No início deste mês, uma imagem no Facebook do João Carlos Costa, jornalista da Eurosport – comenta, entre outras coisas, as 24 Horas de Le Mans, o WTCR e a Formula E – intrigou-me. E depois de uma curta conversa com ele, explicou-me a razão porque a colocou: o Projeto Bloodhound, onde se propunha bater o recorde de velocidade em terra e elevá-lo para os 1690 km/hora, tinha sido definitivamente cortado este final de semana, devido à falência do projeto. Segundo contava a BBC na altura, dez anos depois de ter começado, tinha terminado antecipadamente por causa de problemas de financiamento. E o protótipo está à venda por... 250 mil libras. O preço de um super-carro, se preferirem. O pessoal queria fazer em 2019 e 2020 uma série de experiências num leito de um lago seco na África do Sul para ver se alcançavam esse número mágico, mas infelizmente, pelos vistos, vão se ficar pelas intenções. E em 2018, a estrutura do carro estava completa, mas faltava um elemento importante: financiamento. E sem ele, o projeto chegou ao fim... aparentemente. E digo isso porque no momento em que se escreve estas linhas, um empresário do Yorkshire apareceu e ofereceu uma soma ainda não divulgada para assegurar o financiamento do projeto, o suficiente para o colocar a funcionar para os ensaios e a tentativa de recorde. Mas vamos começar pelo princípio. Dez anos antes, a 23 de outubro de 2008, foi anunciado o Bloodhound SSC. Onze anos depois do recorde do mundo, em 1997, por Andy Green, a bordo do Thrust SSC, que bateu a barreira do som - 1228 km/hora no deserto do Mojave americano - iria acontecer nova tentativa, com uma máquina mais potente. A pessoa por trás do projeto era Richard Noble, que em 1983 bateu um recorde de velocidade e catorze anos depois esteve por trás do projeto Thrust SSC. E como nessa altura, Andy Green iria ser o seu piloto. O PROJETO O Bloodhound SSC tinha Noble e Green por trás do projeto. A ideia era chegar às mil milhas por hora - 1609 km/hora - através de um carro com dois motores a jato vindos do Eurofighter, mas não seriam os únicos. Um foguete Nammo seria acoplado a serviria para impulsionar o carro até à velocidade alcançada, e como motor auxiliar, teria um motor V8 da Jaguar para ativar a bomba de impulsão do foguete. A coisa seria feita desta forma: os motores a jato serviriam de impulsão inicial até aos 480 km/hora, a partir do qual o foguete seria ativado até aos 1600 km/hora. Tudo isso teria de acontecer em 42 segundos para tentar validar a marca. Os pneus seriam quatro, com todas de 36 polegadas cada uma e teriam de rodar a 10.200 rotações por minuto e teriam de aguentar a força centrifuga de cinquenta mil G's. Este projeto começou logo em 2010 com uma maqueta em tamanho real no Farnborough Air Show e nos anos seguintes construiu-se o chassis na Hampson Industries. Pensava-se ter o chassis pronto em 2013, mas foi a partir dessa altura em que começarem a ter problemas de financiamento. Por causa disso, só se começou a fazer o "shakedown" do carro em 2017, numa pista de aviação em Newquay, na região britânica da Cornualha. Primeiro em testes estáticos, depois em testes dinâmicos. A partir de então, passaram para a fase seguinte: levar o chassis para a África do Sul, onde testariam no leito seco do Hakskeen Pan, na província do Cabo Ocidental. Lá estava pronta uma pista de 19 quilómetros de comprimento por 3200 metros de largura. E claro, a ambição era forte. É que não era só o chegar aos 1609 km/hora, era até o "pulo" que isso significaria. Seria aumentar o recorde em um terço, algo do qual nunca tinha sido tentado - ou alcançado. Caso aconteça, seria outro recorde dentro do recorde. Mas os problemas de financiamento nunca ficaram longe. Em outubro, o Bloodhound Programme Limited tinha uma dívida de 25 milhões de libras e pediu proteção aos credores, colocando o projeto em risco. No início deste mês, o projeto tinha