Ricardo Maurício recém completou 30 anos e está completando 20 anos de automobilismo. Este paulistano que começou ainda criança no kartismo tem muita estória para contar, tendo ido ainda adolescente em sua primeira incursão pela Europa. Foi bicampeão paulista de kart (na época um verdadeiro brasileiro da categoria) e foi um piloto de enorme sucesso em todas as categorias de acesso até chegar às portas da Fórmula 1. Entrevistamos este pequeno gigante das pistas, da humildade, da tenacidade e da personalidade após sua espetacular vitória na 9ª etapa da Stock Car em 2009, correndo no anel externo de Curitiba. NdG: Você poderia nos dizer como o automobilismo entrou em sua vida? Ricardo Maurício: Comecei no kart com 10 anos de idade e desde pequeno eu respirava automobilismo e daqui mais quatro dias serão exatos 20 anos de dedicação e comprometimento e dedicação ao automobilismo. NdG: Então ser piloto foi uma coisa que esteve em você desde o início ou teve uma fase, na infância, em que o kart era uma brincadeira, era um esporte, mas sem a visão voltada para uma futura carreira? Aos 11 anos, Ricardo Maurício falou para seu pai que queria fazer do automobilismo a sua vida. Nascia ali o pequeno gigante. Ricardo Maurício: Bem, quando eu comecei não pensava que ia ser piloto. Eu era criança, daquelas que brincava de carrinho e com 10 anos, pelas mãos do meu pai comecei a treinar e depois a correr de kart. A paixão foi crescendo, eu fui me aprimorando e as coisas foram se encaminhando. Depois de 1 ano treinando, com 11 anos, eu e meu irmão estávamos no kart, mas ele via mais como diversão, lazer e eu falei para o meu pai que queria continuar e queria fazer do automobilismo a minha vida. A partir desta época eu passei a me dedicar 100% ao kart. NdG: Você foi para a Europa ainda garoto, com 15 anos de idade, ficou uma temporada na Itália e retornou ao Brasil. O que você aprendeu, vivenciou, cresceu nesta primeira incursão fora do país? Ricardo Maurício: Foi realmente um grande aprendizado. Pude ver como funcionavam esquemas muito profissionais e pude conhecer um pouco da filosofia de competição deles. NdG: Você voltou para a Europa logo em seguida, certo? Ricardo Maurício: Isso. Voltei para o Brasil com 16 anos e retornei para a Europa com 17 onde fiquei até os 23 anos. Corri de monopostos até chegar a Fórmula 3000, que seria o que hoje é a GP2. Tentei uma vaga na Fórmula 1 mas não consegui: faltou patrocínio e isso me trouxe de volta para o Brasil. NdG: Então seu único empecilho para entrar na Fórmula 1 foi dinheiro? Tipo: as equipes consideravam você tecnicamente, mas na hora de decidir quem contratar, era a carteira quem falava mais alto? A falta de um patrocínio maior impediu a continuidade da carreira de Ricardo no exterior, sorte para nós, que o temos na Stock. Ricardo Maurício: A diferença de orçamento entre a Fórmula 3000 e a Fórmula 1 era muito grande. Dava para andar de Fórmula 3000, mas para dar o último passo, infelizmente, era pouco e como você disse, o dinheiro falava mais alto e ainda fala hoje em dia. Não deu certo, infelizmente. Mas posso dizer que hoje estou muito feliz e realizado aqui na Stock Car. Assim como eu, outros estiveram lá e hoje estão aqui e pode acreditar que não é o dinheiro que conta para o piloto, é ele ter também a oportunidade de poder ter algo a mais para dar esse passo e se manter por lá. NdG: Está claro que hoje você lida muito bem com isso. É visível o bom ambiente que você tem aqui na equipe com todos e na categoria... mas, e na época que “faltou o detalhe” para entrar na Fórmula 1, como você lidou com isso? Ricardo Maurício: Com naturalidade. A gente sempre tenta chegar a um objetivo que estabelece, mas se isso não acontece o mundo não acaba. A gente tem que seguir a vida, seguir em frente e hoje eu vejo que, quando decidi voltar para o Brasil e correr na Stock Cars eu vi que estava fazendo uma coisa boa para mim e não me lamento em momento algum pelo fato de não ter conseguido entrar para a Fórmula 1. Fiz bons amigos aqui, conheci uma categoria sensacional, trabalho em uma equipe fantástica, super profissional e que é uma grande família. NdG: Mas você chegou a testar um carro da IRL nos Estados Unidos... como foi a sensação de andar num oval, de enfrentar um desafio totalmente diferente do que os pilotos formados aqui no Brasil estão acostumados