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A obsessão da Fórmula 1 pela América PDF Print E-mail
Written by Administrator   
Wednesday, 23 October 2019 12:30

No passado dia 15 de outubro, a Formula One Management, através da Liberty Media, e os donos do clube de futebol (americano) Miami Dolphins anunciaram um acordo para receber nos seus terrenos uma corrida na cidade, que fará parte do calendário da Formula 1 a partir de 2021. Caso as autoridades da cidade aprovarem o traçado, que será desenhado nos terrenos do Hard Rock Stadium, o estádio de futebol (americano), será a primeira vez desde 1984 que a Formula 1 terá duas corridas nos Estados Unidos.

 

Contudo, isto não é a primeira vez que isto acontece. Aliás, houve uma altura na história, entre 1976 e 1984, que a Formula 1 queria correr nos Estados Unidos quantas vezes que fossem possíveis. E em 1981, quando esteve prestes a dividir-se em dois, o calendário "rebelde" tinha a esmagadora maioria das suas provas em território americano. E essa era a obsessão de uma pessoa: Bernie Ecclestone.

 

Durante muito tempo, os Estados Unidos foram um "eldorado" para todos os promotores desportivos. A maneira como eles conseguem mostrar um espectáculo é admirado, copiado e perseguido pelo resto do mundo, especialmente na parte da gestão desportiva. A NBA, o campeonato americano de basketball, a MLB, a liga americana de baseball, o NFL, a liga americana de futebol (americano), ente outros, são ligas bilionárias, graças aos milhões de adeptos que têm, que proporcionam espectáculos dentro de outros espectáculos, que são os próprios jogos. Mas isso tudo tem um problema: raramente são as modalidades vindos de fora que triunfam. A única grande excepão é a MLS, a liga americana de futebol (europeu), que triunfa porque os americanos são a maior potência... no futebol feminino. Aliás, o nosso futebol na América chama-se "soccer", e a popularidade deste desporto entre as mulheres deu origem à expressão "soccer mom", mães de familia que vão buscar os seus garotos aos jogos de futebol escolares nas suas carrinhas de sete lugares.

 

 

 

Quando falo das excepções sobre as modalidades vindas de fora, digo com alguma autoridade porque, historicamente, a Formula 1 queria marcar a sua presença na paisagem americana. E fez de tudo para conseguir, sem sucesso. Projetos abortados, corridas em parques de estacionamento de casinos, asfaltos que derreteram, e o legado foi pouco mais do que zero. Excepto Long Beach.

 

 

   A F1 em Long Beach era uma festa na California, mas os custos crescentes espantaram a corrida de lá. 

 

Voltando atrás. Em 1975, Chris Pook cria uma prova nas ruas do porto de Long Beach, e torna-se um sucesso. Ambicioso, vai à buscar do melhor, e esse melhor era a Formula 1. Ecclestone aprova a ideia e de 1976 até 1983, entre os fins de março e meados de abril, eles correm nessas paragens, normalmente depois das rondas sul-americanas e a paragem em Kyalami, na África do Sul. A corrida é um sucesso, mas no final de 1983, Pook, assustado com a crescente exigência de dinheiro por parte de Ecclestone, muda-se para a CART, onde se mantêm até hoje, como um dos clássicos americanos de circuitos citadinos.

 

Entretanto, o promotor britânico e então dono da Brabham, ficou com o gosto da América na sua boca e tentou mais. O segundo grande negócio americano foi Detroit, a capital americana do automóvel, sede da "Big Three" (Ford, General Motors e Chrysler), onde entre 1982 e 1988, acolheu o GP dos Estados Unidos, em substituição de Watkins Glen, que tinha saído do calendário em 1980.

 

 

  Detroit também recebeu a F1. Capital da indústria automobilística dos EUA, não conseguiu ir muito longe. 

 

A corrida acontecia em meados de junho, normalmente uma semana antes - ou depois - do GP do Canadá. Era uma corrida citadina, num circuito que, não tendo deixado muitas saudades, proporcionou algumas provas de atrito aos espectadores. Aliás, foi em Detroit que Ayrton Senna deu à Lotus a sua última vitoria na Formula 1, em 1987.

 

TRASEIRAS DE CASINO, ASFALTO A DERRETER

 

Com duas corridas, Ecclestone quis ainda mais. Não ficaria admirado se quisesse metade do calendário em terras americanas, mas em 1982, havia três provas americanas no calendário: Long Beach, Detroit e Las Vegas. Esta última entra na história da Formula 1 mais na infâmia, apesar de ter sido palco de duas decisões de título, em 1981 e 82.

