Quando uma fabricante nipônica de automóveis requisitou a presença de um dos nossos avaliadores lá em seu Campo de Provas no Japão, enviamos o mais experiente, com mais “tempo de estrada”. A razão, além da importância do projeto em si, era explorar ao máximo a obtenção de dados fundamentais para atender quando ela iniciasse a produção daquele carro no Brasil, com nosso pneu nacionalizado. A ideia era que os fornecedores daqui participassem lá desde o início do projeto para ter conhecimento e então atender os requisitos para a produção local de pneus; e não eram poucos, nem simples. Assim, era fundamental quem tivesse experiência diversificada em avaliações e testes ao volante na percepção da dinâmica veicular e, em particular, dos pneus. Até decidir por ele, ficamos numa “sinuca de bico”. Enviar alguém mais jovem, com vastos conhecimentos de testes instrumentados, era a outra opção. Seguimos pelo caminho de mais experiência dele em avaliações subjetivas; depois vimos que acertamos. A primeira razão para escolha da “bola certa” foi o alto respeito que os nipônicos têm pelos mais velhos. É exemplar! Depois, pelo que ocorreu por lá durante a estadia dele. (Foto: Cabelos brancos / Gettyimages) Ele não só foi muito respeitado como também convidado a dar suas opiniões técnicas, o que não é de todo corriqueiro em trabalhos conjuntos fabricante-fornecedor. Analítico, metódico, detalhista e abrangente, ele deu show. Era procurado pelos outros engenheiros, principalmente os mais jovens, para comentários e sugestões; ou seja, era reverenciado pelo que acumulou em sua vivência profissional. E veja que estamos tratando de profissional que, naquela época e para os padrões das duas Companhias, já estaria aposentado há pelo menos dez anos, por vontade própria ou por imposição. Entretanto, suas características físicas e de mentalidade lhe davam aparência bem mais jovial do que a real idade física. Números podem iludir por não darem toda a dimensão Não faltam pesquisas, teses e estudos sobre a influência da idade no ato de dirigir um veículo automotor. Também são inúmeras as fontes; desde órgãos de trânsito, passando por universidades, associações de medicina do tráfego, seguradoras, até empresas privadas buscando mais resultados para suas operações. Os resultados, muitas vezes conflitantes, deixam margem para questionamentos. Começando pela quase unanimidade em comparar jovens e idosos apenas no quesito de saúde. Cabe perguntar qual idade e saúde é mais importante, a física ou a mental? Ou ambas? Depois, quem é mais lerdo ou mais rápido e para o quê? Afinal, seriam mesmo os idosos lerdos ou os jovens é que são rápidos demais por autoconfiança? Nem sempre o ser jovem implica automaticamente em causador de acidentes; o mesmo para idosos. Já os hospitais acabam por ser local estratégico para estatísticas da porcentagem de envolvidos de cada tipo, mas não levam em conta a via nem as razões e forma de condução dos veículos. Falando em Medicina, é dela que vem o alento do acréscimo nas expectativas de vida; processo degenerativo cada vez mais lento. Ainda para agregar a este tipo de estudo, falta considerar a diversidade dos tipos de veículos e seus recursos. Um veículo mais antigo, sem assistência eletrônica pode ser mais facilmente dirigido por jovens (por conta de sua força física), mas saberiam eles reagir numa situação que requisitasse equipamentos de segurança não disponíveis e aos quais estão acostumados? Por lógica, vale pensar o contrário para o idoso como motorista de um ultramoderno veículo auxiliado por todos os facilitadores de condução leve, suave e seus itens de segurança ativa. Dificuldades ao volante? Só mesmo em desenho animado (Arte: alphacoders.com) O que dizer, então, da imensa quantidade de comandos e opções disponíveis num veículo atual. A primeira impressão é de que um idoso vai se distrair e provocar algum acidente, mas cabe a pergunta: será que ele tenta usá-los? Todos? Não