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Written by Administrator   
Tuesday, 24 September 2019 23:08

O mês que passou não foi simples para o automobilismo. O acidente mortal de Anthoine Hubert, durante a primeira corrida da jornada dupla de Formula 2, em Spa-Francochamps, mostrou que o automobilismo, há um jogo de gato e rato com a morte, onde à medida que se adota um procedimento de segurança, um acidente e os seus acasos fazem com que tudo seja repensado de novo. Por causa disso, Hubert, de 22 anos, pagou o preço mais alto quando queria alcançar o sonho da Formula 1. E ainda por cima, nas vésperas do aniversário da morte de outro piloto mítico, Stefan Bellof, cujo acidente mortal aconteceu 150 metros mais abaixo do local deste, na veloz Eau Rouge.

 

Contudo, no acidente, outro piloto ficou gravemente ferido, o equatoriano Juan Manuel Correa, que corre com licença americana. Aos 20 anos, também tinha o sonho da Formula 1, mas o seu acidente poderá ter colocado isso em suspenso. Ferido em ambas as pernas, sofreu também um traumatismo toráxico, que o colocou em coma artificial por alguns dias, para retirar os líquidos acumulados devido ao trauma.

 

Sobre Hubert e Correa, lembrei-me de Ernst Hemingway, que escreveu a seguinte frase: "Tourada, automobilismo e montanhismo são verdadeiros desportos. Tudo o resto são jogos".

 

Gosto de Hemingway. Li muitos dos seus livros. Tem um estilo de escrita curto e direto, do qual me identifico, mesmo na maneira como escrevo, e entendo o que quer dizer: qualquer erro é fatal. Mas era assim há quase um século. As coisas mudaram muito desde então. Especialmente no automobilismo, onde graças à tecnologia, os carros e os circuitos são definitivamente mais seguros. 

 

    Há tempos que não se via um acidente com a gravidade do ocorrido na F2 em Spa. Estariam os pilotos "arriscando demais"?

 

Mas paradoxalmente, a maior segurança dos carros fez com que os pilotos ousem cada vez mais. Ao remover da cabeça o risco de morte, eles decidiram seguir a citação de um piloto: "se vês uma abertura e não aproveitas, então não és piloto". Todos os que ousam gostam de citar o que Ayrton Senna disse a Jackie Stewart em novembro de 1990 numa entrevista ao Channel Nine australiano quando justificava a razão pelo qual se atirou à traseira de Alain Prost, no inicio do GP do Japão. E logo Stewart, o escocês tricampeão do mundo que sempre lutou pelo aumento de segurança nas pistas e nos carros e que viu muitos dos seus amigos morrer: Jim Clark, Jochen Rindt, Bruce McLaren, Francois Cevért. 

 

Os eventos do passado dia 31 de agosto, em Spa-Francochamps, fez-me lembrar essas duas coisas: a segurança dos carros e a ousadia dos pilotos, o “pé em baixo” a todo o custo. No meio da confusão, como é sabido, o carro do americano Juan Manuel Correa não conseguiu evitar o bólido de Hubert e desfê-lo, destruindo a sua célula de sobrevivência. A Formula 1 é uma tribo estranha. Olham-se uns para os outros como rivais, as equipas lutam umas contra as outras como se fossem uma piscina cheia de piranhas, e a diferença entre a vitória e a derrota conta-se por centésimos ou milésimos de segundo. Um segundo mais lento é uma eternidade. Um minuto já é um calendário. Mas quando as coisas más acontecem, sofrem como os outros, e lembram-se que estão ali porque cumpriram um sonho, são uma elite, adorados, idolatrados e desejados por milhares. Mas também são humanos e a vida... é um sopro. O que nos recorda disto: toda esta tecnologia e todas as seguranças não passam de um jogo de gato e rato contra a Morte. Por muito seguros os carros e os circuitos sejam, a morte tem sempre uma maneira de nos driblar. Daí dizermos sempre que "mortorsport is dangerous", o automobilismo sempre será perigoso. E um dia, sem avisar - pois é ela que dita as regras - virá para colocar o contador a zero. Como estamos agora, desde aquele dia 31 à tarde, em Spa.

