Na Europa da segunda metade do século XX, quem costuma ler banda desenhada - ou livros de quadrinhos, no Brasil - sabe da existência de quatro grandes autores daquilo que se chama de "franco-belga", por causa dos seus autores, ou "linha clara". Esses autores eram o belga Georges Remi, sob pseudónimo "Hergé", que em 1929 criou "Tintin"; os franceses André Franquin, que a meio da década de 50 ficou com o desenho de "Spirou"; Albert Uderzo, que com o argumento de René Goscigny, criaram "Asterix e Obelix" em 1959, e Jean Graton, que em 1957 criou a personagem "Michel Vaillant". Jean Graton, o último sobrevivente dessa geração, morreu no passado dia 21 de janeiro, aos 97 anos. A sua criação tornou-se num dos pilotos mais conhecidos de toda uma geração. E era ficcional. Nascido a 12 de agosto de 1923, em Nantes, no cento de França, Graton decidiu desde cedo que iria ser desenhador. Mudou-se para Bruxelas em 1947, porque era o centro do universo da banda desenhada na Europa, e porque depois da II Guerra Mundial, criou-se a revista "Tintin", onde reuniu boa parte dos desenhadores acima referidos - Asterix, Spirou e Michel Vaillant nasceram nas páginas dessa revista. Graton começou a trabalhar na "Tintin" em 1953, e depois de alguns anos a ilustrar histórias de outros autores e fazer histórias desportivas, começa a pensar na sua própria personagem. Graton era fã de automobilismo, especialmente as 24 Horas de Le Mans. Essa sua paixão queria levá-la para os álbuns de quadrinhos, algo que até então não tinha acontecido, pelo menos não tão fortemente. O nome que escolheu não foi por acaso: Vaillant era francês para "corajoso" e a ideia que Granton queria passar era que não iria virar a cara à luta e triunfaria sobre os seus adversários. Teria um companheiro, o americano Steve Warson, e a equipa Vaillant teria uma rival, a Leader, que faria de tudo para os derrotar, no meio das equipas reais, como a Ferrari, Lotus ou Matra. Michel Valliant foi um personagem das pistas que Graton criou e que se popularizou no meio do automobilismo. O primeiro álbum chama-se "O Grande Desafio", e sai nas bancas em 1959, dois anos depois da personagem ter saído na revista "Tintin", com enorme sucesso entre os seus leitores. Seguem-se mais de 70 álbuns, que desenhou até 2007, e muitos deles tinham como base a Formula 1. Outros tinham as 24 Horas de Le Mans como cenário, mais com o Rali de Monte Carlo, o Paris-Dakar, as 500 Milhas de Indianápolis a serem palco de outras histórias, ao longo das décadas. Mesmo o Rali de Portugal não escapou à pena de Graton, que foi palco de dois álbuns, um deles era "O Homem de Lisboa", de 1984. Famoso com seu personagem, circulava facilmente pelos autódromos na Europa e os pilotos adoravam o heroi dos quadrinhos. As personagens eram simples: Michel era o piloto, com o seu irmão mais velho, Jean-Pierre, o diretor de equipa. O pai, Philippe, está na fábrica a cuidar dos carros de série, um pouco como Enzo Ferrari em Modena. Steve Warson era o seu companheiro de equipa, e a diferença era na cor dos seus capacetes: o francês tinha um azul, o americano de branco. Em 1976, Graton cria Julie Wood, uma americana que tem a ambição de correr, primeiro em motos, depois em carros. Em 1982, eles começam a ser desenhados pelo seu próprio estúdio, o Studio Graton, e em 2002, o realizador francês Luc Besson realiza o primeiro filme da personagem, tendo como base as 24 Horas de Le Mans. Para isso, a equipa DAMS inscreve dois carros, um azul, a representar a Vaillant, e um carro vermelho, a representar a sua nemesis, a Leader, e filmam a sua passagem pelo circuito de La Sarthe. O filme estreou no ano seguinte, mas não foi um sucesso. As décadas de sucesso fizeram de Jean Graton ter a oportunidade de estar na companhia dos maiores, como Fangio. Anos depois, em 2017, a equipa Rebellion decide pintar dois dos seus carros com as cores da Vaillant e correm no Mundial de Endurance, o WEC, e contribuem para espalhar ainda mais a reputação da personagem, para além dos resultados da equipa. Para contribuir ainda mais à popularidade da personagem, incluiu-se personagens reais. Graton tornou-se amigo de pilotos como Jacky Ickx, que o coloca frequentemente nas suas histórias, mas outros pilotos, especialmente franceses e belgas, também fazem parte. Um dos álbuns, "Rush" (não o filme de 2013...) passa-se num rali pan-americano, e Vaillant emparelha-se com piloto real, Francois Cevért, enquanto em outro álbum, "Desapareceu Um Piloto", de 1978, a personagem está ao lado de outro piloto real, Didier Pironi, então piloto de Formula 1 pela Tyrrell e triunfador das 24 Horas de Le Mans. A popularidade da personagem está no auge e os pilotos consideravam uma honra fazer parte dos álbuns, porque assim espalhava ainda mais a sua popularidade. Normalmente, os pilotos representados eram franceses e belgas, mas uma notável excepção foi o canadiano Gilles Villeneuve, que foi profusamente desenhado entre 1978 e 1982, durante a curta carreira do canadiano. Anos depois, Alain Prost disse que uma das razões pelo qual se decidiu por uma carreira no automobilismo teve a ver com os álbuns do Michel Vaillant que lera na infância. Alain Prost confessou que as histórias de Michel Valiant o inspirio a querer se tornar um piloto de corridas. Em 2004, aos 80 anos, Graton decidiu reformar-se e passou a caneta ao filho, Philippe Graton, que a partir de 2012 recomeçou a personagem para uma nova geração. Certamente mais cínica que quando era o seu pai a controlar a personagem, sem dúvida os seus álbuns continuam a ser lidos avidamente por milhões um pouco por toda a Europa e no mundo. Saudações D’além Mar, Paulo Alexandre Teixeira Visite a página do nosso colunista no Facebook. |