Se estivesse vivo, Andrea de Cesaris teria feito 60 anos no passado dia 31 de maio. Um dos pilotos mais folclóricos dos anos 80 e de início dos anos 90, as 15 temporadas que tinha passado na Formula 1, num total de 204 Grandes Prémios, divididos entre Alfa Romeo, McLaren, Ligier, Minardi, Rial, Dallara, Jordan, Tyrrell e Sauber, não deram em vitórias, apesar de uma pole-position e duas voltas mais rápidas. A sua reputação de piloto destruidor de chassis perseguiu-o, mas isso foi mais no tempo da McLaren, um estigma que iria levar por boa parte da sua carreira. Contudo, apesar de ter sido o piloto que fez mais corridas sem vencer, adquiriu outro recorde duvidoso: o de mais corridas sem terminar. Num período onde os carros eram frágeis, e errar era mais fácil que era hoje, pois não existiam escapatórias de asfalto, por exemplo, ter uma série de DNF’s (não terminou a corrida, em inglês) fazia mais parte do currículo do que outra coisa. Contudo, quando De Cesaris cortou a meta na oitava posição no GP do México de 1986, respirava aliviado não só por saber que tinha concluído uma corrida pela primeira vez naquela temporada, mas era a primeira vez em 19 corridas que tinha visto a bandeira de xadrez. Ao volante de um Minardi-Motori Moderni Turbo, o piloto de Roma, então com 27 anos estava lá depois de ter sido despedido no ano anterior devido à sua fama de destruidor de chassis. Contudo, a fragilidade do conjunto fez com que não tivesse acabado qualquer corrida naquela temporada. Depois de grandes oportunidades na McLaren e Alfa Romeo, Andrea de Cesaris foi para na pequena Minardi. Contudo, o que ele não sabia era que a próxima vez que iria ver a bandeira de xadrez, iriam passar quase ano e meio, e a passagem por duas equipas no seu currículo. Quando finalmente, essa série negra acabou, iria passar para a história como o piloto com mais desistências consecutivas, embora pelo meio tenha conseguido… um pódio. Estranho, mas é verdade. “DE CRASHARIS” A carreira do piloto italiano, nascido em Roma a 31 de maio de 1959, começara bem cedo na Formula 1. Aos 21 anos, depois de ter corrido na Formula 2 pelo Project Four, de Ron Dennis, estreou-se pela Alfa Romeo no GP do Canadá de 1980, impressionando ao qualificar-se na oitava posição, embora não tendo chegado ao fim devido a acidente. Por algum tempo o italiano foi o recordista de Grandes Prêmios disputados, com 204 largadas... e nenhuma vitória. Mas em 1986, o piloto tinha fama de desastroso. Oito chassis destruídos em 1981, pela McLaren, deram-lhe o cognome de “De Crasharis”, ao ponto de ele ter sido impedido de correr no GP da Holanda porque já não havia mais chassis, porque ele tinha não só arruinado o seu próprio, como o de reserva! Em 1982, voltou à Alfa Romeo e fez uma pole-position em Long Beach e conseguiu o seu primeiro pódio no Mónaco, apesar de ter ficado sem gasolina na última volta. E três anos depois, em 1985, Guy Ligier decidiu dispensar os seus serviços depois de ter destruído um dos seus chassis no GP da Àustria. Assim sendo, a Minardi foi um refúgio, onde a fragilidade do conjunto chassis-motor não ajudou em nada. Depois do México, não acabou na última corrida do ano, na Austrália por problemas mecânicos. Aliviado, transferiu-se para a Brabham, onde iria fazer companhia a Riccardo Patrese. Mas a Brabham em 1987 era uma marca em decadência. Bermie Ecclestone estava a desinteressar-se da equipa e Gordon Murray tinha ido embora para a McLaren, deixando o desenho do BT56 para John Baldwin e Sergio Rinland. Era mais convencional que o radical BT55, e tinha o motor BMW Turbo, que era potente, mas pouco durável. E De Cesaris vai pagar por essa fragilidade. Começa o ano no Brasil, onde desiste na volta 21 por causa de um diferencial partido, enquanto na corrida seguinte, em San Marino, a sua prova termina na volta 39 devido a um despite. Um destino menos cruel do que passou Patrese, quando o alternador se foi a duas voltas do fim, quando seguia na segunda posição… REBENTOU EM SPA? VAI AO PÓDIO! Em Spa-Francochamps, palco do GP da Bélgica, De Cesaris continuou a ter azar do costume, mas também teve uma tremenda sorte. 13º na grelha, furou logo na primeira volta, mas aproveitou os azares alheios para se salvar, especialmente quando os dois Tyrrell, o de Jonathan Palmer e Philippe Streiff, bateram um no outro na reta Kemmel, causando a amostragem de bandeiras vermelhas. Na Brabham, vivia estourando motoresm nas na Bélgica, em 1987, mesmo quebrando antes da bandeirada, ficou em 3° lugar. Na segunda partida, De Cesaris aplicou-se a fundo e ultrapassou alguns pilotos, subindo na geral até chegar aos pontos. Na última volta, ele tinha um terceiro lugar garantido quando a poucos metros da meta, o seu Turbo explodiu e viu o carro ficar em chamas. Como tinha cumprido mais de 90 por cento para ser classificado, acabou por ficar com o lugar mais baixo do pódio, até então o terceiro da sua carreira. Mas tecnicamente, não tinha cruzado a meta dentro do seu carro. E a fragilidade do carro, bem como a sua impetuosidade, não ajudavam. Suspensão quebrada no Mónaco (volta 38), caixa de velocidades partida