Stirling Moss morreu no passado dia 12 de abril, domingo de Páscoa, aos 90 anos de idade, na sua casa em Londres, depois de ter vivido uma longa vida, algo improvável quando ele pegou no capacete e começou a competir no longínquo ano de 1949, pouco depois do final da II Guerra Mundial. Durante mais de uma década, venceu mais de 240 corridas, em cerca de 530 participações, em várias categorias de automobilismo, desde os Cooper de 500cc até às provas de Endurance, passando, claro, pela Formula 1. Um herói para uma geração, num tempo em que se saísse da pista, raros eram os que sobreviviam. Neste tributo ao piloto britânico, um dos maiores da sua geração e o seu último sobrevivente, falo de três momentos que marcaram a sua carreira. 1 - AS MILLE MIGLIA DE 1955 Em 1955, Moss, então com 25 anos, é contratado pela Mercedes para ser seu piloto ao lado de Juan Manuel Fangio e dos alemães Karl Kling e Hermann Lang, este último ativo desde os tempos dos Grand Prix dos anos 30, quando corria ao lado dos Auto Union, no domínio alemão das pistas. O pai de Stirling, Alfred Moss, tinha insistido no talento do seu filho, mas Neubauer tinha desconfianças. Para fazer quebrar essa desconfiança, Moss pai adquire um Maserati 250F e consegue um terceiro posto no GP da Bélgica de 1954, suficiente para ser contratado pela equipa para o resto da temporada. No ano seguinte, Moss é contratado pela Mercedes, graças aos seus dotes de condução. É muito jovem, comparado com os pilotos mais maduros, como Fangio e Kling, ambos então com 43 anos, ou Lang, com 45. E naquele ano, existiam muitas provas para a equipa alemã competir, e esperavam eles, ganhar. A primeira das quais eram as Mille Miglia, uma prova de longa distância entre Brescia e Roma, e regresso, totalizando cerca de 1600 quilómetros, ou as Mil Milhas. Nesse ano, iria acontecer no fim de semana de 30 de abril e 1 de maio. A Mercedes tinha inscrito oficialmente quatro Mercedes na corrida: um para Moss, outro para Fangio, outro para Kling e outro para Hans Hermann. Moss escolheu outro britânico, Dennis Jenkinson, então jornalista da Motorsport e piloto com experiência nos sidecars - tinha sido campeão do mundo em 1949 - para ser seu navegador. Jenkinson decidiu levar consigo um rolo de papel onde ia ditar as notas dos obstáculos e dos cruzamentos existentes no caminho, de forma a que Moss pudesse ir à vontade na sua condução e ser o mais veloz possível. Para além disso, tinham estado a treinar durante meses nas estradas italianas, e eram um dos favoritos à vitória. Fangio, por exemplo, decidiu guiar sozinho todo o caminho. Os números dos carros eram pintados de acordo com a hora de partida. Fangio era o primeiro dos Mercedes a partir, com o 658, enquanto Moss era o 722. Em Ravenna, o britânico estava à frente do argentino, que não tinha potência suficiente para os acompanhar, sem saber o porquê. Mas à frente de todos estava Eugenio Castelotti, no seu Ferrari, "conduzindo como um louco" segundo contavam testemunhos contemporâneos. Contudo, pouco depois, o carro de Castelotti quebrou e abandonou a corrida. Moss ficou na frente, agora acossado por Piero Taruffi, noutro Ferrari, que quando chegaram a L'Aquila, era terceiro classificado, depois de ter sido passado por Hans Hermann. Mas não estava zangado: a diferença para a liderança era de meros 35 segundos. Em Roma, acabada a primeira parte da prova, Moss tinha um minuto e 15 segundos de vantagem sobre Taruffi, enquanto Fangio descobria que o seu motor estava trabalhar com sete cilindros, ou seja, não tinha potência suficiente. Pior tinha ficado Karl Kling, que batera nos arredores de Roma e sofrera algumas costelas fraturadas. De Roma, a corrida foi para Siena, onde Taruffi, um dos seus rivais, acabou por desistir vitima de problemas mecânicos no seu Ferrari, e Moss continuava a