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Entrevista: João Paulo de Oliveira PDF Print E-mail
Written by Administrator   
Wednesday, 18 July 2018 10:56

A vida as vezes nos reserva oportunidades que raramente podemos deixar de aproveitar, como entrevistar um piloto que mora do outro lado do mundo. João Paulo de Oliveira fez a opção de ser um piloto profissional, remunerado, pago – e bem pago – por seu trabalho e sua competência.

 

Este paulistano de recém completados 37 anos fez uma brilhante carreira em todo o trajeto das categorias de base até as portas da Fórmula 1. Contudo, tomou outro rumo e foi conquistar sua independência, sua liberdade e continuar fazendo aquilo que sempre quis fazer na vida: pilotar!

 

 

Desde 2004 na terra do sol nascente, João Paulo de Oliveira foi o campeão da temporada 2010 da Fórmula Nippon, que se transformaria na Super Fórmula a partir de 2013. Atualmente competindo na Super GT, uma das mais fortes categorias de turismo do mundo, fez um “pit stop” e conversou conosco sobre automobilismo brasileiro, japonês, vida e um pouco mais.

 

NdG: Como era a vida do João antes do automobilismo?

 

JP Oliveira: Meus pais vieram do interior para morar em São Paulo e eu nasci na capital. Tenho um irmão mais velho, que também começou a pilotar, mas não deu continuidade. Quando a gente era criança meu pai levava a gente para assistir futebol. A gente frequentava o Clube Nacional, na Barra Funda, próximo aos CTs do São Paulo e do Palmeiras. Alguns finais de semana a gente ia pra chácara no interior e eu gostava de jogar futebol.

 

NdG: Todos falam que o kart é a categoria escola do automobilismo, mas você andou muito pouco, competiu muito pouco de kart. Você acha que isso te fez falta?

 

JP Oliveira: Na verdade, não. Eu andei e competi muito pouco de kart, mas acho que fiz o essencial neste período. Aprendi o que é competitividade, aprendi o que é buscar o melhor traçado, Aprender a classificar, largar no meio de um pelotão compacto. São coisas elementares mas que você vai usar a vida toda. Para aprender isso não vi necessidade de ficar anos no kartismo.

 

NdG: Você correu de Fórmula aqui no Brasil por algum tempo antes de ir para a Europa. Andou na F3 aqui e em seguida na F3 na Europa. O que você sentiu de diferença ao chegar lá?

 

JP Oliveira: Hoje é bem mais fácil olhar para trás e ver as diferenças. Eu competi no sulamericano de Fórmula 3 com a equipe do [Augusto] Cesário. Era um campeonato forte, pelo menos entre os 5 ou 6 primeiros. Não era um grid tão grande. A principal diferença para o que eu vi no exterior, especialmente na Fórmula 3 alemã, onde fui correr e fiquei mais tempo, foi AA diferença de ter 30 carros, 34 carros, andando no mesmo segundo. Aí você entende qu qualquer coisa, qualquer mínimo detalhe na tua pilotagem ou no acerto do carro faz diferença pra se ganhar posições na corrida.

 

O maior desafio quando se sai do Brasil para a Europa é enfrentar um grid com 30 carros andando no mesmo segundo.

 

NdG: Como foi pra bancar a carreira de piloto? Patrocínio não era fácil naquela época também, certo?

 

JP Oliveira: A princípio foi na base do ‘paitrocínio’ enquanto corri no Brasil e não tínhamos muito caixa. Quando fui para a Europa consegui o apoio do engenheiro da Dallara, que me conheceu quando ele veio ao Brasil acompanhar a Fórmula 3 sulamericana e foi ele que me levou para a Europa e me apresentou a uma equipe que pudesse me dar suporte financeiro. Foi graças a ele que eu consegui um caminho para poder correr sem precisar correr atrás de patrocínio.

 

NdG: Em 2003 você foi campeão alemão da Fórmula 3 e o que o título abriu de perspectivas pra você?

 

JP Oliveira: Na Europa, para dar seguimento na carreira, precisa ter patrocinadores por trás. Meu caminho na Fórmula 3 foi mais fácil porque haviam algumas equipes que podiam investir em um piloto e colher resultados. Hoje em dia acho que é muito difícil alguma equipe fazer isso, é muita competitividade por vagas nas equipes boas e isso encareceu bastante o caminho de quem vai correr na Europa. Depois de Fórmula 3 eu precisava de um suporte financeiro para poder ir para a F3000 internacional. Eu tinha um acerto quase fechado com a equipe Junior do Alain Prost, mas o patrocinador da equipe pulou fora e os pilotos seriam eu e o Sebastién Bourdais. Isso foi em 2001, acho. Daí eu ganhei o título na Alemanha e encontrei o caminho para ir para o Japão.

 

NdG: Porquê o Japão? O que foi que você viu lá que nenhum brasileiro tinha visto antes?