em Detroit (volta 2), turbo a explodir em Paul Ricard (volta 2) e em Silverstone (volta 9), motor a explodir em Hockenheim (volta 12) caixa de velocidades partida em Hungaroring (volta 43) de novo o motor a explodir em Zeltweg (volta 35), suspensão partida em Monza (volta 7), problemas no sistema de injeção do seu motor BMW no Estoril (volta 54), mais uma caixa de velocidades quebrada em Jerez (volta 26), um acidente no México (volta 22) e um motor partido em Suzuka (volta 26) Em suma, apenas quatro pontos numa temporada onde, tecnicamente, nunca viu a bandeira de xadrez. A mesma coisa aconteceria em Adelaide, palco do último Grande Prémio do ano, mas como em Spa, ainda se classificou no oitavo posto, depois de se ter despistado perto do fim, na volta 74, depois de uma corrida atribulada, onde parou quatro vezes e estava no fundo da classificação geral. O SEGUNDO PROJETO DE GUNTER SCHMID Para 1988, De Cesaris alinha no projeto da Rial, uma equipa alemã que, não era, nem mais, nem menos, que o segundo projeto de Gunter Schmid. Quatro anos depois de ter encerrado as atividades da ATS, o alemão tinha fundado outra marca de jantes, que a batizou de Rial, e teve o mesmo sucesso que a primeira. Continuando apaixonado pela Formula 1, decidiu fazer um retorno, e esperando que todos os seus trabalhadores tenham mais paciência para suportar as suas já lendárias fúrias. A Rial era um projeto com um ótimo potencial e ao lado de Christian Danner e Gustav Brunner não tiveram sucesso. Contratou Gustav Brunner, vindo da Ferrari, e inspirou-se no F1-87 para desenhar o ARC1. Ambos os chassis ficaram tão parecidos que muitos o chamaram de “Ferrari azul”. E como piloto, escolheram De Cesaris porque ele tinha sempre o generoso apoio da Marlboro Itália, já que o seu pai tinha trabalhado por lá. Com o motor Ford DFZ atmosférico, o que poucos sabiam era que o depósito de combustível era pequeno, e não queria alargar mais para não estragar o equilíbrio que tinha alcançado. E isso viria ter consequências… Mas independentemente das linhas elegantes e do motor razoável, a fiabilidade era o que contava. E não havia muita. Em Jacarépaguá, o motor rebentou na volta 53, enquanto em Imola, as coisas foram bem mais cedo: suspensão quebrada logo na primeira volta. Filho de um grande executivo da Philip Morris na Europa, levava o patrocínio da Marlboro a onde ia, como nos anos da Alfa Romeo. No Mónaco, depois de largar do 19º posto, o piloto italiano não foi muito longe, pois o motor explodiu na volta 28. Logo depois, no México, foi a vez da caixa de velocidades ceder depois da 52ª passagem pela meta. ALGUM DIA O AZAR TINHA DE ACABAR Por esta altura, a Rial mostrava que o seu chassis até tinha potencial para terminar nos pontos. Normalmente, nos treinos, De Cesaris aproximava-se do “top ten”, e até andava bem a meio do pelotão, antes que fosse afetado por algum problema mecânico, já que os despistes ou erros de condução eram cada vez menos. De Cesaris protagonizou inúmeros acidentes, como este na Liguer, em Zeltweg, mas sempre saiu "inteiro" dos carros. No Canadá, em Montreal, o carro portou-se bem, fazendo o 12º tempo na grelha de partida, e a corrida parecia ser de sonho. A pouco mais de três voltas para acabar, era quinto, e parecia que iria dar os primeiros pontos. Contudo… o pequeno depósito de combustível viria a assombra-lo, quando ficou sem combustível, e com a meta à vista. Um destino cruel, sem dúvida… apesar de tudo, ficou classificado na nona posição. Mas do azar, veio a sorte. E só teve de atravessar a fronteira. Em Detroit, palco do GP americano, De Cesaris ficou de novo na 12ª posição da grelha de partida, e esperava que a pista, urbana e mais travada em termos de velocidade de ponta, não consumisse assim tanto combustível. O italiano andou bem e aproveitou as desistências que aconteciam na sua frente para subir na classificação. Mas o azar dos outros foi a sua sorte. Mesmo com o asfalto a quebrar-se em alguns lugares, De Cesaris conseguiu levar o carro até ao fim, e pela primeira vez em 22 corridas, via a bandeira de xadrez, e melhor: dava os primeiros pontos à sua equipa! Um dia de festa para todos, e sobretudo, um alívio para o italiano, provavelmente sabendo que ninguém é azarado para sempre. No início dos anos 90, alternava grandes corridas e os típicos acidentes com a promissora Jordan antes de deixar as pistas. Até ao final do ano, De Cesaris ainda acabou mais três corridas, mas nenhuma nos pontos. Poderia ter repetido o feito em Adelaide, mas ficou sem gasolina a quatro voltas do fim, quando seguia no quinto lugar. Depois disso, a sua carreira prosseguiu até 1994, com passagens por Dallara, Jordan, Tyrrell e Sauber, acabando por ser o terceiro piloto a chegar aos 200 Grandes Prémios, depois de Ricciardo Patrese e Nelson Piquet. Mais calmo e mais sábio, competiu na categoria máxima do automobilismo até aos 35 anos, mas nunca venceu. Retirou-se no final de 1994, dedicou-se ao windsurf e morreu a 5 de outubro de 2014 em Roma, num acidente de moto. Saudações D’além Mar, Paulo Alexandre Teixeira
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