 

 

   Las Vegas foi palco de duas decisões de campeonato, mas o público preferia jogar nos casinos a suar no estacionamento.

 

Desenhado no parque de estacionamento do casino Ceasar's Palace, o seu desenho era tão pouco emocionante que é frequentemente votado como "o pior circuito da história" pelos fãs, mesmo sabendo da existência dos "tilkodromos". Com meros 3650 metros, e corrido contra os ponteiros do relógio, era pouco popular entre os pilotos e os fãs, apesar de ser a última corrida da temporada. E para piorar as coisas, apesar de ser corrido no inicio de outubro, em ambos os anos, as provas foram afetadas por muito calor naquela parte do estado do Nevada.

 

Resultado: no final de 1982, a administração do Ceasar's Palace descobriu que ter a Formula 1 por ali era demasiado caro e voltou-se para a CART, que foi lá correr nos dois anos seguintes. Mas o mal estava feito, e em 1985, deixou-se de correr naquelas bandas, com o terreno a virar outros casinos, como o The Forum e o The Mirage. E agora há um complexo de circuitos - que inclui uma oval, famosa pela infame corrida da IndyCar em 2011 - e de vez em quando, há rumores de um possivel regresso da Formula 1 a aquelas paragens.

 

 

   Calor mesmo a F1 encarou em Dallas, com uma corrida no meio do ano e em pleno verão. O asfalto derreteu...

 

Outro lugar onde a Formula 1 correu, em 1984, ficou na história também pelas piores razões: Dallas. Nesse ano, devido à popularidade da série com o mesmo nome, apostou-se num circuito desenhado à volta de Fair Park, realizou-se a 8 de julho daquele ano. O circuito até parecia ser bom - 3901 metros - mas em julho, no Texas, o calor era forte. Tão forte que o asfalto derreteu.

 

E foi um pesadelo ao longo desse final de semana, com extremos de 66 graus no asfalto, com 38 graus de temperatura no ar. Os pilotos queixaram-se fortemente das condições, os rumores de cancelamento correram fortes, e a corrida aconteceu três horas antes do anunciado, às onze da manhã, para evitar a sua maior incidência. O "warm up" aconteceu logo de manhãzinha, pelas 7:45, que motivou um protesto de Jacques Laffite, que apareceu no circuito... de pijama.

 

 

   E quem "derreteu" também foi Nigel Mansell, que depois de ficar sem combustível e sair para empurrar o carro, desmaiou. 

 

No final, Nigel Mansell desmaiou no incrível sol texano, depois de empurrar o seu carro que tinha parado na última volta, a poucos metros da meta, numa imagem que deu a volta ao mundo. Escusado será dizer que eles não voltaram mais a aquele local... mas não ao Texas, pois não muito distante dali, nos arredores de Austin, fica situado o Circuito das Américas.

 

Cinco anos depois, a Formula 1 ia para outro lugar semelhante: Phoenix, a capital do Arizona. Desenhado nas ruas da cidade, foi marcado no calendário para o dia 4 de junho, no circuito de 3800 metros à volta do centro da cidade. Mas como em Dallas, no Texas, Phoenix, no Arizona, em junho, é um forno. E numa corrida de suporte, logo na quinta-feira, o asfalto começou a derreter, porque por esses dias a temperatura andava à volta dos 40ºC. A organização colocou cimento nas áreas afetadas, e conseguiu aguentar durante todo o fim de semana. 

 

 

   Phoenix foi mais uma tentativa de estabelecer a F1 nos EUA. As avenidas largas em pleno verão eram uma sauna.

 

Mas a corrida tornou-se numa batalha para ver quem resistia mais e de 26 carros alinhados, apenas nove cruzaram a meta, sete dos quais classificados. Assim sendo, a corrida foi transferida para março, a prova de abertura da Formula 1, mas depois de 1991, foi-se embora de vez. E durante oito anos, de 1992 ao ano 2000, não houve GP dos Estados Unidos no calendário. Até correr no "Brickyard". Mas sobre isso falo mais tarde.