seria o contrário, ou seja, a tendência de os mais jovens manusearem os recursos na hora errada? É a questão de priorizar o dirigir ou usar a multimídia. Não faltam senões. E mencionando a capacidade da realização de multitarefas, é comprovado que o sexo feminino é mais hábil que o masculino nesse quesito...seja qualquer for a idade. Entretanto, dizem, que o masculino encontra o Norte e o Sul mais rapidamente. Deixo para os neurologistas. Não há dúvida da influência do físico, mas há mais que isso no “simples” ato de dirigir “Os principais motivos de alguns idosos serem considerados incapazes para dirigir são a perda da cognição, visão, audição, sintomas naturais do envelhecimento e ainda, a saúde física geral, força, flexibilidade, uso de medicamentos, excesso de multas e dificuldade para realizar as provas de avaliação” (Talita Inaba – Idosos têm respostas 40% mais lentas ao volante, 2015). Num estudo da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, foi constatado entre os pesquisados que aqueles com mais de 60 anos levavam em média 1,34 s para deter totalmente o carro após ver a placa de pare. Enquanto isso, os da faixa de 25 a 30 anos precisavam de apenas 0,96 s. Uma considerável diferença se ambos estiverem na mesma velocidade. Mas não dizem que os idosos são mais vagarosos? Por lógica, então, eles chegarão mais devagar no cruzamento; assim, tempo e espaço de reação serão suficientes. O que me assusta mesmo, são os que não pararam na placa de pare...seja qual for a idade física, porque a mental deve ser bem pequena. Como sempre afirmo, dirigir é um ato social. Cidadania e senso de coletividade são mandatórios, tolerância é fundamental. Claro que o talento natural é facilitador para executarmos algumas ações, entre elas o mecanismo de dirigir. Porém, é dos estímulos naturais e, principalmente do exemplo daqueles que nos guiam desde o nascimento, que desenvolvemos as diversas áreas da inteligência e damos expressão à nossa índole e forma de agir. “Somos e vivemos como nossos pais”. O exemplo é talvez a melhor forma de educação. Ainda bem que nem sempre, pois outro fator que desenvolvemos ao longo da vida é o senso crítico; fundamental para decisões coerentes em qualquer área da vida, particularmente ao dirigir. Para os profissionais do volante, o assunto é ainda mais sério e complexo Dirigir é a essência de algumas profissões; nada de novo nisto. Entretanto, a importância dada à preparação para tal é que se torna o diferenciador entre o mal feito, o bem feito e o ótimo. Se não faltam pesquisas e estudos sobre a influência, também são incontáveis as iniciativas (na maioria, particulares) de aprimorar a capacitação e aproveitamento de todas as vantagens das várias faixas etárias ao volante. Na indústria automobilística é muito comum que os testes de durabilidade sejam efetuados por motoristas contratados apenas para um determinado projeto. Também é comum que seja por terceirização, onde a fabricante contrata uma parceira para que esta forneça a mão de obra especializada. Por especializada, entenda-se, dirigir o dia inteiro, diversos dias seguidos, em diversas condições urbanas, rodoviárias e até mesmo fora-de-estrada, e prover informações quanto ao estado do protótipo durante e após esse uso. Veículos em durabilidade requerem horas ao volante, percepção e boa condução pelos motoristas (Foto: futuretransport.com.br) Foi de uma dessas empresas, mas nos EUA, que tive a oportunidade de contato com um trabalho mais elaborado. A empresa em questão foi a Modern Solutions, LLC alguns anos atrás. Os objetivos da pesquisa foram examinar estatísticas de várias e diversificadas fontes (governo, seguradoras, medicina, trânsito, indústria, etc.) em relação à segurança envolvida na experiência e idade ao dirigir, e demonstrar como mitigar esses fatores e assim prover um local de trabalho seguro e produtivo para ambos (jovens e idosos). Primeiramente, definiram que motorista jovem