Quando Kelvin Van Der Linde chegou ao autódromo de Interlagos em março deste ano como um dos pilotos convidados para fazer dupla com Cesar Ramos na equipe Blau, pouquíssimos no autódromo sabiam quem era aquele sul africano de 21 anos. Cesar Ramos, que já havia disputado o campeonato europeu FIA GT3 sabia bem quem estava convidando e quando o jovem piloto foi para a pista, a pergunta depois das primeiras voltas cronometradas era: de onde saiu esse cara? Nosso correspondente na Alemanha, Ian Möller, já havia nos avisado que o piloto da equipe Audi de Endurance não era fácil. Segundo ele, Kelvin pilota um carro de turismo como se pilotasse um monoposto, com arrojo e estilo característicos. Fugindo do nosso habitual, fizemos uma entrevista em duas partes com Kelvin. A primeira parte, pessoalmente, durante sua estada no Brasil. A segunda, no início deste mês, após o final de semana das 10 horas de Suzuka, no Japão, onde ele conquistou mais um pódio na temporada. Acelerem junto com a gente. NdG: Kelvin, quando você chegou em Interlagos pouca gente deu atenção a você por parte da mídia brasileira. Depois de sua primeira entrada no carro e com os tempos obtidos, passaram a perguntar quem você era. Antes de falarmos de automobilismo, quem é Kelvin Van Der Linde? Kelvin Van Der Linde: [Risos] Isso foi bem engraçado. Até algumas pessoas no nosso Box ficaram me olhando diferente depois que eu saí do carro, mas é uma pista muito boa de se pilotar e um carro que me adaptei fácil. Mas respondendo sua pergunta, eu sou um sul africano de 21 anos (agora 22, completados em 20 de junho) que cresceu em uma família envolvida desde há muito no meio de competição. Assim, querer ser um piloto de corridas seria algo bem natural para mim. Meu pai, meu tio, meu irmão, todos são pilotos. Fora do meio das corridas, eu sempre pratiquei esportes e há alguns anos sou triatleta, inclusive participando de algumas competições na Alemanha, onde estou morando há algum tempo. NdG: Sabemos que a passagem por aqui é rápida, mas o que deu para ver de Brasil nestes poucos dias por aqui. Eu venho de uma família extremamente envolvida com o automobilismo. Meu pai, meu tio e meu irmão são pilotos. Kelvin Van Der Linde: O Cesar [Ramos] tem sido um anfitrião incrível. Tive a oportunidade de conhecer um pouco de São Paulo, que é uma cidade enorme e ele me levou a alguns lugares para comer que eu preciso voltar ao Brasil só por causa da comida [risos]. Gostei muito do autódromo de Interlagos, sei que tem muita história aqui neste lugar e poder disputar uma corrida aqui. Vai ser algo que vou guardar para o resto da vida e espero poder voltar outras vezes para competir no Brasil e ir nos restaurantes que fui. NdG: Entre os esportes que você praticou, o Cricket e o Rugby são muito populares em seu país. Você praticou estes esportes também? Kelvin Van Der Linde: Não. Nem nos tempos de colégio onde tínhamos que praticar algum esporte eu preferi as corridas do atletismo. Realmente são dois esportes muito populares no meu país, mas nunca tive qualquer interesse em praticar, nem mesmo brincar com os amigos com isso eu brincava. Nos finais de semana eu queria mesmo era estar perto das competições e aos 8 anos eu já estava competindo como kartista. Eu comecei a pilotar aos 6 anos, mas meus pais achavam que eu era muito pequeno e me seguraram por dois anos. NdG: Como normalmente acontece, você começou no kartismo. Como é o kartismo na África do Sul? Kelvin Van Der Linde: Atualmente o kartismo no meu país está muito forte, com um ótimo numero de participantes, muitos campeonatos em andamento e todos muitos disputados, sejam os Rotax, sejam os 100cc ou os 125cc. Temos corridas o ano todo, mas falta um maior intercâmbio com o kartismo que se pratica na Europa devido a distância. Acredito que aqui no Brasil também seja assim, mas vocês estão sempre levando pilotos a correr na Europa em categorias de base do automobilismo. Talvez não tenhamos o apoio e o reconhecimento que o esporte