uma vez que assim como o autódromo é um local de muita história, de tantos pilotos que deram seus primeiros passos nele e saíram para se consolidar como estrelas do automobilismo mundial. Sinceramente, eu não acredito que isso venha a acontecer por ser algo tão absurdo que a própria sociedade vai se manifestar e ir de encontro a qualquer ideia neste sentido que passe pela destruição de Interlagos. Se for para termos um processo de privatização, que seja algo pensado e venha no intuito de melhorar o que temos, não de acabar. Wellington Cirino – Piloto na Copa Truck. Esta é uma negociação que precisa ser muito bem esclarecida. Vai privatizar? Ok. Vamos falar honestamente. Gasta-se em Interlagos todos os anos uma grande quantidade de dinheiro para receber a Fórmula 1. Caruaru e Fortaleza, que precisariam de muito menos dinheiro dos governos para se tornarem autódromos muito bons não recebem nada. Quem recebeu algum dinheiro governamental alguns anos atrás foi Goiânia. Alem desses, tem putros autódromos que precisam ser modernizados, reformados. O governo federal colocou 160 milhões aqui dentro e se fizesse uma parte disso nos outros autódromos, o automobilismo brasileiro ganharia muito mais. No caso de uma privatização, tem que haver garantias de que Interlagos continue sendo um autódromo por pelo menos mais 30 anos. Isso tem que ser legalmente estabelecido para não acontecer com Interlagos o que aconteceu no Rio de Janeiro. Se em outros países a Fórmula 1 acontece em autódromos privados, aqui no Brasil poderia ser assim também. Caso isso aconteça, o investimento do governo para fazer as reformas anuais de Interlagos poderia ser feito na modernização dos nossos autódromos, na construção de novos autódromos. Existem estados e cidades que gostariam de ter um autódromo e não tem. Isso ajudaria a formar mais pilotos e a termos um automobilismo nacional forte como é na Argentina, que não tem Fórmula 1, mas tem campeonatos fortes, muitos autódromos e um público apaixonado. Eu gostaria que os governantes olhassem para o automobilismo além da Fórmula 1, que vem uma vez por ano aqui.
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