Confesso que eu, automobilista, há certas provas que gosto mais de ver do que outras. As 500 Milhas de Indianápolis, pela sua febre de velocidade e pelo espetáculo que só os americanos sabem montar, é algo do qual vale a pena ver, mesmo que eu pessoalmente, não tenho a mesma sede para assistir às restantes provas da IndyCar Series, sejam elas em ovais, circuitos de rua ou provas em circuito. E normalmente, calha no mesmo dia que o GP do Mónaco e recentemente houve quem trocasse essa corrida clássica pela velocidade estonteante da outra clássica no “Brickyard”. As 24 Horas de Le Mans é outra das provas que tenho admiração por ela e vontade de assistir, seja ela pela televisão ou ao vivo. Conheço pessoas que, independentemente da idade, já foram a La Sarthe e ver os carros a passar - inclusive, um senhor que tem agora 90 anos e ia este ano se não fosse o bicho maldito a estragar os planos – e ali, como em Indianápolis, o ambiente à volta é outra prova dentro da prova. Um duplo entretenimento. Mesmo fora de sua época habitual, lamentavelmente sem público, as 24 Horas de Le Mans é sempre uma corrida ímpar. Ao longo dos anos, só por uma vez é que não houve Le Mans. Tirando a II Guerra Mundial, que impediu de ter a prova por quase uma década – La Sarthe fica ao lado de um importante eixo ferroviário e foi pesadamente bombardeado nesse tempo, e no final da guerra, os terrenos à volta tornaram-se num campo de prisioneiros de guerra alemães – a única altura em que a corrida não aconteceu foi em 1936, devido à agitação social na altura. E em 1968, com os acontecimentos de maio desse ano, a proa foi adiada para setembro, numa corrida vencida pelo Ford GT40 de Pedro Rodriguez e Lucien Bianchi. Logo, a ACO é mais quebrar que torcer. Vai até à última para a corrida acontecer. E aconteceu, sem espectadores, é certo, mas aconteceu. É um ano de transição porque dentro em breve irão aparecer os hipercarros e os LMPh, que são os carros usados na IMSA, a competição americana onde têm os Acura (Honda) e os Mazda, entre outros. Mas para a classe Hypercar, os Toyota, Peugeot e ByKolles, entre ouros, já apresentaram os seus carros e outras marcas, como a Alpine, também disseram que terão protótipos dentro em breve. E a própria ACO já disse que anda a experimentar um carro a hidrogénio, que pretende correr experimentalmente em 2024. Por agora, dá voltas de demonstração na pista. Logo, com isso em mente, houve a corrida. A LMP1 não era nada de especial, apenas cinco carros a rolar, dos quais quatro chegaram ao fim, os dois Rebellion e os dois Toyota oficiais. Só uma catástrofe é que veríamos os carros japoneses se retirarem contra os Rebellion, que fizeram ali a sua última corrida, porque não irão ao Bahrein, e a partir do ano que vêm, eles serão os Alpine-Renault. A ser assim, a grande atenção passou para os LMP2. Era a classe mais concorrida, com mais de uma dezena de viaturas, sendo os favoritos os carros da United Autosports, guiados pelo britânico Phil Hansen, o escocês Paul di Resta e o português Filipe Albuquerque. Esse carro, um Oreca 07, como eram a maior parte daqueles automóveis, era o que dominava a competição nesta temporada, tendo vencido em Spa-Francochamps, na corrida anterior a esta. E contra ele estava outro Oreca 07 da Jota, que tinha como tripla o britânico Anthony Davidson, o mexicano Roberto Gonzalez e o português António Félix da Costa, atual campeão da Formula E. A grande disputa na LMP2 mostrou que uma categoria emocionante e com um bom regulamento proporciona excelentes corridas As 24 Horas de Le Mans são cada vez mais uma prova de “sprint”, onde os pilotos andam de pedal a fundo durante um dia inteiro. Não há quebras mecânicas, não na quantidade dos que havia no passado, boa parte dos incidentes acontecem por excesso do piloto, logo, despistes, colisões e outros incidentes semelhantes. E digo tudo isto porquê? No final, o vencedor da LMP2 ficou com uma diferença de 36 segundos sobre o segundo classificado. 24 horas depois de terem partido! Claro, é ótimo ver que os carros que ficaram no primeiro e segundo classificados terem pilotos portugueses a conduzi-los, e é mais uma vez motivo de orgulho nacional num “annus mirabilis” para o nossos automobilismo, especialmente quando Félix da Costa, campeão da Formula E, acaba em segundo na sua classe na corrida de Endurance mais prestigiada do mundo, e sexto classificado da geral. É verdade que Bruno Senna foi segundo na geral, no seu Rebelion, igualando os feitos de Lucas di Grassi e José Carlos Pace, mas ele não foi o único piloto que fala português a subir ao pódio. Mas para além disso, as 24 Horas de Le Mans tinha mais uma coisa interessante. No Oreca 07 da Richard Millie Racing, na classe LMP2, havia três mulheres a competiram, três das melhores e mais jovens a competir. O carro guiado pela holandesa Beitske Visser, a colombiana Tatiana Calderon e a alemã Sophia Florsch, era alguém que muitos olhos tinham em vista para saber não só se seriam capazes de chegar ao fim, se também eram capzes de fazer uma boa performance. Não desiludiram, chegaram ao fim num honroso 13º posto da geral, nono na classe, a 23 voltas do Toyota vencedor e menos seis que a tripla da United Autosports. Mas também havia outra tripla a correr, na classe LM GTE Am. A suíça Rahel Frey, a italiana Manuela Gostner e a dinamarquesa Michele Gattling, andou a bordo de um Ferrari 488 GTE Evo, onde terminaram na 34ª posição, nona na classe, repetindo o que fizeram na edição passada, levando mais uma vez o carro até ao fim. Em suma, mais uma demonstração de que as mulheres não fazem feio perante os homens ao volante. O futuro já se faz presente e os Hypercarros estarão no grid em 2022, e até mesmo alguns podem aparecer para apressentações em 2021. No final, não se pode dizer que foi uma prova sem história, mas de uma certa forma, está-se a chegar ao final de uma era na Endurance. Outra está ao virar da esquina, e acontecerá mais cedo que pensamos, porque se tudo correr bem, iremos ver em junho de 2021. Saudações D’além Mar, Paulo Alexandre Teixeira Visite a página do nosso colunista no Facebook... |