a enfrentar? Quando testou um carro da IRL em um oval, Ricardo superou o titular da equipe - Bud Rice - sem jamais ter andado em um oval! Ricardo Maurício: Pouca gente sabe deste teste na IRL... foi uma experiência muito boa, realmente é muito diferente, mas eu consegui uma boa adaptação e andei mais rápido que o Bud Rice, que era o titular da equipe e um piloto que já estava na categoria, tendo sido a sua formação correndo em ovais. Foi muito bom, realmente. Infelizmente acabei tendo o mesmo problema de patrocínio para correr lá. O orçamento era de 5 milhões de dólares por carro para a temporada e naquele ano eles mudaram o chassi e este valor foi para 8 milhões... esta diferença a Red Bull alegou não poder bancar dois carros e acabou por bancar um só, com um piloto americano e que era projeto da Red Bull para o mercado interno ter um piloto americano e que já fazia parte do projeto deles que envolvia a ida de um piloto americano para a Fórmula 1, que acabou sendo outro, foi o Scott Speed. Infelizmente, ali também não deu certo. NdG: É muito difícil se acertar logo com um carro tão diferente e um circuito tão diferente como é o oval, não? Ricardo Maurício: Foi bem, foi tranqüilo. Eu me senti bem logo no início e consegui virar rápido. Claro que uma coisa é andar rápido em treino, outra é ser rápido em corrida, com todos aqueles carros andando juntos certamente é bem diferente, tem a relação com o “spotter”, que vai te “cantando a corrida”, pois a visão lateral é quase nenhuma. Foi uma pena não ter dado certo. NdG: Depois de ter feito toda a sua formação e desenvolvimento em monoposto, você veio correr na Stock, com um carro de turismo, mais pesado, com uma guiada bem diferente da qual você normalmente tem num fórmula. Como foi a sua adaptação? Ricardo Maurício: A maior diferença a gente sente no peso. Um fórmula pesa metade e isso interfere em tudo... nas aproximações de curva, na forma de frear, para fazer uma ultrapassagem... é tudo diferente. Eu acho que me adaptei bem rápido e logo já conseguia andar no ritmo do pessoal da frente. NdG: Você falou sobre o peso do carro e ontem, quando entrevistamos o Dr. Dino Altimann, ele falou muito sobre preparação física. Como é a sua preparação física para suportar as exigências de pilotar um carro da Stock Cars? Ricardo Maurício: As pessoas custam a acreditar como é desgastante uma corrida da Stock Cars, onde a temperatura dentro do carro pode chegar quase a 70ºC, e para agüentar é preciso realmente ter uma condição muito boa. Para isso eu corro a pé e também faço um trabalho direcionado em academia para poder suportar e estar inteiro ao final de cada corrida. NdG: Você é um dos “pilotos-referência” da categoria, todos certamente o consideram assim. Mas, alem de você, temos outros grandes nomes reunidos na Stock. Vocês tem consciência de que este pode ser o campeonato de turismo de nível técnico mais alto no mundo?
Corridas - a pé - e um programa específico de preparação em academia são primordiais para aguentar correr na Stock, diz Ricardo. Ricardo Maurício: É possível que seja mesmo. A Stock hoje é uma categoria que tem mais de 10 pilotos que já passaram pela fórmula 1, fora outros que chegaram bem perto disso. São 30 carros com quase nenhuma diferença técnica, andando todos muito próximos. Hoje nós temos um reconhecimento no exterior devido a este nível de competitividade. NdG: Você participa há algum tempo nas chamadas “provas de endurance” do campeonato da TC 2000 aqui na Argentina. Como é a competição deles? Como é o carro, as pistas, o nível de competitividade dos pilotos... algum dos pilotos que correm o TC 2000 conseguiria enfrentar de igual para igual os pilotos aqui na Stock no Brasil? Ricardo Maurício: A TC 2000 é uma categoria muito forte, também é reconhecida internacionalmente e é uma categoria que eu tenho prazer em ir até lá para guiar. Estou guiando pela equipe da Toyota, em dupla com o Norberto Fontana, um amigo de longa data, desde 1999, e estamos liderando o torneio de endurance, que é composto por 3 provas no meio do campeonato regular da categoria. É uma grande experiência... lá os carros tem tração dianteira, diferente daqui, onde a tração é traseira, mas eu consegui me adaptar bem e te sido muito bom. Sobre competir aqui, não sei se eles teriam interesse mas poderia ser bom. NdG: Lá as equipes tem um apoio de