liderar, agora com 5:40 minutos de vantagem sobre Hans Hermann, enquanto Fangio tentava continuar a corrida com o seu problemático motor. Em Florença, tentaram reparar os estragos, mas sem grande resultado. Hans Hermann acabou por desistir nas proximidades de Bolonha, vitima de despiste, e Fangio herdou o segundo posto, com Moss a expandir a sua vantagem para meia hora, e um pouco mais quando cortaram a meta em Brescia, mil milhas depois. Tinham quebrado todos os recordes de velocidade na prova, e ao acabar na frente de Fangio, Moss provava que era um excelente piloto, digno dos galões dos Flechas de Prata. 2 - O GP DA GRÃ-BRETANHA DE 1955 Depois das Mille Miglia, a Mercedes apontou armas para a próxima grande prova do calendário, as 24 Horas de Le Mans. Fangio e Moss, que tinham 18 anos de diferença entre eles, começavam a ter uma relação de respeito um com o outro, com o mais velho a vê-lo como um possível sucessor, e do qual poderia ensinar algo ao mais novo. E por uma vez guiaram juntos: nessas 24 Horas de Le Mans, que aconteceria no fim de semana de 11 e 12 de junho, partilhariam um carro, numa equipa que teria mais dois carros: um com André Simon e Karl Kling, e outro com o americano John Fitch e o francês Pierre "Levegh". Essa foi a infame edição onde "Levegh" perdeu o controle do seu carro quando o Jaguar de Mik Hawtohrn travou à sua frente com os seus travões de disco, e causou o acidente que matou mais de 80 espectadores. Com esse acidente, as coisas mudaram: Moss e Fangio estavam a caminho da vitória quando a marca alemã decidiu retirar os carros da prova, e no rescaldo, grande parte dos organizadores decidiu cancelar as corridas de Formula 1 do calendário. A Suíça, por exemplo, proibiu as provas de circuito até aos dias de hoje, abrindo recentemente a excepção à formula E. Naquele verão, o automobilismo esteve muito perto de terminar, devido à falta de segurança, que começava a ser intolerável. Mas houve poucas corridas que se mantiveram. Grã-Bretanha era uma delas, e nesse ano iriam correr em Aintree, numa pista desenhada na mítica pista de cavalos nos arredores de Liverpool. Os Mercedes dominram nos treinos, ficando com quatro dos primeiros cinco lugares da grelha, o único a incomodá-os foi Jean Behra, terceiro no seu Maserati. Mas na corrida, eles andaram à vontade, com Fangio na frente, seguido por Moss. O britânico passou-o na terceira volta, até ir às boxes, onde o argentino ficou de novo na frente. Depois das paragens, Moss ficou na primeira posição, enquanto Fangio o seguia de perto. O jovem britânico pensava que iria ver um sinal das boxes, de Neubauer, para que deixasse passar o argentino e ficar com o primeiro lugar, mas dali, nada apareceu. As coisas foram assim até à meta, quando Moss atravessou no primeiro posto, perante o júbilo dos locais. Afinal de contas, era o primeiro britânico a vencer em casa. No final, perguntou a Fangio se o deixou ganhar. Este negou: "não, hoje simplesmente foste o melhor". O argentino manteve a narrativa até morrer, e Moss foi para a tumba convencido do contrário. A realidade era esta: os Mercedes ficaram com os quatro primeiros lugares, com Kling a completar o pódio, na frente do veterano italiano Piero Taruffi. Foi o último tetra da marca alemã. No final do ano, retiraram-se da Formula 1 e só voltariam 55 anos depois. 