Olá Leitores dos Nobres do Grid, Após 35 anos desde que deixou o calendário, em 1985, o GP da Holanda de F1 retornará ao calendário, fortemente conectado ao sucesso do piloto local, Max Verstappen, que apesar de ter nascido na vizinha Bélgica, tem nacionalidade holandesa. Eventualmente assisto as corridas de algumas categorias na Europa como o DTM, WTCR entre outras e ao ver o projeto das obras para adaptar o circuito de Zandvoort para receber a categoria, observei que teremos alguns desafios interessantes pela frente, tanto para os administradores do circuito, para as equipes envolvidas no campeonato e também para a fabricante de pneus. Quando o CEO do circuito, Robert van Overdijk, informou que a curva de entrada da reta do repaginado circuito teria 18 graus de inclinação, fiquei preocupado. Esta é uma inclinação próxima a que exista no Texas Motor Speedway e a Fórmula 1 não corre nesse traçado. Como termo de comparação, as curvas do Indianápolis Motor speedway tem 9 graus de inclinação e aos que tem uma memória mais aguçada, convido-os a recordar o que aconteceu em 2005. A nova curva de entrada na reta dos boxes vai ter uma inclinação de 18°, um desafio para pilotos e engenheiros. Além da curva final do traçado, a curva três do circuito, que passa perto da reta final, também terá uma inclinação como de uma curva parabólica (seria Monza uma referência?), que, segundo Overdijk, permitirá que dois carros passem lado a lado. Este será um desafio interessante de se ver, Atualmente a parte externa da curva é um muro de concreto, sem área de escape, mas o site do circuito apresenta um desenho com o ‘banking’, com uma área de escape interna e outra externa. A curva não é uma curva de alta velocidade, mas a inclinação – ao menos na teoria – pode criar um ponto de embate entre os carros diferente do que se costuma ver na categoria. Outra informação relevante que está sendo feita é o avanço da linha de largada, para que a distância até a primeira curva – a famosa Tarzan – fique menor e que seja possível ter todo o grid de partida na reta, que tem menos de 700 metros. Contudo, não vi obras para o alargamento da mesma, o traçado tem apenas 12 metros de largura em quase toda sua extensão e com uma reta bastante estreita (15 metros) se comparada com a de outros circuitos, contudo, a maior parte da pista permanecerá em seu formato histórico, apertado e com caixas de brita nas áreas de escape ao invés de áreas de asfalto ou mesmo mistas como vemos recentemente. A curva 3 também vai sofrer uma grande mudança e os diretores do autódromo querem ver carros fazendo a curva lado a lado. A minha abordagem neste artigo será praticamente dividida em três pontos: o primeiro diz respeito a capacidade dos carros atuais (e os próximos, com a mudança de regulamento para 2021, artigo que ainda trarei a bom tempo), a capacidade dos pneus suportarem o contorno da última curva – esta que será feita em maior velocidade – e de forma menos intensa, mas igualmente preocupante no caso da curva 3 e por fim, os aspectos de avaliação da FIA para homologar o circuito como FIA1. A perda aerodinâmica dos carros atuais, provocada pelo “ar sujo” do carro que segue à frente é um problema crítico, que impede que dois carros de F1 consigam contornar curvas – especialmente as rápidas – próximos uns dos outros. Em circuitos de alta velocidade, o efeito dessa perda aerodinâmica chega a mais de 150 metros, como é o caso de Monza ou da reta de Baku, no Azerbaijão. A famosa curva "Tarzan", logo depois da largada também está sendo alterada e a área de escape ampliada. Para os carros de 2020 conseguirem contornar a curva com 18 graus de inclinação para entrar na pequena reta de Zandvoort será preciso contar com um outro princípio da física para impedir que aquele que tiver menos pressão aerodinâmica consiga contornar a curva com uma boa velocidade e em segurança: a força centrífuga, que será gerada pela inclinação, aliada ao coeficiente de atrito gerado pelo contato dos pneus com o asfalto, que fará a força centrípeta. Uma equipe da FIA, chefiada pelo engenheiro Pat Symonds e que conta com pessoal altamente qualificado, como Nikolas Tombazis, que trabalhou muito anos na Ferrari, vem trabalhando em como eliminar o efeito do “ar sujo” e da turbulência provocada por elementos aerodinâmicos dos carros atuais, como difusores, extratores, apêndices... O efeito solo: a aerodinâmica sobre e sob o carro. No tunel de vento, o carro com as modificações previstas para o regulamento de 2021 vem sendo testado. Pat Symonds tem mais de 30 anos de F1 e ele chegou na categoria no auge dos chamados “carros asa” e do “efeito solo”, que fazia os carros ter uma aderência ao solo que minimizava e até fazia com que os carros não tivessem os aerofólios, as asas, que começaram a aparecer no final dos anos 60. O problema desses carros er que, ao perder o “efeito solo”, os carros ficavam ingovernáveis. Na época, o ganho de velocidade em curva foi assombroso. O Lotus 78 foi o primeiro projeto competitivo