Na corrida de duplas, etapa de abertura da temporada 2018 da Stock Car, tivemos entre os convidados alguns pilotos que participam ou já participaram do campeonato de carros de turismo mais importante da Europa, o DTM. Uma experiência diferente assim para eles não podia passar em branco pela nossa redação e fomos conversar com estes pilotos. Logicamente não se trata de uma comparação entre os dois carros, que se aos olhos menos atentos daquele que mal assiste corridas e que “carro de turismo é tudo parecido”, os carros da Stock Car e do DTM são muito diferentes um do outro. Portanto, nada de comparações. O carro do DTM tem mais semelhanças com um protótipo ou um fórmula do que com um carro de turismo. o Audi RS 5 DTM, o BMW M4 DTM e o Mercedes-AMG C 63 DTM, carros da categoria desde 2017 possuem motores V8 de 4 Litros aspirados com mais de 500 cv de potência (no ano passado eram 460 cv. O restritor de ar passou de 28 para 29mm), com um câmbio Hewland semi-automático de 6 velocidades para frente e uma para ré, acionado por borboletas. Os carros tem sistema de DRS, como na Fórmula 1 e um peso de 1.115 Kg para a temporada de 2018 (10 a menos do que no ano passado), incluindo o piloto, com seu principal componente de construção sendo a fibra de carbono. Os Pneus tem 300/680-R18 na dianteira e 320/700-R18 na traseira e os freios são de carbono. O Stock Car é um carro mais “raiz” se formos falar em carro de turismo. Construídos pela JL (da família Giaffone) em Cotia-SP, possui chassi tubular e alguns componentes de fibra de carbono. Equipados com um motor V8, com 5,7 Litros e capaz de produzir 550 cv no “push to pass”. Em regime normal, debita 470 cv, podendo ir a 500 cv em algumas corridas com o regulamento específico. O câmbio x-trac é eletrônico, com troca de marchas por borboletas, com 6 marchas para frente e uma para ré. Os carros não tem DRS e pesam 1.325 Kg (com o piloto incluído) a carenagem é de fibra de vidro em quase sua totalidade. Os Pneus tem 305/660-R18 na dianteira e na traseira, com discos freios de aço ventilados. Esclarecido isso e colocadas as principais diferenças que caracterizam cada um dos carros das respectivas categorias, o que fomos fazer? Conversamos com estes pilotos sobre como estava sendo a experiência de pilotar um carro tão diferente daquele que eles pilotam ou já pilotaram e quais as suas impressões sobre o Stock Car. Vejam o que eles disseram: Augusto Farfus Jr – Piloto da BMW. É uma mudança. São dois carros com conceitos completamente diferentes e é preciso “pilotar outro carro”. Esquecer o DTM. O Stock Car é um carro 200 Kg mais pesado, com um chassi tubular e freios com discos de aço, que são bem menos eficientes que os freios com discos de carbono que usamos no DTM. Se juntarmos a isso que já falei a diferença de downforce gerado do carro da Stock Car, que é muito menor do que o gerado pelo carro do DTM, a forma de guiar o carro muda completamente. Você precisa encontrar novas referências para aproximação de curva, freada, retomada. É diferente. Se pegarmos uma bola, é como futebol de salão em uma quadra com aquele futebol em campo de grama sintética, que é menor que um campo de futebol. Os dois são futebol, se chuta uma bola, mas é muito diferente. O Stock é um carro que eu gosto de pilotar, que consigo andar rápido, mas que é muito diferente do DTM. A visibilidade do carro da Stock é um pouco pior do que o do DTM. Como os carros são fechados, é bem quente do lado de dentro, mas eu acho o conceito do carro da Stock Car fantástico. A categoria é competitiva, tem muitas ultrapassagens, a corrida é agitada e a relação custo x espetáculo é excelente. É possível se fazer um grande campeonato, uma grande competição por um custo acessível para quem trabalha com automobilismo no país. Um problema que os carros de turismo costumam ter é a visibilidade para trás. O DTM tem uma asa enorme e isso atrapalha bastante. Acho que em Interlagos nós seríamos algo como 12 segundos mais rápido que o Stock Car e isso as vezes complica tua vida. Uma coisa que aqui eu acho mais legal é o “push”. No DTM a gente tem a asa móvel que também dá um ganho de velocidade, mas que o efeito só vem mesmo no final da reta. O “push” a gente aperta um pouco antes e faz a reta toda mais veloz, facilitando a ultrapassagem. Filipe Albuquerque – Ex-Piloto da Audi. Eu tenho andado em vários tipos e carro e adaptar-me a um carro novo não é um grande problema. O carro da Stock Car é um carro bastante simples. Não tem sensores, não tem medidor de frenagem para dizer como estão teus freios e o quanto você está carregando neles. É um carro bastante interessante por precisar ser guiado muito no ‘feeling’ do piloto, portanto, a sensibilidade do piloto se faz mais presente. O DTM é um carro muito complexo, exige que o piloto tenha que sentar com o engenheiro antes de ir para o carro e ele vai te passar o ‘setup’ que você vai usar e como você vai andar, o que você tem que fazer ou deixar de fazer e isso limita o trabalho do piloto, enquanto que aqui na Stock Car você ouve o engenheiro, sim, claro, mas é o piloto que vai encontrando o ‘setup’ do carro quando vai para a pista e nisso ele conversa com o engenheiro para acertarem o carro. Outra coisa que percebi é que o Stock Car tem pouca carga aerodinâmica, sendo muito mais mecânico, o que se por um lado tira o prazer de se andar nessas curvas rápidas por não poder