 

NOVA IORQUE: UM SONHO QUE NUNCA EXISTIU

 

Antes, referir sobre as tentativas de correr em Nova Iorque. Hoje em dia, em Queens, em julho, a Formula E corre com a paisagem dos arranha-ceus de Manhattan como cenário, e é um sucesso. Contudo, desde o inicio da década de 80 do século passado, Bernie Ecclestone queria correr a Formula 1 nesse cenário, mas nunca conseguiu. Chegou a haver uma prova no calendário de 1983, o de uma prova nas ruas de Manhattan, com os carros a passar por Times Square, mas isso nunca aconteceu. Tanto que os GP's da Europa, cuja primeira edição aconteceu em 1983 no circuito de Brands Hatch, surgiram por causa do cancelamento do GP de Nova Iorque.

 

 

  Um sonho que a F1 não conseguiu concretizar foi dazer uma corrida em Nova York. Nem mesmo do outro lado do rio. 

 

Anos depois, Ecclestone voltou à carga. No inicio desta década, em 2011, foi apresnetado um "GP da América" que iria acontecer em Port Imperial, uma pista de 5200 metros, no estado de New Jersey, em 2013. Ele chegou a estar no calendário, previsto para o fim de semana de 16 de junho. Contudo, chegou o dia, passou, e corrida... nada. Acabou por ser adiado para 2014, colocado no calendário provisório, mas sem subsídios estatais, e problemas de financiamento por parte dos organizadores, não aconteceu. Mas mesmo assim, esteve no calendário provisório de 2015, mas como sabemos, não aconteceu. Eccelestone disse que a organização não cumpriu com os termos do contrato, mas o mais provável é que não havia dinheiro para organizar este Grande Prémio.

 

No final, acabou por ser a categoria elétrica a cumprir o sonho de Ecclestone. Já foi uma prova dupla, de encerramento do campeonato, e popular entre todos.

 

CORRER NO CORAÇÃO DO AUTOMOBILISMO

 

Durante toda a década de 90 do século passado, e especialmente a partir de 1993, o Canadá foi o único local onde recebeu a Formula 1. Com a reputação americana nas ruas da amargura e a CART no seu auge, em 1996, houve uma cisão entre a competição e os proprietários do circuito de Indianápolis, a familia Hulman, especialmente Tony George, neto de Anthony Hulman, o empresário local que em 1945, comprou o circuito.

 

Quando Tony George formou a Indy Racing League, queria fazer uma competição onde tivesse mais pilotos e tecnologia americana, e sabia que só o peso de Indianápolis seria o suficiente para que a CART voltasse para ele. Mas até lá, precisava de algo para continuar a prestigiar o local. E foi aí que surgiu Bernie Ecclestone. Ambos negociaram um acordo para a chegada da Formula 1 ao "Brickyard", que aconteceu no ano 2000, numa pista construída dentro das instalações do complexo desportivo.

 

 

As corridas acabaram por ser em setembro, no final da ronda europeia, perante o sucesso dos fãs. Tudo correu bem, mesmo depois de 2004, quando passou para junho, após a ronda canadiana, e menos de um mês depois das 500 Milhas de Indianápolis. Contudo, em 2005, houve polémica.

 

A 17 de junho desse ano, Ralf Schumacher sofreu um acidente no muro de proteção da pista, onde é normalmente a Curva 1. O piloto da Toyota tinha calçado pneus da Michelin, e a marca francesa pediu que a corrida fosse adiada para resolver os problemas que tinham detectado. A FIA e os organizadores disseram que a prova iria adiante, e a marca francesa de pneus resolveu retirar-se da corrida, arrastando consigo as equipas, alegando não garantir a sua segurança.

 

 

   Depois de algumas edições e uma "chegada arranjada" da Ferrari, um problema com pneus e um grid com 6 carros.

 

No final, seis carros alinharam na partida: os da Ferrari, os da Jordan e da Minardi, os únicos com pneus Bridgestone. A corrida aconteceu sem incidentes, mas os fãs detestaram o desfecho, sentindo que tinham sido defraudados, e exigindo o seu dinheiro de volta. A formula 1 continuou a correr por mais dois anos, até 2007, mas depois, o contrato não foi renovado e a competição ficou de fora dos Estados Unidos até à inauguração do Circuito das Américas, em Austin.

 

Em suma, a relação da América com a Formula 1, cujo começo faz agora sessenta anos, em Sebring, não é um caso de amor. Foi mais uma relutância entre organizadores e a pessoa que manda na Formula 1, que queria a adesão do país à competição. Mas a história mostra que raramente a América gosta de coisas vindas de fora, sem que possa mexer nas suas regras. Em suma, os americanos viveram num mundo à parte. 

 

Saudações D’além Mar,

 

Paulo Alexandre Teixeira 

 

 

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Last Updated ( Wednesday, 23 October 2019 21:23 )