é aquele entre 16 e 25 anos; já o idoso é o que tem mais de 65 anos. Tempo de experiência ao volante não foi diretamente considerado, mas estava implícito. A primeira conclusão foi a de que lá o dobro de mortes ocorre no trânsito em relação a qualquer outro local de trabalho e que as causas estão ligadas a três fatores fundamentais: deficiência em treinamento adequado, falta de experiência e atenção aos detalhes. Nos acidentes fatais, 68% são creditados a erro humano para os jovens e 81% para os idosos. Já na velocidade, 31% para os jovens e 10% para os idosos. Nas mortes, 28% são jovens, enquanto idosos são 14% do total ao volante. Entre as causas raiz para acidentes provocados por jovens estão a falta de experiência, atenção ao detalhe, percepção do risco, falta de sono e desenvolvimento pessoal. Já entre os idosos, além da falta de sono, também a falta de mobilidade e o processo degenerativo da visão. Idosos tem mais probabilidade de catarata, precisam de algo ao redor de dez vezes mais luz para enxergar à noite e têm menor percepção de profundidade. Acidentes envolvendo idosos são mais comuns à noite. Os mesmos estudos mostraram que o córtex pré-frontal do cérebro, responsável por julgamento, decisão e impulso, ainda não está totalmente desenvolvido até os 25 anos, mas inicia a fase de deterioração por volta dos 65 anos. Alguns fatores também interessantes estão ligados ao fato de que o (mau) exemplo dos familiares ao volante influenciou cerca de 40% dos jovens envolvidos em acidentes fatais. Já os idosos buscam compensar suas deficiências físicas buscando por mais área ao redor, mais buscas nos retrovisores e condução mais lenta. Adaptação, treinamento e acompanhamento Para melhorar, nada como aproveitar o que há de bom e buscar soluções para o que não está no rumo. A pesquisa da Modern Solutions foi, então, um pouco mais à frente e buscou saber como os motoristas de durabilidade, naturalmente muito expostos no dia a dia, se comportavam frente a treinamentos e avaliações de desempenho no trabalho. Vários são os processos que podem habilitar e depois aperfeiçoar motoristas de qualquer idade (Bruno Todeschini / Ascom PUCRS)[/caption] Para ambos, jovens e idosos, os cursos devem ser o mais curtos possível. Enquanto jovens precisam de estímulos para manter o foco, os idosos se adaptam mais às leituras e mentores que venham do próprio grupo, com a mesma idade. Para ambos ficou clara a necessidade de revisões e reforços positivistas periódicos, bem como a graduação da licença em níveis crescentes para os mais jovens. Também são ambos carentes de recompensas e contínuos feedbacks. Já em termos de atitude, algumas conclusões interessantes. Os mais idosos são mais receptivos, enquanto os mais jovens tendem a desdenhar e retêm menos informação inicial do que os idosos. Tanto os mais idosos como os mais jovens são difíceis de treinar; podem até aceitar o treinamento, mas muitos deles assumem a postura do “continuar fazendo o que sei melhor”. É possível ter o melhor dos dois? Não criticar um ou outro, jovem ou idoso, ou ambos, mas adequar o que há de bom neles para benefício de todos, inclusive os que não estão nem em um nem em outro extremo. Essa é a proposta, e está ligada aos processos e esforços a serem demandados desde a hoje incipiente capacitação de motoristas para obtenção de carteira de habilitação. Quanto investiremos para ter bons motoristas, seja qual for a idade em que obtêm a carteira e até quando permanecerão ao volante ao longo da vida? Temos algo que defina as reais habilidades e capacidades de condução de um veículo? Revisamos adequadamente essas habilidades e capacidades? É a formação que “vem de berço” que faz a diferença. Nem jovem nem idoso, nem inconsequente nem senil; a virtude está no meio termo. Só para ilustrar, aquele avaliador se aposentou voluntariamente anos depois, mas continua dirigindo (bem) e sem acidentes na cidade em que vive. Mario Pinheiro |