Há precisamente 30 anos, entre as quase duas dezenas de equipas que existiam no pelotão da Formula 1, muitos eram os "garagistas" que pretendiam um lugar ao sol na categoria máxima do automobilismo. A história que se segue trata de uma das mais promissoras, que tinha tudo para ser grande, mas por causa de pobres escolhas em termos de financiamento, acabou por ter vida curta, quase uma estrela cadente. A Onyx durou apenas dois anos, mas na sua curta existência, conseguiu um pódio e seis pontos, e construiu um bom chassis que, infelizmente, não teve sequência. E é sobre esse conjunto de pessoas, entre competentes e excêntricos, que durante pouco tempo se interagiam debaixo do mesmo teto, que falo, numa altura que se cumprem 30 anos sobre esta aventura. VETERANOS AO LEME, AVENTUREIRO FINANCEIRO A Onyx foi fundada em 1978 graças a dois britânicos, Mike Earle e Gred Field. Earle tinha sido mecânico de David Purley ao longo da década de 70, especialmente na aventura dele com a sua própria equipa, a LEC Refrigerators. A parceria tinha como intenção participar na Formula 2 com chassis próprios, mas não deu. Em 1981, tinham dois carros March com o veneuelano Johnny Cecotto e o italiano Riccardo Paletti. Com este último conseguiram dois pódios, e cedo apareceram ambições para correr na Formula 1 em 1983, com Paletti e o seu patrocinador, a Pioneer Itália - gerida pelo pai de Paletti. Contudo, este decidiu ir para a Formula 1 em 1982 e acabou por morrer na partida do GP do Canadá desse ano. A Onyx começou como uma equipe de Fórmula 2, mas desde o início, seus proprietários sonhavam com a Fórmula 1. No entanto, não ficou parado: Earle foi aborado por Emilio de Villota para lhe ajudar a gerir a sua entrada privada na Formula 1, que durou cinco Grandes Prémios, mas não se qualificou em nenhum deles. Assim sendo, em 1983, voltou à Formula 2, com Field a vender a sua parte para Jo Chamberlain. Nos anos seguintes, correm com chassis March quer na Formula 2, quer na sua sucessora, a Formula 3000. Ali, com pilotos como Emmanuele Pirro e Stefano Modena, venceram corridas e conseguiram lugares de honra, até que em 1987, Modena se torna campeão e vai para a Formula 1. Esperavam repetir o feito em 1988, com o alemão Wolker Weidler, mas foi uma enorme desilusão, ao ser apenas 15º na classificação geral. Quando da criação da F-3000, a Onyx também migrou para a então categoria de acesso à Fórmula 1 com bons resultados. Mas por esta altura, Earle e Chamberlain já tinham os olhos postos na Formula 1, com o seu próprio chassis e um bom motor Ford DFR, para fazerem boa figura. E bem precisavam: para 1989, estavam previstas 40 inscrições. Tantos carros forçaram a FISA fazer uma pré-qualificação com doze carros, meia grelha de partida. O chassis iria se chamar de ORE-1 e seria desenhado por Alan Jenkins, com um passado pela McLaren. A meio de 1988, novo investidor: Paul Shakespeare compra a maioria as ações da equipa, mantendo Earle e Chamberlain e trazendo Martin Dickson como "manager". Quanto a pilotos, cedo se decidiram pelo sueco Stefan Johansson, que vinha da Ligier, e pelo belga Bertrand Gachot, que tinha consigo cerca de 2,8 milhões de dólares. Contudo, enquanto encontrava dinheiro para a sua aventura na Formula 1, Gachot cruou-se com um compatriota seu: Jean-Pierre Van Rossem. Formado em Economia pela universidade de Ghent, Van Rossem tinha enriquecido no sistema financeiro através de um sistema que ele mesmo tinha inventado, e que batizou de "Moneytron", que essencialmente seria uma aplicação financeira através de um supercomputador, que multiplicava os seus investimentos. Van Rossem pegou no dinheiro de Gachot e multiplicou-o. Depois, ele disse sobre a Moneytron aos donos da Onyx e apresentou-os a Van Rossem, e pouco depois, ele levou o dinheiro que eles tinham para a sua firma, que também fez multiplicar. E pouco depois, as luzes da ribalta da Formula 1 encadeavam o belga, também conhecido pela sua excentricidade. E antes do final do ano, Van Rossem tinha comprado todas as ações da equipa, sendo o seu dono antes da temporada de 1989 começar. UM COMEÇO POUCO AUSPICIOSO O carro, pintado com um azul