da Fórmula 1 de 'efeito de solo'. Mario Andretti conquistou a primeira vitória do Lotus 78 no GP dos EUA Oeste (na época aconteciam duas corridas nos Estados Unidos), realizada em 1978 em Long Beach. Além dessa, foram outras três vitórias (Espanha, França e Itália), levando o norte americano ao 3° lugar no campeonato. A revolução aerodinâmica provocada por Colin Chapman com o Lotus 78 e depois o Lotus 79 passou a usar o ar embaixo do carro. Mas foi com o modelo 79, que estreou no GP da Bélgica, em Zolder, que a relação de efeito solo com a F1 atingiu um grau de eficiência que consolidada a mudança na categoria. O Lotus 79 venceu 6 de 8 corridas em sequência entre a Bélgica e a Holanda e o modelo 78 venceu outras três provas naquele ano, antes do início da temporada europeia, algo que era comum nos anos 70/80. Colin Chapman verificou que uma acentuada força descendente poderia ser gerada a partir do fluxo de ar entre a parte inferior do carro e a pista. Em particular, poderia ser criada baixa pressão embaixo do carro, usando o próprio solo quase como o piso de um duto de venturi. O teto desses dutos de venturi tomava a forma de perfis de asa invertidos montados em hastes laterais entre as rodas do carro. Esse era o “efeito solo”. Nos carros dos anos 80, o fluxo de ar que saia pela parte traseira do carro era em sua maioria jogado para cima, criando vácuo. A área de seção transversal decrescente na garganta desses dutos e o perfil de asa invertida aceleravam o fluxo de ar e criavam baixa pressão de acordo com a diferença entre o fundo dos sidepods e o solo foi selada pelas chamadas 'saias'. Quando as regras o permitiam, as saias eram suspensas dos sidepods com um grau vertical de liberdade para manter uma vedação constante. A maneira de conseguir isso é utilizando o Efeito Bernoulli (se um fluido ou gás em movimento é acelerado, sua pressão cai. Lado inferior é mais longo que o lado superior e o ar tende a acelerar na parte inferior). A questão, contudo, mostra-se mais complexa graças ao efeito da turbulência por “ar sujo” que veio sendo crescente até 2019, com os carros tendo cada vez mais elementos aerodinâmicos que, com ar limpo, aumenta a eficiência aerodinâmica, mas gera um “ar sujo”, algo que não existia na F1 até meados da década de 90 e acentuou-se a partir da década seguinte. Nos carros das últimas décadas o carro trabalha o ar de todas as formas e lança para tráz um ar turbilhonado. Com pouco vácuo. O trabalho desenvolvido pela equipe de engenheiros da F1 para o regulamento a ser adotado a partir de 2021 vai diminuir a dependência do ar proveniente do carro que segue à frente, com uma aderência mecânica maior e uma redução do efeito na parte aerodinâmica, com asas dianteira e traseira mais simples e com um trabalho para que esta última projete o ar que sai do veículo para cima, reduzindo o efeito de turbulência por “ar sujo” e voltando a criar o “vácuo”, que era o termo usado nos anos 70/80 pelas equipes e até pelos narradores das corridas. Pneus aderência e deflexão. Entretanto, para 2020 haverá um desafio extra para as equipes enfrentarem a curva que será a última do circuito, que com 18 graus de inclinação e 14 metros de largura terá mais de 4 metros de diferença de altura entre o raio inferior e o raio superior. Isso, somado a perda de eficiência aerodinâmica, causará uma sobrecarga incontestável sobre os pneus. A força gerada entre o pneu e a pista não é atrito em seu sentido estrito. A teoria tradicional de atrito de Coulomb diz que o atrito é proporcional à carga vertical em um corpo, independentemente da área de contato. Este modelo é bom para uma grande variedade de física e aplicações de engenharia, mas esse não é o caso dos pneus. Quando contorna uma curva os pneus, a parte do carro em contato com o solo, sofrem com as forças laterais. A geração de força lateral (que só existe por causa do “atrito” entre o pneu e a estrada) dos pneus depende fortemente da carga vertical, mas também da largura, tamanho e pressão do pneu, que estão claramente relacionados à área de contato entre o piso do pneu Com isso dito, usarei os termos “fricção” ou “aderência” referentes à força que surge na interface do pneu com a pista, já que esse é o termo usado na maior parte da literatura sobre o assunto. As forças geradas na interface pneu-pista surgem principalmente devido a dois mecanismos: adesão e histerese. A adesão aumenta da ligação intermolecular entre a borracha do pneu e o agregado na superfície da pista. Histerese é a propriedade de um material ou sistema físico de manter suas propriedades mesmo sem haver continuidade dos estímulos que as provocaram. Em 2005, no oval de Indianapolis, fazendo a curva no sentido oposto, o pneu da Toyota de Ralf Schumacher "quebrou" por esforço. Esse nome estranho – histerese – pode ser explicado de uma forma bem simples. Se você pressionar a unha contra a banda de rodagem de um pneu com baixa histerese, a borracha retornará rapidamente ao seu estado natural. Faça o mesmo com