precisa para levar mais pilotos sul africanos para fora do país. NdG: Quando você disputava os campeonatos de kart, qual o tamanho do grid? Nunca tive interesse em praticar outro esporte que não fosse o automobilismo. Nem mesmo os esportes populares em meu país. Kelvin Van Der Linde: Os grids eram bons, iam de 25 a 30 karts e todo mundo andando muito junto. O nível sempre foi alto. Ser campeão era uma grande conquista. NdG: E depois do kart, quais as opções que o piloto tem para continuar correndo na África do Sul? Kelvin Van Der Linde: A principal opção são as categorias de turismo. Temos algumas com disputas muito fortes. Temos também uma categoria de monopostos, a Fórmula Volkswagen, que tem apoio da montadora e onde meu pai foi campeão em 1994, mas ela é uma categoria para iniciantes então mesmo quem passa por lá, para continuar correndo, profissionalmente, tem que buscar uma categoria de turismo onde há mais patrocínio e é possível se ganhar dinheiro como piloto. Em 2011 eu fui do kart logo para a Polo Cup, também patrocinada pela Volkswagen, categoria de carros de turismo. NdG: Como é feita a gestão do automobilismo na África do Sul? Há um Automóvel Clube, uma Federação, são ligas independentes de promotores? Kelvin Van Der Linde: Nós temos a MSA (Motorsports South African), mas esta não tem algo que hoje é muito importante como programas para jovens pilotos desenvolverem suas carreiras e buscarem o automobilismo internacional. É algo que faz muita falta e que acaba dificultando a vida para os pilotos que saem do kart possam sonhar mais alto. Eu tive que me virar para conseguir ir para a Europa e me tornar um piloto profissional. Outros não tiveram a mesma condição que eu tive. A Volkswagen acreditou no meu potencial e me deu a chance de participar de alguns eventos na Europa. Consegui me sair bem e me estabelecer como piloto. NdG: Você está há alguns anos correndo em categorias de turismo. Foi uma escolha sua ou uma cosequência por as categorias de turismo oferecerem mais opções? Estamos muito longe da Europa e sem um programa de apoio para pilotos jovens é muito difícil conseguir fazer carreira. Kelvin Van Der Linde: Seguir diretamente para uma categoria de turismo teve a ver com alguma influência do meu pai, que corre em categorias de turismo, correu no BTCC, o campeonato britânico de turismo e é uma categoria muito competitiva e desafiadora. Como na África do Sul não temos uma forma de desenvolver a carreira como piloto de monopostos e fazer uma carreira nas categorias europeias é algo muito caro uma coisa acabou por levar a outra, mas eu sou muito feliz correndo em carros de turismo. Foi uma boa escolha e tenho conseguido me realizar como piloto. NdG: Então você um daqueles raros pilotos que nunca sonharam em chegar à F1? Kelvin Van Der Linde: Sim! Eu nunca sonhei ou considerei a Fórmula 1 como um objetivo ou um sonho de carreira. Eu queria ser piloto. Este era meu sonho de criança e eu estou fazendo dele uma realidade. NdG: E os outros em seu país, pensam como você ou seus adversários no kart queriam chegar na F1? Kelvin Van Der Linde: A maioria sim, eles tem este sonho. A gente tem que sonhar e tentar buscar fazer os nossos sonhos se tornarem realidade. Não os critico por tentar e por sonhar. Eu tinha o exemplo de casa, com meu pai e mau tio correndo nas categorias de turismo e isso foi o que me influenciou. Pilotos talentosos nós temos, mas faltam condições financeiras para chegar numa F3 europeia ou numa GP3. NdG: Você começou no turismo correndo com um VW Polo. Como era este campeonato? Eu nunca tive a F1 como sonho ou objetivo. Uma carreira em Fórmulas é muito cara e eu tinha o exemplo do turismo na família. Kelvin Van Der Linde: É um dos campeonatos mais fortes que nós temos na África do Sul. Na minha primeira temporada tinham 32 carros e ter mais da metade do grid andando no mesmo segundo era comum em todos os circuitos, em todas as provas. Era um campeonato muito duro. NdG: Mas você se destacou