violeta, com pneus Goodyear e motores Ford DFR V8, foi apresentado numa gare do aeroporto de Heathrow, pois iria mais tarde para o Brasil e a primeira corrida do ano. Tudo foi montado com nítida pressa, e não tinha havido nem o "shakedown" antes de irem correr a Jacarépaguá, para a pré-qualificação. Contudo, este foi feito num kartódromo nos arredores do circuito, e na primeira vez que enfrentou o pelotão, foi um desastre, ficando no fundo da tabela de tempos. Após o primeiro embate com a realidade, começaram a fazer uma bateria de testes, para afinar o carro e estar em melhores condições, mas estes terminaram quando Johansson bateu forte em Imola, destruindo o chassis. A estreia da equipe na Fórmula 1 foi em 1989, num tempo de muitos carros inscritos, pré-classificação e gente ficava de fora. E pior aconteceu na pré-qualificação da prova italiana, quando uma falha nos travões destruiu novo chassis, fazendo que ambos não se qualificassem na segunda vez. A mesma coisa aconteceu no Mónaco, sem que nenhum dos carros se qualificasse, mas os carros já começavam a ser melhor em termos de performance. O que foi visto no México, quando Johansson foi quarto, superando... Gachot, e nas duas sessões de qualificação, conseguiu ser o 21º na grelha de partida. Era a primeira vez que um Onyx participava num Grande Prémio, para felicidade dos elementos da equipa. Contudo, Johansson não foi longe: uma transmissão quebrada na volta 16 fez terminar a sua participação. Mas o primeiro passo tinha sido dado, e os carros começavam a ser melhores. A mesma coisa aconteceu em Phoenix, palco do GP americano, onde o sueco foi o terceiro melhor, e na qualificação, posicionou-se na 19ª posição da grelha. Infelizmente, um problema na suspensão, na volta 50, terminou a sua corrida por ali. Por esta altura, a equipa tinha conseguido o regresso de Gred Field à equipa, para o lugar de diretor desportivo, e as coisas pareciam ir melhorando. No Canadá, Johansson passou de novo e conseguiu o 18º posto da grelha, antes de ser desclassificado por ter saído das boxes antes da partida. Quanto a Gachot, apesar de não conseguir passar, as suas performances aumentavam a olhos vistos. Era uma questão de tempo. DIAS DE SOL E NUVENS NO HORIZONTE Quatro de julho foi o dia do GP de França, no circuito de Paul Ricard. O pelotão tinha levado uma enorme mudança, com alguns despedimentos e entradas, mas para a Onyx, iria ficar na história da equipa por todas as boas razões. Os Onyx lideraram a pré-qualificação, com Gachot na frente de Johansson, e na qualificação, ambos a qualificaram-se com folga. O belga conseguiu superar o sueco, com um digno 11º posto, contra o 13º do seu companheiro de equipa. Ambos ficaram, por exemplo, na frente do Tyrrell de um estreante francês chamado Jean Alesi... No GP da França a Onyx conquistou seus primeiros pontos no mundial de Fórmula 1, mostrando ser uma equipe promissora. Na corrida, ambos sobreviveram à carambola provocada pelo March desgovernado de Maurício Gugelmin, e na segunda partida, ambos os pilotos andaram perto da zona de pontuação, até que Gachot se atrasou por causa de problemas numa bateria, acabando no 13º posto. Mas Johansson fez uma excelente corrida, terminando no quinto posto final, dando os primeiros dois pontos à equipa. Mas os bons resultados tinham nuvens no horizonte por parte de Van Rossem. O seu estilo extravagante - comprou um jato Gulfstream por vinte milhões de dólares, uma fortuna na altura - e as suas exigências para obter o motor Porsche V12, ameaçando abandonar a Formula 1 de imediato, caso não conseguisse o contrato, era algo do qual Field e Earle não andavam felizes. E para piorar as coisas, em Silverstone, Johansson não se qualificou e Gachot não teve uma grande corrida. Mas isso nem foi o pior: quando os Minardi de Pierluigi Martini e Luis-Perez Sala foram quinto e sexto, conseguindo três importantes pontos para a equipa de Faenza, a Onyx entendeu que o resto da temporada iria ser passada nos infernos de sexta de manhã para entrar na grelha de partida. Contudo, a tarefa estava relativamente facilitada, já que os Dallara e os Brabham foram substituídos pelos Rial