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Roberto Moreno, o poliglota da fé! PDF Print E-mail
Written by Administrator   
Sunday, 04 March 2018 20:16

Roberto Pupo Moreno é aquele tipo de cara que na maior parte das vezes parece ter tanta sorte que, se chovesse mulher um dia, quem cairia no seu colo seria o Pablo Vittar!

 

Em meio a efervescente Brasília dos anos 70, onde todo mundo que mexia com carro tinha a velocidade nas veias, um grupo de jovens tinha uma oficina mecânica de enorme respeitabilidade: a Camber, que tinha como um dos sócios o celestial Alex Dias Ribeiro e como um dos seus funcionários um moleque endiabrado chamado Nelson Piquet, que tinha um amigo mais novo, quase um discípulo... Roberto Pupo Moreno, conhecido como “baixo”, por sua grande estatura.

 

Na segunda metade dos anos 70, Nelson Piquet decolou para a carreira internacional, seguindo os passos do patrão e amigo Alex Dias Ribeiro e no final da década, Roberto Moreno vivia um impasse no Brasil, depois de ter se recuperado de um acidente de moto e ficado quase um ano e meio sem correr de kart. Piquet tinha voltado da Europa, com o título F3, batendo todos os recordes possíveis da época e contratado como piloto da F1 na Brabham. Como bom amigo indagou se o amigo não gostaria de começar a correr de carro, sugerindo que ele fosse correr na Inglaterra.

 

Moreno hesitou, disse que não tinha grana, que não falava inglês, que nunca tinha corrido de carro antes, só de kart, mas o Piquet tinha uma resposta pronta para cada argumento do amigo e conseguiu pra ele patrocinador, mas avisou: você vai ter de ser sua própria equipe, ser seu próprio piloto, seu mecânico, você vai fazer tudo para aprender. Moreno topou e foi para a Europa em 1979.

 

Dois moleques de Brasília nos anos 70 corriam juntos de kart. 18 anos depois, estavam juntos, na mesma equipe na F1.

 

Neste período do início dos anos 80, andou de praticamente todas as categorias de monopostos, sempre andando bem, ganhando corridas e títulos. FFord, F3 Inglesa, F3000... mas o passo para a categoria principal exigia mais dinheiro do que Moreno conseguia juntar ou patrocinadores mais fortes para colocá-lo numa equipe que oferecesse condições de sair do gargalo da pré-qualificação. O que ele conseguia fazer mesmo era ser o substituto de pilotos que se acidentavam ou por qualquer outro motivo não podiam disputar um GP. Nestas horas, conseguiu até “tirar leite de pedra”, como marcar um ponto com um AGS no GP da Austrália em 1987.

 

No ano de 1988 ele foi o piloto de desenvolvimento da Ferrari no projeto do – na época – revolucionário câmbio de acionamento por borboletas atrás do volante, aquele com o qual a toupeira do império britânico (Nigel Mansell) estourava motores quando foi para a equipe até um mecânico ter a ideia genial de colocar uma luva de cada cor em suas patas!

 

O câmbio semi-automãtico de acionamento por "borboletas" atrás do volante da Ferrari foi desenvolvido com Moreno ao volante.

 

Piloto por piloto, Moreno era melhor que os dois titulares da Ferrari juntos (Mansell e Berger), mas não tinha o cacife nos bastidores para conseguir o lugar de titular e assim, depois de um ano apenas fazendo testes, em 1990 foi pra Eurobrun e raras foram as corridas que a equipe conseguiu sequer classificar para a qualificação dos entre os 26 do grid.

 

O ano estava terminando e Moreno só havia disputado uma corrida, a abertura do campeonato nos EUA e aí veio o acidente que mudou a sua vida. Alessandro Nannini era um dos principais expoentes da nova geração italiana em meados dos anos 80 e em 1990 vinha fazendo, de longe, sua melhor temporada, chegando no pódio com resultados como o terceiro lugar em San Marino, quarto no México e na Bélgica, segundo lugar na Alemanha e terceiro no GP da Espanha.

 

Em 1990, na Eurobrun, Moreno só conseguiu largar para o GP de abertura nos EUA. Nas outras corridas, não conseguiu classificar.

 

Uma semana antes do GP do Japão, em uma queda com seu helicóptero – que era pilotado por um profissional – quase o matou. O piloto perdeu o controle do helicóptero ao sobrevoar uma propriedade do piloto e a consequência do acidente foi que Nannini teve seu braço arrancado ao cair em cima de um dos rotores do helicóptero. Por sorte, depois de um pronto atendimento médico, o braço foi reimplantado, mas a carreira na F1 estava acabada.

 

Moreno estava, após o GP da Espanha, na Inglaterra, para uma reunião com Herbie Blash, que era chefe da Brabham, mas com a “sorte” que ele tinha, o encontro acabou sendo adiado. Poderia ter sido mais uma “vittarada” na sua vida, mas dessa vez, choveu Paolla Oliveira! Evidente que o Moreno não usou estas referências, mas foi nas suas palavras que ele contou esta incrível passagem da sua vida durante a cerimônia do Capacete de Ouro em 2015.