o pneu com alta histerese e a marca permanecerá por alguns segundos, retornando muito mais devagar. A adesão é o maior dos componentes em uma superfície de pista seca, mas é significativamente reduzido em condições de pista molhada, daí a redução de aderência em condições de chuva. Quando o pneu se deforma, ele armazena energia potencial elástica, que é liberada ao retornar ao estado neutro. Com a histerese, a energia é perdida (convertida em calor) quando a borracha está na fase de relaxamento, e Portanto, uma força resistiva surge entre o piso e a estrada. O mecanismo exato de como essa força surge não é totalmente compreendido. Quando o piloto vira o volante e o carro inicia a trajetória em uma curva, a inércia do carro gera uma força centrífuga ou inercial que empurra o carro para fora da esquina. Esta força (que não é uma força real, mas, em vez disso, uma força aparente, uma vez que surge apenas devido a efeitos inerciais) também é transmitida aos pneus, causando uma deflexão lateral sobre eles. A deflexão lateral ocorre por duas razões: primeiro, o pneu é elástico em torção, ou seja, a parte do pneu que está em contato com a estrada (denominada área de contato) não gira tanto quanto o restante do pneu (por rotação, Quero dizer a rotação da direção das rodas, sobre o eixo vertical). Como o pneu é elástico, os pontos no pneu perto do contato também terão uma deflexão lateral. O pneu, em detalhe, e a investigação mostraram um problema de construção para aquele circuito e aquela curva em particular. Nós poderíamos aprofundar o assunto por páginas, mas ao invés disso, vamos usar um elemento prático e que recomento a leitura das colunas da minha colega engenheira, Maria da Graça, no nosso site sobre pneus e como estes são construídos e como trabalham sob determinadas condições. Uma dessas condições é a calibragem e neste quesito a Pirelli, fornecedora única de pneus para a F1 tem se eximido de qualquer comprometimento, com seu engenheiro, Mario Isola, dizendo que preferia não ter que enfrentar inclinações e que não haveria condições de se fazer um pneu especialmente para aquela única corrida, apontando o caminho para tratar do desafio imposto com uma calibragem diferenciada para o contorno das duas curvas feitas para a direita (a de entrada da reta e a primeira curva, a conhecida “Tarzan”, que desde sempre teve uma considerável inclinação. A carga maior vai se dar sobre o pneu dianteiro esquerdo em ambas as curvas, mas no caso prático que temos, o problema apresentou-se no pneu traseiro, devido ao maior peso do carro na parte traseira e a uma combinação de construção e calibragem que foi vista nos treinos para o GP dos Estados Unidos em Indianapolis, 2005, que culminou com as equipes que usavam os pneus Michelin, onde o problema foi constatado, não disputassem a prova, que teve apenas os 6 carros equipados com pneus Goodyear largando. A FIA e o rigor do regulamento. O diretor esportivo do GP da Holanda, o ex-piloto da F1 e F. Indy, Jan Lammers, afirmou que os pneus, hoje fornecidos pela Pirelli, não serão problema no dia 3 de maio de 2020. Para Lammers, não haverá problemas porque as curvas em Indianapolis são muito mais longas do que estas. Portanto, a carga geral do pneu é mais pesada lá. Além disso, ele argumenta que as curvas em Indianápolis têm uma espécie de inclinação linear. Aqui têm uma inclinação progressiva, quase comparável à de uma pista de bobsled. As curvas 1 e 2 do Texas Motor Speedway é de 20°. Os carros da F. Indy tem construção e pneus para essas curvas. Respostas reais para os desafios que se apresentam agora serão respondidas no final da semana da corrida, contudo, as questões de segurança e de instalações precisam ser respondidas antes disso. Os critérios de classificação dos autódromos dela FIA vão, além das questões de segurança, passando pelos critérios de instalações que um autódromo deve ter. As áreas de escape do traçado de Zandvoort são menores do que as de Suzuka, um outro circuito que carece de ampliação das mesmas para o aumento das velocidades, especialmente em curvas. Pelo regulamento da FIA, um circuito de grau 1 precisa ter áreas de escape que variem de 30 a 100 metros de largura, dependendo da velocidade de aproximação da curva. A obra em Zandvoort tem muitas perguntas e as respostas só serão dadas em maio, quando a F1 chegar lá. Além da pista, há uma série de requerimentos em relação aos boxes e ao pit lane que são, no mínimo, questionáveis. Zandvoort tem 24 boxes e um pit lane pequeno. Os boxes também não são grandes (eu estive no autódromo, na área dos boxes em 2018) e se as equipes reclamavam de Interlagos, vão reclamar ainda mais em Zandvoort, onde o pouco espaço é algo complicado para a instalação das equipes, imprensa e estruturas de suporte. Certamente teremos muitas respostas em maio e precisamos torcer para que, mesmo com todas as limitações, o GP da Holanda (que a partir de 2020 deve ser chamada, oficialmente, de Países Baixos) seja um sucesso. Abraços, Luiz Mariano |