e Larrousse, logo, tinham mais chances. Contudo, nessa fase, o melhor resultado foi o oitavo lugar de Gachot em Spa-Francochamps, numa altura em que Van Rossem começava a ver que o lado glamoroso da Formula 1 também tinha um outro lado, o das contas, e ele começava a ter alguma relutância em pagá-las. E em Spa, o seu lado auto-destrutivo e errático veio ao de cima, ao chamar a Ecclestone de "patrão da Máfia" e Balestre de "nazi". Se para um, entrava por um ouvido e saía pelo outro, para o francês, era um insulto bem profundo, por causa das alegações de que tinha pertencido às SS na sua juventude, algo que justificava afirmando ter sido um "resistente infiltrado"... de qualquer forma, o patrão da FISA encarregou-o de expulsar do "paddock". E houve mais, quando em Monza, Gachot se queixou da falta de treinos e de material para testes. O problema é que isso aconteceu numa conversa que fora captada por um jornalista, que publicou sem a devida autorização. Quando Van Rossem leu, ficou irado e despediu o seu compatriota na hora, sem a possibilidade de apelo. O problema é que isto aconteceu a poucos dias do GP de Portugal, no Estoril, e não havia muitas chances de arranjar um substituto. A salvação veio na forma do finlandês Jyrki Jarvi (J.J) Letho, piloto que tinha como manager Keke Rosberg. Sem tempo para se familiarizar com o carro, lá fez a pré-qualificação, o que não conseguiu. Mas Johansson passou sem dificuldade, o que era o primeiro passo para um fim de semana de sonho. No GP de Portugal, a Onyx mostrou novamente um bom desempenho e conquistou mais pontos no mundial de Fórmula 1. Na qualificação, o sueco foi 12º na grelha, e a equipa decidiu usar uma tática de levar o mesmo jogo de pneus para toda a prova, vendo que poderia ter melhores chances de obter um bom resultado. E assim foi: numa prova onde se viu Pierluigi Martini a liderar uma corrida pela Minardi, e Nigel Mansell atirou Ayrton Senna para a gravilha, no final da reta da meta, Gerhard Berger foi o vencedor e Johansson conseguiu o terceiro posto, a 55,3 segundos do vencedor. E foi mesmo à justa, porque logo após ter cortado a meta... ficou sem gasolina, tendo falhado a cerimónia do pódio. Mas apareceu pouco depois, para receber o troféu e o champanhe. Curiosamente, foram os últimos pontos na sua carreira, porque não conseguiu mais qualificar-se naquela temporada. Letho conseguiu entrar nos fins de semana de Jerez e Adelaide, e no final do ano, os seus pontos deram-lhe o décimo lugar nos Construtores, um resultado digno para a sua primeira temporada na Formula 1. Mas a partir daqui, os bons dias iriam se tornar cada vez mais raros, até ao seu fim. NOVOS PROPRIETÁRIOS Van Rossem continuava pouco cooperante e o seu comportamento mostrava-se errático. Por outro lado, a Moneytron mostrava-se aquilo que era na realidade: um "Ponzi Scheme" (ou um esquema piramidal) e o ano de 1990 mostrava os primeiros sinais de uma crise económica. Mike Earle e Jo Chamberlain decidiram abandonar a equipa, fartos de Van Rossem, enquanto Alan Jenkins decidiu ser o novo manager, no lugar de Greg Field. Para as suas primeiras corridas do ano Johansson e Letho mantiveram-se na equipa, mas a Moneytron tinha desaparecido, agora que se tinha revelado a sua verdadeira natureza. Embora oficialmente, a razão foi que ele não tinha conseguido o acordo com a Porsche (foi para a Arrows) ou ter motores Honda V10 cliente (para a Tyrrell)... Em 1990 as coisas foram ficando complicadas, com a elevação de custos e a falta de patrocinadores fortes para investir. Durante o fim de semana do GP brasileiro - não tinham passado nas duas primeiras corridas desse ano - a equipa foi à busca de novos proprietários e descobriram a solução na Suíça. Peter Montverdi, antigo piloto e construtor de carroçarias, acompanhado por Karl Foitek, pai de Gregor Foitek e Brune Frei, compraram a equipa, com Montverdi a ficar com metade da equipa, com os outros dois com 25 por cento cada um. Johansson foi despedido (e processou a equipa, quase os impedindo de participar no GP do Mónaco), e o lugar caiu nas mãos de Foitek, que tinha começado o ano na Brabham. O ORE-1 iria ser o chassis