apesar da competição ser assim tão dura... Kelvin Van Der Linde: Sim, tive alguma sorte e alguma competência. Consegui terminar o primeiro ano em terceiro lugar no campeonato e ser eleito o novato do ano. Também conquistei o título regional na categoria em 2011. Em 2012 fui campeão nacional, sendo o mais jovem campeão nacional na categoria e isso me abriu algumas possibilidades junto aos organizadores, que me levaram para a Europa no ano seguinte. Mas não foi fácil. A categoria é muito disputada. NdG: Foi através destes resultados que você conseguiu uma vaga na FIA Academy? Kelvin Van Der Linde: A FIA fez algumas competições pelo mundo, pelo menos até onde eu sei, e eu venci a competição que aconteceu na África do Sul. Não foi uma escolha aleatória ou uma avaliação de resultados, foi uma disputa na pista e como sempe muito difícil, pois há outros ótimos pilotos em meu país. NdG: Como foi esta experiência? O que vocês faziam como “alunos” desta academia? Kelvin Van Der Linde: Foi uma experiência maravilhosa, o melhor período da minha vida como piloto. Tínhamos vários programas. Tinha o programa de condicionamento físico, com preparação em geral e treinamentos específicos que um piloto precisa fazer. Tinha o “media training”, onde aprendíamos como lidar com a mídia e como se colocar em diversas situações onde éramos testados a falar mais do que podíamos ou devíamos. Tinha os treinamentos de pista onde tínhamos aulas teóricas e depois empregávamos na prática o que víamos. Tinha também o programa da FIA sobre segurança no trânsito, algo muito importante onde nós, pilotos devemos ser embaixadores deste programa para que não se cometa excessos nas cidades e estradas, dirigindo com segurança. NdG: O seu sucesso como piloto na VW foi o que abriu as portas para você na Audi? São empresas do mesmo grupo, mas uma coisa é pilotar um carro de turismo como o Polo, outra é pilotar um GT. Como foi este processo? Foi graças a meu trabalho que chamei atenção da Audi e eles me contrataram para ser um de seus pilotos de GT. Kelvin Van Der Linde: Foi resultado de minha performance. Eu consegui ficar entre os quatro finalistas do programa de jovens pilotos da Porsche quando fui para a Europa em 2013 e entrei para a academia da FIA. Venci a Scirocco R-Cup, que é um torneio com diversos pilotos que pilotam alguns tipos diferentes de carros e no final é feito o somatório de seus pontos e habilidades e eu superei todos os meus adversários. No ano seguinte eu venci a GT Masters e fui o melhor classificado nos critérios da academia da FIA como piloto. Foi isso que chamou a atenção deles na Audi para me contratar como piloto oficial, para quem continuo pilotando até hoje. NdG: Nas corridas de Gran Turismo tem as provas mais curtas, mais rápidas e as de longas horas de disputa, algumas com até 24 horas. Qual o tipo de corrida você gosta mais, se sente mais confortável? Kelvin Van Der Linde: São dois tipos de corridas completamente diferentes com o mesmo carro. Corridas como as 24 horas de Nurburgring e as 24 horas de Spa-Francorchamps são muito especiais. Eu gosto do estudo da estratégia e de como as corridas de endurance são planejadas com a participação dos pilotos, dos engenheiros, do chefe da equipe e onde você também tem que ser rápido, mas as corridas de sprint é aquela onde você vai tirar o máximo e mais um pouco do carro que realmente mexe comigo. NdG: Corridas de endurance exigem uma preparação física muito intensa. Como é o seu treinamento e a sua alimentação? Kelvin Van Der Linde: Eu não sigo nenhuma dieta especial. Eu apenas evito comidas de fast food, mas eu como de tudo. Gosto muito de carnes e massas e procuro comer apenas o que é necessário para me manter. Quando não estou pilotando treino todo o tempo com todas as atividades ligadas ao meu trabalho como piloto e isso gasta bastante energia. Eu pratico natação, ciclismo, corrida, musculação e sempre que posso participo de provas de triathlon. Os carros de endurance não exigem que