 

Depois de ligar para alguns dos contatos que sempre o ajudaram (Gary Anderson, Ron Tauranac e John Barnard), o projetista da Benetton pediu pra ele ir até a fábrica. No dia seguinte, durante a reunião na Brabham, uma ligação da secretária de John Barnard. Informado do acidente de Nanini e da fila de candidatos ao lugar, Barnard disse que bancava a escolha dele se Moreno topasse. A Eurobrun não iria para as duas últimas corridas do ano e foi fechado o acerto para a disputa das duas corridas, Japão e Austrália.

 

Durante os treinos para o GP do Japão, o esgotamento físico de Moreno era evidente. Ele estava "sem ritmo de corrida".

 

O preparo físico para uma corrida de F1 não é fácil e sem fazer corridas como estava desde os EUA, Moreno terminou o primeiro dia de treinos quase morto. Naquela noite, Moreno ligou para um amigo em Brasília, faixa preta de karatê e o amigo disse para ele ler o Salmo 23 na Bíblia. Moreno disse que o problema dele era físico, mas o amigo insistiu. Moreno pegou a Bíblia no quarto do hotel, leu o salmo, rezou e foi dormir. Terminou o sábado ainda mais cansado, marcando o 8° tempo para largada.

 

No domingo, o tempo “nublou”. O carro de Moreno apresentou problemas na volta de alinhamento para o grid. Por sorte ainda havia o carro reserva, que estava ajustado para o Piquet, mas deu tempo de acertar a distância dos pedais e Moreno conseguiu alinhar para a largada. Depois da tentativa de assassinato do Senna em cima do Prost, no troco da batida do ano anterior, os Benetton eram 3º e 4º. Na volta seguinte, Berger abandona e eles sobem para 2º e 3º, atrás do Mansell.

 

Na largada, Piquet e Moreno deixaram as Williams para trás e partiram em perseguição aos líderes.

 

Havia uma diferença de estratégia entre as equipes. A Ferrari, de pneus Goodyear, faria uma parada nos boxes, enquanto a Benetton, com o composto mais duro da Pirelli, partiu pra fazer a corrida sem paradas. Em condições normais o Mansell não teria como perder aquela corrida... mas falando de quem se trata, a besta quadrada da coroa britânica “moeu” o semieixo na saída do pitstop. Pateticamente deu uma série de coices no volante antes de deixar o carro e a liderança para o seu querido amigo Nelson Piquet... com Moreno em segundo!

 

Com o abandono de Mansell, Piquet e Moreno passaram a liderar a corrida, mas Moreno começava a sentir o cansaço da prova.

 

O problema é que, depois de meia corrida, o Baixo começou a por a língua pra fora do capacete. “A cada volta, ficava mais difícil, já estava perdendo a concentração, tanto que cheguei a errar em uma das curvas. Logo em seguida, lembrei do salmo e pedi: ‘Senhor, me ajude!’ E três curvas depois, tive uma injeção de endorfina, e aquilo me deu um gás tão grande e fui até ao fim da corrida sem problema algum, como se fosse um Super-Homem”. 

 

Moreno levou o Benetton #19 até o final, protagonizando a mais emocionante dobradinha de pilotos brasileiros – mais até do que a primeira, de José Carlos Pace e Emerson Fittipaldi em Interlagos, 1975 – por todas as circunstâncias envolvidas, desde a amizade e os tempos de kart em Brasília, com um dos pódios mais emotivos, e que ainda teve, de quebra, um japonês (Aguri Suzuki) em terceiro.

 

A festa no pódio foi das mais emocionantes já vistas. Dois amigos de tantas décadas, ali, juntos, como vencedores.

 

Piquet ria, Moreno chorava. Era emoção à flor da pele, ao vivo para o mundo inteiro. Na coletiva de imprensa, mais festa, mais brincadeiras, mais emoção e Roberto Pupo Moreno mostrou que, se tivesse condições, poderia andar entre os primeiros na Fórmula 1. Ele contou essa história para o Piquet ainda no autódromo, antes deles voltarem para o hotel.

 

Moreno foi aplaudido de pé na festa em São Paulo... até Piquet tomar o microfone, virar-se para o amigo e – no melhor estilo Nelson Piquet – ferrá-lo na frente de todo mundo: “Porra nenhuma! Quando eu cheguei no hotel, fui ver na Bíblia que Salmo era esse e a Bíblia era em japonês... desde quando tu lê japonês?”

 

25 anos depois, a Revista Racing fez uma grande homenagem a estes dois amigos, estes grandes pilotos da nossa história.

 

Todos vieram abaixo de tanto rir... enquanto os dois se abraçavam mais uma vez.

 

Felicidades e velocidade,

 

Paulo Alencar

 
Last Updated ( Friday, 30 March 2018 12:10 )