sido cancelado, mas pouco depois, apareceu um interessado em fazer continuar, pagando as dívidas e financiar o que falta para levar o carro ao local e fazer as tentativas. A VELOCIDADE, ESSA SEDUTORA Henry Ford disse um dia que o automobilismo começou cinco minutos depois da construção do segundo automóvel. E saber quem é o carro mais rápido do mundo foi sempre fascinante. Desde Camile Jenatzy, o piloto belga que em 1899, levou um carro elétrico, o "Jamais Contente" para uma estrada reta e passar a barreira dos 100 km/hora, que a velocidade esteve sempre nas mentes das pessoas. A imaginação esteve sempre à solta para celebrar os que tentavam bater os limites das máquinas e nomes como Henry Seagrave e Donald Campbell, bem como o seu filho Malcom, ficaram nas mentes das pessoas como pilotos que bateram recordes em carros que ficaram na memória, como o Bluebird. Nos tempos recentes, o interesse reacendeu-se por causa de uma categoria em particular: o carro de produção mais veloz existente. Desde sempre tinham sido carros especiais, aqueles que batem estes recordes, mas hoje em dia, com o surgimento dos hipercarros de marcas como a Bugatti, a Koeingssegg ou a Rimac, onde os seus motores a combustão ultrapassam os mil cavalos, o interessa caiu imenso sobre eles. Primeiro, a Bugatti, com o Veyron, com 1001 cavalos, conseguiu 437 km/hora no circuito de testes de Essen-Lehra, na Alemanha, e logo a seguir, o desafio foi aceite pela Koenigssegg, que em novembro de 2017, levou um dos seus modelos, o Agera, para uma estrada entre Las Vegas e Los Angeles, fechou-a a fez uma média de 447km/hora, com picos de 458 km/hora. Tudo isto numa altura em que a Bugatti tinha metido um novo modelo, o Chiron, e já num dos testes, este ano, fez 41,96 segundos acelerando dos zero aos 400 km/hora e voltando a parar. O piloto ao volante? Juan Pablo Montoya. E já prometem desligar o limitador de velocidade do Chiron para ver se vão um pouco mais rápido. Oficialmente, eles vão dos zero aos 100 em meros 2,5 segundos. Mas nestes tempos que correm, os carros elétricos apareceram em força. E com o torque que têm em instantâneo, por exemplo, ganhou-se mais relevância aos recordes de velocidade. Com carros aparentemente de produção elétrica a serem os mais velozes em pistas como Laguna Seca ou Nurburgring, ainda não se tentou seriamente colocar esses modelos para bater recordes de velocidade na categoria de produção, mas em 2017, Elon Musk prometeu que o novo Tesla Roadster, para sair em 2020, terá o seu máximo limitado a... 400 km/hora. E em testes, os carros da Lucid Air, que deveriam ser sedans de luxo, já alcançaram a marca dos 375 km/hora. De uma certa forma, a luta pela velocidade já nem é tanto pela velocidade pura. O objeto mais veloz neste momento está no espaço sideral, a andar a uma velocidade de 35 mil km/hora, e hoje em dia, uma nave orbital pode dar a volta à terra em pouco mais de hora e meia, a velocidades muito superiores ao som. Um avião militar a jato anda a uma velocidade duas a três vezes superiores à barreira do som, e o Concorda também fazia isso. Agora... um carro a produção? É interessante porque são carros mais "terrestres", embora custem muito dinheiro. Mas nestes tempos que correm, entre carros de motor a combustão e carros elétricos, tornou-se num campo de batalha inesperado do qual muitos quererão ter o seu carro no Livro Guinness dos Recordes. E se um projeto parece estar frágil neste momento, outros prometem estar mais fortes que nunca. --- XXX --- Mais um ano acaba, outro começa. Que a temporada de 2019 seja fantástica no automobilismo, é o que desejo. E a todos vocês, caros leitores, também lhes desejo não só um Feliz Natal, como também um excelente Ano Novo, onde possam concretizar os vossos objetivos pessoais.
Um grande abraço e saudações D’além Mar! Paulo Alexandre Teixeira
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