você tenha uma musculatura de pescoço tão rígida quanto a de um piloto de fórmula, mas eu também trabalho esta parte com atenção. NdG: Você, apesar da idade, já passou por todos os continentes pilotando carros de corrida. Só faltava a América do Sul o que aconteceu este ano com a participação na corrida de duplas da Stock Car. Algum desafio entre todos estes lugares que você competiu, onde você se sentiu mais desafiado? As corridas de endurance são muito especiais, exigem tática, estratégia, mas eu me realizo nas provas de sprint, onde damos tudo. Kelvin Van Der Linde: Em todo lugar que você vai correr é um desafio diferente e é sempre excitante. No Brasil pude correr em Interlagos, numa pista com subidas e descidas em um carro com pouca visibilidade, mas que peguei logo a mão e é um circuito gostoso de pilotar. Gosto de Spa e Nurburgring, longos, com muito relevo, gosto de subidas e descidas e curvas de raios variados. Na Austrália corri em dois anos seguidos, adoro Bathurst, uma pista que exige muito e qualquer erro é fim de corrida. Acho que ela e Nurburgring são os maiores desafios como pista. NdG: Este ano você correu as 24 horas de Daytona e no ano passado já havia corrido na Califórnia. Como você percebeu a atmosfera, o ambiente de corrida dos Estados Unidos comparado com o da Europa. É muito diferente? Kelvin Van Der Linde: Sim, completamente diferente. A cultura de automobilismo dos norte americanos é muito voltada para o espetáculo, para atrair e entreter o público. Claro, eles são profissionais e fazem todas as coisas certas, mas é bem diferente lá da Europa e especialmente da Alemanha onde o foco é praticamente todo direcionado para o trabalho dentro da equipe e as coisas não são tão acessíveis como nos Estados Unidos. Em parte eu gosto do ambiente menos concentrado de La, mas só se estiver tudo certo com o carro [risos]. Eu acho que o fã do automobilismo dos Estados Unidos se diverte mais que o europeu. No Brasil a visita nos boxes foi muito divertida e tem muita gente andando pelos boxes. O acesso de vocês da imprensa é muito aberto e eu não acho isso ruim. Na Europa as coisas são mais restritas. NdG: Seu ano está quase no fim, como você avalia este 2018? Kelvin Van Der Linde: Está sendo um ano bastante exigente. No final terei acumulado 25 finais de semana correndo provas que vão desde as provas de Sprint até as duas 24 horas que já disputamos. Conseguimos alguns pódios mas a vitória ainda não veio este ano e isso é algo que me está incomodando muito. Não quero terminar o ano sem vencer pelo menos uma corrida, mas não está fácil. O nível das competições está muito alto e também tivemos alguns azares como em Nurburgring, que nos atrasou bastante e não conseguimos recuperar todo o tempo perdido. NdG: A África do Sul tem um campeão mundial de Fórmula 1, Jody Scheckter. Depois de todos estes anos, ele ainda é falado no meio do automobilismo local, é um tipo de referência para os pilotos? As gerações mais novas não tem muito a referência de Jody Scheckter como piloto, mesmo ele tendo sido campeão da F1. Kelvin Van Der Linde: Ele não vive na África do Sul e não costuma ir lá com muita frequência. Acho que ele vive na Inglaterra em algum lugar retirado como uma fazenda. As pessoas mais velhas falam sobre ele, claro, ele é um campeão do mundo, mas as gerações mais novas como a minha tem mais referências nos pilotos atuais. Na época dele não havia internet, youtube e é preciso procurar para encontrar suas corridas. NdG: Você tem ainda uma longa carreira pela frente. Quais são as suas ambições? Kelvin Van Der Linde: Eu espero poder um dia pilotar no DTM, que é um campeonato fantástico, com carros espetaculares e que mesmo com a saída anunciada da Mercedes no final desta temporada ainda teremos um campeonato forte por lá com a chegada das fábricas japonesas e, logicamente, quero ser campeão. Da mesma forma que quero um dia ser o vencedor nas 24 Horas de Le Mans, algo que é supremo na carreira de qualquer piloto. |