 

 

KUBICA, O PILOTO QUE NÃO TEM DE PROVAR NADA A NINGUÉM

 

Quando soube no passado dia 19 que Robert Kubica iria abandonar a Williams, provavelmente para não mais voltar a correr num Formula 1, tirei o meu chapéu – virtualmente, claro – à sua perseverança, à sua luta para voltar a um carro de Formula 1, oito anos depois de um acidente onde ficou com a sua mão direita muito maltratada, e que andou meses - senão anos - a fazer fisioterapia para recuperar o máximo de movimentos possível. Para mim, este seu regresso é um feito tão grande quanto a do Alex Zanardi teve para voltar a correr num carro de corridas depois do seu acidente em Lausitzring, em 2001 onde, como sabem, perdeu ambas as pernas.

 

E tiro o chapéu porque, normalmente, este tipo de acidente seria uma sentença de morte. E foi isso que muitos deram na altura. Lembro-me daquilo que diziam quando ele voltou aos automóveis e andou nos ralis por algum tempo, chegando até a correr no WRC. 95 por cento das pessoas diziam nas redes sociais frases como "pobre coitado, acabou a sua carreira na Formula 1", "se não fosse o acidente, seria grande", etc, etc. Essa gente dizia - jurava, até - que não o veriam mais a guiar um Formula 1. Quanto muito, só o faria de um modo simbólico.

 

    Nas férias intertemporada, Robert Kubica sofreu um gravíssimo acidente em uma competição de Rally que mudou sua vida.

 

Pois bem, voltou a um Formula 1. Não uma, nem duas, nem três, mas as vezes suficientes para mostrar que ainda era alguém válido, onde volta após volta, fosse no simulador, ou fosse num carro real, as suas impressões eram suficientemente válidas para os engenheiros, para uma equipa. E foi por isso que a Williams o contratou para a temporada de 2019, quando em 2018 preferiu dar uma chance a Serguei Sirotkin, do qual acharam que não rendeu aquilo que esperavam.

 

Muitos aproveitaram o facto do FW42 ser um dos piores chassis da Williams desde 1977 para dizer que o regresso de Kubica foi um erro, um desperdício, que deveria ter sido despedido logo de imediato. Foi isso que ouvi dos “entendidos”. Paradoxalmente, foi Kubica que deu à Williams o seu único ponto do ano, na Alemanha. As críticas até poderiam ser válidas se o chassis fosse um Mercedes e ele fosse último, mas nunca pensam na ideia de colocar Lewis Hamilton naquele FW42 e pedir a ele que vença a concorrência com meio minuto de avanço, pois não?

 

 

Eu vi o volante dele este ano. Controlar todas as funções de um lado sem se despistar é um feito sobre-humano. Falamos de uma máquina com potência superior a 900 cavalos, do qual não é fácil de controlar. E mesmo assim, só perdia cerca de um a dois segundos para pilotos que tinham o uso das duas mãos, é algo do qual deveria ser elogiado, não vilipendiado. E ele sabia disto tudo e se sujeitou a uma temporada ao volante, perante outros dezanove pilotos. Mas para os nossos “pilotos de bancada”, era apenas um aleijado que não deveria estar ali.

 

Quando soube do anuncio do abandono do piloto polaco no final da temporada, fiquei com a sensação de que cumpriu a sua missão. Provou a todos que era tão capaz de andar num Formula 1, mesmo com as limitações que têm. E isso poucos repararam, porque ou não vêm, ou não lhes interessa. Como já disse, acham que a Formula 1 é para super-homens, de preferência brancos, excepto Lewis Hamilton.

 

    Robert Kubica, foto na Williams em 2019 com uma visão clara de sua mão e braço direito. Ainda assim, cobiçado.

 

O mais interessante foi saber que, depois de ele ter anunciado que não iria mais correr na Formula 1, Haas e Racing Point abordaram-no para saber se ele não queria ser o piloto de testes deles, porque consideram as suas informações muito valiosas. É para verem que, mesmo com uma mão mutilada, é altamente respeitado no mundo elitista da Formula 1.

 

Da minha parte, agradeço pelos seus serviços. Já não tem mais nada a provar. Pode seguir a sua vida, noutras categorias, se quiser. Mesmo com as limitações, continua a ser um excelente piloto.

 

Saudações D’além Mar,

 

Paulo Alexandre Teixeira 

 

 

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Last Updated ( Tuesday, 24 September 2019 23:33 )