Quem vai a Orense, na Galiza, uma província no morte de Espanha, dá de caras com uma estranha estátua, em que duas pessoas estão sentadas ao lado de um carro. A estátua não é uma qualquer, porque o carro também não é um qualquer. É um Alpine de ralis e celebra a vida de um dos melhores pilotos de ralis do seu tempo, e que muito antes de Carlos Sainz, construiu uma máquina que espantou a Espanha dos anos 70 pela sua rapidez e versatilidade. E tinha uma particularidade: em vez do motor Renault, tinha um motor Porsche de dois litros. A pessoa em questão chamava-se Estanislao Reverter e construiu uma história que ficou na memória dos "afficionados" há mais de 40 anos: o "Alpinche". Mais de 25 anos depois da morte de Reverter, é altura de contar a sua história. A de um homem marcante e da sua imaginação e engenho, que permitiu uma mistura inédita nos ralis. UM HOMEM DA TERRA Estanislao Reverter nasceu em Orense a 1 de outubro de 1929. Engenheiro mecânico de formação, começou a competir em 1955 no Torneio FASA, ao volante de um Renault 4/4. Três anos depois, teve a sua primeira participação no Rali de Monte Carlo, ao volante de um Dyna Panhard e é vice-campeão espanhol de ralis. Ao longo da década de 60, anda em carros tão versáteis como o Lotus Cortina, e faz diversas participações em ralis portugueses, como o Rali das Camélias e o Circuito Automóvel de Vila do Conde. Em 1969, ele corre com um Porsche 911R, onde alcança os seus melhores resultados, mas não o campeonato espanhol de ralis. Por esta altura, já tinha montado a Escuderia Orense. Ela tinha surgido em 1968, um ano depois de ter ajudado a montar o Rallye de Orense, que logo no seu primeiro ano se torna pontuável para o campeonato espanhol de ralis - e hoje em dia é um dos clássicos espanhóis. E para além de ser piloto, era proprietário da concessionária Land Rover na sua cidade natal. Mas a história do carro mais famoso da sua carreira começa com um acaso: um acidente. Em 1970, no rali internacional de Orense, José Pavon guiava um dos 911R da Escuderia Orense quando teve um acidente. O chassis ficou irremediavelmente danificado, mas o motor ainda era aproveitável. Reverter tinha um Alpine A110 parado na sua oficina, e o modificou para meter o motor, que era bastante maior do que o 1.6 litros que tinha originalmente. E para o modificar, o eixo traseiro era de um Volkswagen, pois era mais compatível com o motor e a caixa de velocidades do Porsche. O motor alemão tinha dois litros, de seis cilindros, e tinha 220 cavalos, contra um chassis bastante leve. À partida seria um carro bem veloz, mas pouco controlável. E "pouco controlável" significava que, por exemplo, as rodas da frente tinham tendência a levantar-se, dada a leveza do chassis. Reverter resolveu a situação, colocando uns defletores laterais na frente do seu carro. REALPOR VS ALPINCHE Quando ficou pronto para o Rali Rias Baixas de 1971, Reverter quis chamar o carro de "REALPOR", as siglas de REverter, ALpine e PORsche. Mas a imprensa e o público foi mais veloz e começou a batizá-lo de "ALPINCHE", as iniciais de ALPINe e PorsCHE. Contudo, o carro esteve prestes a morrer à nascença. Uns dias antes do Rali Rias Baixas, um incêndio na garagem de Reverter, em Orense, ameaçou o carro, e foi Reverter que conseguiu apagar o incêndio. Contudo, ele sofreu queimaduras ligeiras na cara, e ainda estava em tratamento quando alinhou à partida desse rali. O carro foi pintado de laranja, com uma faixa branca e duas azuis, representando a região da Galiza, e ainda tinha o escudo da Escuderia Orense. No rali, Reverter conseguiu levar o carro até ao terceiro posto, um primeiro sinal positivo do projeto. Com o Alpinche, ainda foi terceiro classificado o Rali de Espanha, vencido por Jean-Pierre Nicolas, piloto oficial da Alpine. Ele era navegado por um jovem de 26 anos chamado... Jean Todt, e no final do rali, curioso deu algumas voltas no carro. No final, ele afirmou que se quisesse, poderia fazer mais exemplares desta máquina, que seria "uma arma imbatível". No final da temporada de 1971, o Alpinche conseguiu quatro pódios, sendo sexto no campeonato de ralis de Espanha. No ano seguinte, começou a modificar o carro, no sentido de ter cada vez mais componentes da Porsche, enquanto o motor foi trocado por uma versão 2,7 litros, porque o anterior tinha-se rompido. Para caber no eixo traseiro, simplesmente trocaram de eixo traseiro, passando a usar uma da Land Rover. Um verdadeiro Frankenstein... com resultados: o Alpinche venceu três ralis em 1972: o Criterium Luis de Baviera, o Rias Baixas e o Ciudad de Oviedo. Para além disso foi a outras provas, como o Rali de Portugal, onde acabou por abandonar a prova. No campeonato, ele acabou na quinta posição da geral, e o Alpinche tornava-se no carro mais popular entre os fãs. Em 1973, voltou a vencer no Rias Baixas e foi segundo no Rali de Espanha, onde a meio do ano, o carro começou a ser usado por José Pavon, que estava mais experimentado por causa da sua condução com Porsches. Contudo, os resultados foram mais modestos. FINAL ATRIBULADO Em 1974, Reverter voltou ao Alpinche para ser terceiro no Criterium Luis de Baviera e quarto nos 500 km Noturnos de Alicante. Pavon voltava ao carro, e na Subida de Castro Beiro, perdeu o controle do carro - apesar das modificações, tinha uma tremenda subviragem - e este acabou com a frente destruida. O carro foi reconstruído, com uma nova frente, a fazer lembrar os Ligier do Mundial de Endurance, e voltou às mãos de Pavon, sem resultados de relevo. Em abril de 1975, Reverter voltou ao carro na Subida al Vasco Navarro, onde num salto, ao aterrar, a sua caixa de velocidades se quebra e ele acaba batendo em alguns carros. O seu cinto de segurança se quebra a ele fica ferido na cara, e quebra algumas costelas, basicamente apressando a sua retirada do automobilismo, pois ele já tinha 45 anos de idade. Beny Fernandez ficou com o carro, mas poucos meses depois, no Rally del Sherry, ele tem um acidente e o carro fica muito danificado, acabando por ser abandonado, já que os regulamentos para 1976 fazem com que esse carro não possa ser mais usado. Foi o fim da aventura do Alpinche, e no final desse ano, Reverter pendura o capacete e dedica-se aos bastidores. Torna-se presidente da Federação Galega de Automobilismo, vice-presidente da Real Federação Espanhola, para além de ser deputado às Cortes pela sua terra natal em 1977, onde ajuda a escrever a atual Constituição Espanhola, para além do Estatuto Autonómico da Galiza. Reverter morre a 3 de fevereiro de 1991, aos 72 anos. O seu Alpinche está neste momento a ser restaurado, com os custos a serem financiados através de doações de fãs, mas há um museu em Orense, mantido pela Fundação Estanislao Reverter, onde está instalado o palmarés da Escuderia, com os seus troféus e modelos de automóveis usados pela equipa, ajudando a lembrar os feitos de um filho pródigo da terra. Saudações D’além Mar, Paulo Alexandre Teixeira
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