 

JP Oliveira: Na verdade, eu não fazia ideia do que poderia acontecer por lá. Eu acertei uma teste, uma experiência, com a equipe Honda de Fórmula 3, que era um teste de desenvolvimento de chassi. Eles pediram que eu fosse a Suzuka para experimentar o carro e desse algum feedback do carro. Eu fiz um bom trabalho, ajudei a equipe e eles me ofereceram um contrato para eu pilotar para eles e com um salário, o que na Europa era algo simplesmente impossível um piloto ter salário pra correr de Fórmula 3. Foi isso que mudou minha cabeça.

 

NdG: Você foi vice campeão em 2004 e campeão em 2005 correndo no Japão e aí te ofereceram um teste na Williams... o que passou na tua cabeça?

 

JP Oliveira: A verdade é que a Williams não tinha interesse em me testar como piloto. Era um interesse comercial que eles tinham com a Petrobrás, que era patrocinadora, fornecia combustível e por contrato eles tinha que dar esta “oportunidade” de colocar um brasileiro no carro. Eles me deram um carro totalmente limitado e apesar de eu ter feito tempos bons pela manhã, bem próximos aos do Nico Rosberg, que já iria correr para eles e já estava andando com o carro naquela pista há três dias, eu tinha no contrato que eu teria apenas 20 voltas pra fazer na parte da manhã. Terminei as 20 voltas e como eles gostaram, pediram para a fábrica para eu dar mais duas saídas de Box a tarde, com um pneu melhor. Eu fui pra pista, andei, eles gostaram, mas não havia espaço pra mim ali. Eles tinha assinado com a Toyota e havia por contrato a colocação de um piloto japonês.

 

NdG: Você descobriu um mundo novo indo correr no Japão. Como é a organização do evento de automobilismo de consumo interno para eles?

 

Meu teste na Williams foi uma questão contratual entre equipe e patrocinador. Eles não tinham lugar para mim na equipe.

 

JP Oliveira: Para quem já foi, já viu e já correu lá no Japão, a Super Fórmula e o Super GT são campeonatos muito fortes, muito técnicos, muito competitivos. Os carros são muito preparados, com uma tecnologia embarcada muito grande e coisa de primeira linha. Para vocês terem uma ideia, o carro da Super Fórmula, hoje, só é mais lento que um carro de Fórmula 1. É um carro muito mais rápido que um Fórmula 2, por exemplo. Isso é uma coisa que pouca gente sabe, até mesmo no automobilismo. E o Super GT é uma categoria que tem dois carros, a GT 500 e a GT 300, que é o carro de GT3. O GT 500 é cerca de 10 segundos mais rápido que o GT 300. O nível técnico e tecnológico das duas categorias é realmente muito alto.

 

NdG: Você correu alguns anos os dois campeonatos, Super Fórmula e GT 500. Como era dividir o tempo entre as duas categorias?

 

JP Oliveira: Eles montam o calendário para que os pilotos possam, caso queiram, caso possam, poder participar dos dois campeonatos sem que haja conflito de datas. Isso é  positivo para alguns pilotos que podem correr nas duas categorias, mas por um outro lado, faz a competição por um lugar no grid ficar mais difícil.

 

NdG: Além de você outros pilotos estrangeiros correram e correm no Japão. Eles tem interesse em que haja este intercâmbio, com pilotos de outros países correndo por lá?

 

JP Oliveira: Eles estão abertos a receber pilotos estrangeiros. Alguns ex-pilotos de Fórmula 1 correm lá. O Heikki Kovalainen está lá. O Jenson Button está estreando este ano, alguns do mundial de endurance  como o Kamui Kobaiashi, o Andre Lotterer correu lá muito anos, então a Super GT está sempre em busca de pilotos de alto nível.

 

NdG: Aqui no Brasil a gente tem a CBA, as Federações estaduais, os clubes de automobilismo nos estados e nas cidades... essa parte política funciona como no Japão?

 

JP Oliveira: A categroria Super GT, por exemplo, tem uma entidade à parte, a GTA uma empresa promotora como é a VICAR no Brasil, que cuida da Stock Car. Lá temos este promotor que cuida da categoria, sendo a fundadora e detentora dos direitos comerciais. Eles são muito sérios e a categoria funciona muito bem. O mesmo sistema se aplica para a Super Fórmula, que tem um promotor, a Japan Racing Promotions, que cuida da categoria. Lá tem a “JAF”, a Associação Japonesa de Automobilismo, estão por trás de tudo, estabelecendo os padrões a serem seguidos, regulamento, aval para a categoria, montam a estrutura técnica e desportiva para o final de semana. Acho que é parecido com o que acontece aqui e nos outros países.

 

NdG: A gente viu quando as montadoras japonesas forneceram motores para equipes esta questão contratual de se colocar um piloto japonês na equipe como foi com o Satoru Nakajima e outros depois dele. Como é isso dentro do Japão, o envolvimento das fábricas?

 

O automobilismo japonês é muito forte. A GT Series tem carros com tecnologia de ponta e a Super Fórmula só é mais lenta que a F1.