fábrica, aqui no Brasil os carros são da JL e as equipes trabalham carros iguais. Você poderia comentar sobre as diferenças e semelhanças entre as categorias? Ricardo Maurício: As equipes lá são muito parecidas com as daqui em termos de esquema. São bem profissionais. A diferença está na parte financeira. É aí que entra o apoio da montadora, não é que tenha uma equipe da montadora. Lá existe uma isenção de imposto para o automobilismo e isso acaba beneficiando as montadoras que participam e uma parte das vendas é revertida para o automobilismo e isso acaba criando esse apoio que eles tem por lá. NdG: Na Stock Cars e na Truck, que são as duas categorias mais populares do Brasil, os pilotos tem uma visibilidade muito grande, um reconhecimento muito grande. E nas outras categorias, na sua opinião, haveria como termos um automobilismo independente e auto suficiente? Ricardo Maurício: Gostaríamos, mas infelizmente, aqui no Brasil, tirando a Truck e a Stock, que tem um grande retorno de mídia, a realidade do nosso automobilismo é muito difícil. Vamos ter agora a Copa Línea, com o apoio do Felipe Massa, que foi um gesto dele muito legal, conseguindo motivar a Ferrari e a FIAT a investir nessa categoria. Tomara que Deus permita que ela seja um sucesso e propicie aos pilotos brasileiros terem outra categoria para correr e poder viver do automobilismo. NdG: Durante algum tempo, você foi piloto de testes de uma revista aqui no Brasil (Racing) onde teve a possibilidade de andar com diversos tipos de carros, com características diferentes, pisos diferentes... como é que um piloto se adapta de um tipo de carro para o outro? Vou citar um colega seu, que infelizmente não está aqui, o Antônio Pizzonia, que corre aqui na Stock e na Fórmula Superleague, um um monoposto com um motor de 600CV. Como é que um piloto se ajusta a andar forte em carros tão distintos? Com o troféu - ao fundo - os prêmios e a champagne da vitória. Ricardo deu um verdadeiro show no anel externo de Curitiba. Ricardo Maurício: Tem uma parte que é bem parecida, por incrível que pareça. Assim, a adaptação não é tão difícil quanto se pensa. Eu mesmo tive chances de dirigir caminhão na terra, no asfalto, carro de rally, toda esta experiência como piloto de teste da revista foi super positiva e sendo um piloto de competição, a adaptação vem rápido. NdG: Na quinta-feira a tarde, vimos você passando com sua scooter por cima da zebra da entrada da reta diversas vezes... não vimos nenum outro piloto fazendo aquilo. O que você estava examinando? Ricardo Maurício: Eu vi que eles alteraram a zebra da prova anterior para esta. Tiraram o concreto-grama. Fui ver como estava a aderência, a ondulação, essas coisas que podem fazer a diferença numa entrada de uma reta tão longa. NdG: Por falar em reta, tem muita irregularidade ali, não? Placas quebradas, uma com piso diferente... isso não atrapalha? Ricardo Maurício: Sendo a reta, ela poderia ser até de terra batida que não seria problema, pelo menos para o Stock. Se fosse nas curvas seria outra estória. Mas o autódromo e a pista aqui (Curitiba) são muito bons. Gosto muito de vir correr aqui. NdG: Você tirou agora há pouco uma foto com um pequeno fã, vestindo um macacão. Que conselho você daria para um menino ou menina que chegasse para você dizendo querer seguir seus passos e ser um/a piloto/a? Ricardo Maurício: Diria para ele investir no seu sonho, nunca desistir e se dedicar ao máximo para conseguir. NdG: Nestes 20 anos de automobilismo, se você pudesse fazer algo diferente do que fez, você teria feito? O que? Foi com enorme prazer que entregamos a camiseta dos Nobres do Grid para este homem que mostrou uma grandeza enorme. Ricardo Maurício: Nada. Acho que fiz tudo como deveria ter sido feito! NdG: Ricardo, muito obrigado pela entrevista, parabéns pela vitória, por estar aqui nos boxes ao lado, vimos o drama que vocês passaram ontem com os motores e a superação de toda a equipe e a sua especialmente foi espetacular. Nós gostaríamos de presenteá-lo com uma camiseta dos Nobres do Grid, que é um site feito para os pilotos que deram início a tudo isso que você vive hoje e que tem como padrinho Luiz Pereira Bueno. Ricardo Maurício: Eu agradeço muito o presente, a oportunidade e aproveito para agradecer a toda a equipe pelo trabalho fantástico que permitiu que pudéssemos vencer aqui em Curitiba. |