frear dentro da curva, por outro, para o “chão” é muito eficiente porque conseguimos andar colado atrás do carro da frente e conseguimos “fazer corrida”. No DTM se você anda junto ao carro da frente, numa curva rápida não consegues fazer a curva, perdes totalmente a frente do carro, como os Fórmula de hoje. A visibilidade é bem difícil no Stock Car. Para frente é um pouco pior que o DTM e para trás é ruim como é nos carros de turismo. Você olha em todos os espelhos e vê muito pouco, quase nada. No DTM a traseira por ser mais limpa vê-se um pouco melhor, mas não é nenhuma maravilha. Jamie Green – Ex-Piloto Mercedes e atualmente na Audi. É um carro muito diferente do DTM, o carro que venho pilotando há muitos anos, apesar de, à distância os carros serem até um pouco parecidos. O Stock Car é um carro de construção bem mais simples. Acredito que o custo de construção e o bugget das equipes devem ser bem mais baixo do que o que temos na Alemanha. Em termos de disputa, de campeonato, eu acho uma ótima ideia ter um custo mais baixo e dar mais competitividade entre as equipes. Um campeonato com equipes individuais, com seus próprios patrocinadores é algo muito bom de se ver para o esporte a motor, a não dependência de fábricas e ser um campeonato forte. O carro é 200 Kg mais pesado do que o carro do DTM e tem uma série de coisas que fazem a pilotagem ser completamente diferente em um carro bem diferente e em uma pista onde eu nunca estive antes. É um grande desafio, especialmente em um carro onde a sensibilidade do piloto é muito importante porque no Stock Car você não tem auxílios eletrônicos e a parte mecânica é bem simples. Foi fundamental para mim e acredito que para os outros convidados os treinos extras para conhecer o carro, conhecer a pista e as pessoas que trabalham. Eu estou encantado com a organização, os pilotos tem um nível excepcional e tudo é muito profissional aqui e todo o feedback que pudemos ter nós tivemos nesta semana. Fazia muito tempo que eu não pilotava um carro com discos de freio de aço e isso eu tive que me readaptar, encontrar novas referências. Eu senti um pouco de falta do downforce que temos no DTM, apesar do grip mecânico ser muito bom, mas acho que os pneus poderia ser melhores assim como a visibilidade. Eu não estou conseguindo ver nada do meio do carro para trás. Acho que se mudassem a posição do piloto para o centro do carro ajudaria a ver melhor. Nico Müller – Piloto na Audi. Eu achei a pilotagem do carro da Stock Car bastante divertida, especialmente no asfalto molhado. Como o carro não tem um downforce muito grande, tem mais aderência mecânica, o que é o oposto dos carros do DTM, isso exige uma maneira diferente de você atacar as curvas, acelerar nas saídas de curva e eu estou me divertindo bastante. Na pista seca também tem sido bom, mas o mais divertido foi no molhado. Eu me senti bem confortável no carro. A gente está tendo umas dificuldades para encontrar o acerto ideal, mas isso tem sido uma experiência interessante para mim por ver o piloto mais independência, mais liberdade na busca do ‘setup’ e menos dependência de sensores e computadores. O piloto precisa ser mais sensível e preciso nas suas informações e o Thiago é um grande piloto e muito amigável. O ambiente do time é muito bom. O carro é bem quente. Nunca pilotei um carro tão quente como este, mas a sensação de estar aqui em Interlagos, um autódromo com tanta história e com tanta importância a gente nem lembra disso. Eu gostei do motor do carro. Ele responde bem, apesar do carro ser mais pesado do que o DTM. Este ‘push’ é bem interessante e requer estratégia para usar na hora certa. O Stock é um verdadeiro carro de turismo, o DTM é mais um protótipo. Olivier Jarvis – Ex-Piloto da Audi. O Stock Car é um carro bem diferente do que eu tenho pilotado nos últimos anos. É um carro com muito menos ‘downforce’, com muito pouco grip, mas é muito divertido de pilotar, embora nada fácil e se você olha para o grid e ver os pilotos contra quem você vai correr isso se torna um grande desafio. É um campeonato de altíssimo nível, muito competitivo, com os carros andando muito próximos na tabela de tempos. Eu me sentiria desafiado a correr pelo menos uma temporada aqui no Brasil contra estes pilotos brasileiros. São muitos pilotos que andaram na F1, dois campeões da F-E e um equilíbrio muito grande. É o melhor tipo de campeonato para um piloto. Eu precisei me adaptar a frear mais longe da curva por causa dos freios com disco de aço, mas a pilotagem deste carro é muito divertida e sem o ‘downforce’ aerodinâmico você consegue andar colado no carro da frente, pegar o vácuo, forçar o erro do adversário. Isso é corrida! Como o carro tem menos aderência e não tem referências eletrônicas, passar dos limites, errar, é muito fácil. Tem que buscar a melhor relação entre o arrojo e a técnica. Acho que o automobilismo precisa buscar mais a essência da competição e ter carros que valorizem o trabalho do piloto. Ter categorias com carros de alta tecnologia é um caminho, mas tem que ter categorias boas, fortes, competitivas como a Stock Car. Mas voltando para o carro, teve uma coisa que realmente me incomodou. Eu não via nada para trás! Foi o carro que menos enxerguei para trás até hoje e mesmo para os lados é difícil. Em condição de corrida, com mais de 30 carros, não deve ser fácil.
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