3 - O GP DO MÓNACO DE 1961 Depois da Mercedes, Moss continuou a correr por equipas de fábrica: Maserati em 1956, Vanwall em 57 e 58, mas entretanto, tinha começado um relacionamento com a Rob Walker Racing, herdeiro da marca Johnny Walker, que inscrevia Coopers de motor traseiro, e com ele venceu o GP da Argentina desse ano, para surpresa de toda a gente, que não dava qualquer chance ao piloto britânico. Era a primeira vitória de um carro de Formula 1 com esse tipo de motor, e iria abrir a tendência, e Moss seria seu piloto até ao final da sua carreira. Em 1961, Walker tinha trocado os Cooper pela Lotus, equipa fundada por Colin Chapman e também tinha adotado os motores traseiros. Iria haver nova modificação nos regulamentos, com os motores a terem 1500cc aspirados, dos 2.5 litros, ostensivamente com o objetivo de serem mais lentos. Os Ferrari, com o modelo 156, parecia que tinha o favoritismo no campeonto, com a sua equipa a acolher alguns dos pilotos do momento: os americanos Phil Hill e Richie Ginther e o alemão Wolfgang Von Trips. Com a Lotus a alinhar com Jim Ckark e Innes Ireland, e a Cooper com Jack Brabham e Bruce McLaren, Rob Walker alinhava com Moss e o veterano francês Maurice Trintignant. O favoritismo dos Lotus foi abalado por ele, que conseguiu a pole-position. Na corrida, as coisas começaram com Clark e Ginther a ficar com o comando, deixando Moss no terceiro posto. Mas cedo do escocês da Lotus teve problemas com a sua bomba de gasolina, e acabou com onze voltas de atraso. Moss, no seu Lotus-Climax com menos potência, conseguia converter fraquezas em forças, e foi para a frente, depois de passar Ginther para ficar com o comando, enquanto os Ferrari se viam aflitos para passar o Porsche do surco Jo Bonnier. Por causa disso, Moss conseguiu um avanço de dez segundos antes dos Ferrari se livrarem do sueco e se aproximarem do britânico. A corrida no Mónaco era exaustiva. Eram cem voltas no principado, e os pilotos mexiam na caixa de velocidades mais de 1500 vezes para trocar de marchas, e isso fazia cansar os pilotos. A sua concentração no final da prova não era a mesma do inicio, e o cansaço por vezes traía-os a eles batiam no muro, que não os perdoava. E para piorar as coisas, nessa tarde estava calor, e Moss tinha pedido aos mecânicos para que tirassem os painéis laterais do carro, para poder arrefecer. Que poderia fazer tal coisa agora? Na parte final da prova, a partir da volta 58, Moss, para além do cansaço natural, estava a lidar com um Ginther que se aproximava perigosamente. A potência dos Ferrari levava o seu melhor e pensavam que com o tempo, iriam levar a melhor. Enganaram-se: sempre que eles se aproximavam, Mosse reagia, sendo mais veloz nas curvas, digamos assim. Ginther queria ganhar, e tentou a partir da volta 91 atacar decisivamente a liderança do britânico, mas este aguentou firme as investidas do americano, acabando por sair vencedor, pela terceira vez nas ruas no Principado e logo na primeira corrida do ano, nos novos regulamentos. Contrariando as expectativas, e deixando toda a gente agarrado à pista, quase sem respirar, Moss era o vencedor. Claro, o resto da temporada pertenceu aos carros de Maranello, mas quando as coisas pareciam mais duras, onde o estilo de pilotagem contava, Moss conseguia ser melhor, e provou isso no GP da Alemanha, no Nurburgring Nordchleife, com mais uma excelente condução. E tudo isto a caminho dos 32 anos, e com dez anos de Formula 1 pelas costas, num tempo onde um erro e era literalmente, a morte do artista. Moss acabaria por sofrer um acidente grave em Goodwood, numa prova que aconteceu numa segunda-feira de Páscoa, quando guiava um Lotus 24. Ficou em coma por um mês e durante seis, não teve movimento em parte do seu corpo. Poucos meses mais tarde, recupera das suas feridas, mas um teste com um Lotus 19 o faz pensar que os seus tempos já passaram, pois os seus reflexos já não eram os que tinha dantes. E numa altura em que já surgia no horizonte uma nova geração de pilotos como Graham Hill, Jim Clark, John Surtees, entre outros, Moss acha que é altura de se retirar, pensando que tinha tido muita sorte na vida. Afinal de contas, esse pode ter sido o campeonato que não ganhou na pista. Saudações D’além Mar, Paulo Alexandre Teixeira Acompanhe a pagina do Facebook do nosso colunista. |