 

JP Oliveira: É muito próximo, muito grande. As fábricas estão diretamente ligadas com as categorias do automobilismo japonês, desde a base até as categorias top, como a Super GT e a Super Fórmula. Na Super Fórmula estão a Honda e a Toyota, na Super GT temos a Honda, a Nissan e a Toyota. As três fábricas tem programas Junior de formação de pilotos, trabalhando com os pilotos desde a base. Se ele mostrar potencial pode assinar um contrato ainda muito novo e se preocupar apenas em pilotar, se aprimorar e fazer carreira.

 

NdG: Como está estruturado o caminho para estes pilotos? O que há de categoria de base para eles?

 

JP Oliveira: Lá no Japão temos a Fórmula 4, para os pilotos que saem do kart, que é uma categoria que segue um padrão mundial, estabelecido pela FIA, e corre no mesmo programa, nas mesmas datas, da Super GT. Tem também a Fórmula 3, seguindo os mesmo padrões, que corre nos mesmos finais de semana da Super Fórmula.

 

NdG: Você foi campeão da Super Fórmula em 2010 e em 2011 foi andar na Fórmula Indy. O que levou você pra lá?

 

JP Oliveira: Foi um “tapa buraco”. A equipe em que corri, a Conquest, estava sem um piloto para a etapa japonesa e eles me procuraram de última hora e eu aceitei. Era uma pista que eu conhecia, Montegi, e consegui a melhor classificação de largada da equipe naquela temporada. Na corrida eu vinha bem até termos um problema de bomba de combustível e aí a corrida acabou. Eles me convidaram para correr a temporada da Indy, mas era uma equipe pequena e não tinha nenhuma garantia financeira. Não havia segurança de continuidade e eu preferi ficar no Japão.

 

NdG: Este ano você está completando 37 anos. Como é que você faz pra se manter pilotando em alto nível num esporte que está cada vez mais exigente física e mentalmente?

 

Vir para o Japão foi a decisão correta. Após meus primeiros testes me ofereceram um contrato com salário. e isso na F3!

 

JP Oliveira: Tem tudo a ver com o sendo de responsabilidade e a disciplina do piloto. Eu tenho um programa de treinamento bem forte, principalmente na bicicleta, que é um excelente meio do piloto para treinar e eu faço semanalmente entre 300 e 400 Km, num trabalho aeróbico muito intenso. A Super Fórmula exige um pouco mais, onde é preciso fazer um trabalho mais cuidadoso para o pescoço. Como desde 2017 estou só com a Super GT, deu para diminuir a carga de trabalho na academia.

 

NdG: E a alimentação? Tem comida brasileira em casa? Sua esposa é japonesa. Você tem alguma dieta especial?

 

JP Oliveira: Eu como pouco comida brasileira. Na cidade onde eu moro não tem muitos brasileiros então a oferta de produtos brasileiros é pequena, quase não tem. Como sou casado com uma japonesa, minha alimentação é a base da comida local. Não tenho nenhuma dieta especial.

 

NdG: Como você e os pilotos da Super GT estão vendo esta aproximação e uma possível integração com o DTM para os próximos anos?

 

JP Oliveira: Os pilotos estão vendo de forma positiva esta possibilidade de competir com outras marcas, em outras pistas, contra outros adversários. Até onde sei eles ainda tem um caminho a percorrer no acerto do regulamento para que todos fiquem satisfeitos e mesmo assim sempre vai existir aquela desconfiança que um lado ou outro possa estar levando algum tipo de vantagem. Eu vejo de uma maneira muito interessante este projeto.

 

NdG: Você pensa em um dia voltar a morar no Brasil?

 

Não penso em parar de correr tão cedo. Morar novamente no Brasil? Talvez, quem sabe. Eu poderia correr na Stock Car.

 

JP Oliveira: Sinceramente, eu não sei. Esta é uma pergunta difícil porque dependeria de muitos fatores. Quando eu parar de correr – e eu não penso nisso – como vai ficar minha vida. Eu tenho uma esposa japonesa, temos uma vida lá. Mas, estando longe do automobilismo, eu penso sim na possibilidade de voltar a morar no Brasil. Quem sabe até para correr na Stock Car. Alguns pilotos que estavam fora do Brasil estão correndo aqui e estão felizes. É uma grande categoria e talvez eu possa dar algo para o automobilismo brasileiro no Brasil.

 

NdG: Depois dessas duas décadas de automobilismo, vocâ acha que teve alguma coisa que você não conseguiu realizar e que te faz falta? Algo que você gostaria de fazer ou de ter feito?

 

JP Oliveira: Nada! Eu sou uma pessoa de muita sorte, sou muito agradecido a Deus pelas oportunidades que tive, por poder fazer algo que amo e por ter sabido abraçar todas as chances que apareceram pelo caminho. Muita gente fala que “ah, a Fórmula 1 não deu certo”, mas a Fórmula 1 não tinha como dar certo. Ela é um monstro que te devora e se você fica apenas focado em chegar nela, acaba atrapalhando o planejamento de uma carreira como piloto profissional e eu soube muito bem como administrar esta ansiedade e é preciso entender que o automobilismo não se resume a Fórmula 1, o que está mais que provado com pilotos de Fórmula 1 saindo para correr em outras categorias.


Last Updated ( Wednesday, 18 July 2018 11:21 )