até que o ORE-2 estivesse pronto, algures no meio da temporada. Contudo, ambos participaram no GP monegasco, e Foitek quase levou o carro para a zona dos pontos, onde estava a cinco voltas do fim. Contudo, o Larrousse de Eric Bernard estava a assediá-lo e conseguiu passá-lo (mais... foi uma colisão) ficando Foitek em sétimo e fora dos pontos, a melhor posição da equipa até ali. Entretanto, sabia-se dos planos de Monteverdi. Ele queria mover a equipa da Grã-Bretanha para a sua Suíça natal, e queria também que trabalhassem na sua sede/museu, à vista dos visitantes! De uma certa maneira, em termos parciais, abriu caminho a aquilo que a Sauber acabou por fazer poucos anos depois, mas não na parte museulógica... Fosse com chuva ou com sol, as dificuldades aumentavam prova após prova. Faltavam inclusive peças sobressalentes. Mas independentemente dos planos para o futuro, o resultado na pista era o que interessa, e não era bom. Mesmo com a transferência para a Suíça a ficar completa a meio do ano, não havia evolução no chassis, e o desenvolvimento do ORE-2 estava atrasado. E o melhor exemplo disso tinha sido a não-qualificação de ambos os pilotos no fim de semana de França e Grã-Bretanha. O TRISTE FINAL DA HISTÓRIA Para piorar as coisas, surgiram rumores de que os carros estavam a ser mal mantidos. Certas peças eram reparadas, quando o ideal era serem substituídas, sendo o melhor exemplo um problema de dirigibilidade que tinha J.J. Letho, do qual se descobriu depois que tinha sido uma má instalação da coluna de direção. Depois do GP da Alemanha, onde os carros entraram na grelha, as não-qualificações repetiram-se na Hungria, e aí, as coisas precipitaram-se. Quando se soube que a coleção de carros da Monteverdi estava a ser canibalizada para os carros de Formula 1, Karl Foitek fartou-se e retirou o seu financiamento (e o seu filho), afirmando que os carros tinham virado "armadilhas mortais". E antes do GP da Bélgica, a Onyx fechou as portas para sempre, com 17 corridas disputadas em 26 fins de semana, um pódio e seis pontos no total, todos conquistados por Johansson. No final da história, Earle continuou no automobilismo, especialmente na Arena Motorsport, no BTCC britânico. Alan Jenkins, o projetista do ORE-1, desenhou depois carros para a Arrows, Prost e Stewart, especialmente os dois primeiros chassis da marca, saindo no final de 1998 para desenhar os carros da Prost nas duas temporadas seguintes. Quanto aos pilotos, Johansson não teve muito mais história na Formula 1, com o Footwork-Porsche, antes de se aventurar na CART e na Endurance, vencendo as 24 horas de Le Mans em 1997. Já Bertrand Gachot andou pela Rial, Coloni, Jordan, Larrousse e Pacific, antes de pendurar o capacete em 1995 e ser um empresário bem sucedido na área das bebidas energéticas - é o dono da Hype. Gregor Foitek pendurou o capacete em 1992 e hoje em dia ajuda a gerir a Foitek Automotive, que vende carros de estrada da Ferrari e da Maserati. E J.J. Letho, teve uma carreira que durou até 1995, pela Dallara, Sauber e Benetton. Foram apenas dois anos de atividade, uma passagem rápida, mas que deixou boas lembranças para os fãs da velocidade. Quanto aos dirigentes e financiadores, o destino foi algo mais... colorido. Peter Montverdi manteve a sua pegada no automobilismo até à sua morte, em 1998, enquanto Jean-Pierre Van Rossem foi mais colorido. O seu esquema da Moneytron foi abaixo e a justiça belga acusou-o de frande fiscal, condenando-o a cinco anos de prisão. Para evitar a prisão, fundou um partido o ROSSEM, de cariz populista e libertário, e conseguiu cinco deputados, lá ficando durante cinco anos. Mas isso não o evitou o cárcere, que acabou por cumprir a partir de 2001. Quanto à sua fortuna, os seus jatos e carros, acabou por desaparecer toda, para pagar as suas dívidas. Mas isso não o impediu de ser uma celebridade local, aparecendo frequentemente em programas de televisão belgas de holandesas, nunca perdendo a oportunidade de mandar "soundbytes" para, segundo ele, "lixar o sistema". Acabou por morrer a 14 de dezembro de 2018, em Bruxelas, aos 73 anos de idade. Saudações D’além Mar, Paulo Alexandre Teixeira |