Encontrar assuntos para falar nestas bandas não é fácil, mês após mês. Confesso que muitas das vezes, para escrever por aqui, é quase à última da hora, o último dos dias, quase um “deadline” típico do melhor do jornalismo, ou se quiserem, o que a pressão sabe trazer ao de cima o melhor – ou o pior – das pessoas. Mas às vezes, o acaso nos faz colidir com histórias fascinantes, obscuras até. E a de hoje calhou ler um artigo da Motorsport Magazine, escrito por Mark Hughes. A partir dali, deu para explorar mais e descobrir a história de uma prodigio que, bastou apenas 15 meses para mostrar o seu melhor, e pensar no que poderia ter sido, se um acidente bizarro não acabasse prematuramente com a sua vida. Então, hoje falo de Lorraine Peck. Uma menina que poderia ter sido, não a primeira, mas provavelmente a melhor piloto de Formula 1 de todos os tempos. E tinha tudo para lá chegar, não só no talento, mas também no financiamento. Nascida em agosto de 1958, Lorraine Peck tinha mostrado talento aos 14 anos no karting, que nesses inicios da década de 70 começava a ser já a modalidade de eleição para aqueles que pretenciam iniciar uma carreira no automobilismo. O pai de Peck, que trabalhava na área da imobiliária, tinha olhado para ela com a ideia do seu talento a andar nessas velozes máquinas e começou a bancar uma carreira, logo em 1973. E rapidamente se notou pela sua velocidade e capacidade de adaptação. Em 1974, o seu talento não passava despercebido, ao ponto de ter sido selecionada para a equipa britânica de kart que nesse ano, foi a Rye House, e disputar o mundial contra a toda-poderosa Itália, por exemplo. Nos anos 70, uma piloto britânica que poucos ouviram falar um dia fora do meio do kartismo (Lorraine Peck), impressionava. Ali, ela chegou à final e subiu ao pódio no segundo lugar, até hoje a melhor classificação de sempre alcançada por uma mulher. Tinha sido apenas batida por Felice Rovelli, que iria ganhar mais dois títulos mundiais, em 1976 e 77, mas tinha deixado para trás gente como Elio de Angelis, que acabou a prova no sexto posto e teve uma carreira de oito temporadas na Formula 1, pela Shadow, Lotus e Brabham. As suas performances não passavam despercebidas por ninguém, que elogiavam a sua rapidez. Muitos que a viram correr na altura, diziam que apenas Terry Fullerton a superava. Sim, o primeiro grande adversário de Ayrton Senna, e que o impediu que ele obtivesse um título mundial no karting. “Lembre-se que Ayrton Senna temia o Terry Fullerton. Lorraine entrou em cena como uma novata e em menos de dois anos no karting estava sendo considerada a número dois da Grã-Bretanha, [perdendo apenas] para Fullerton.” Em meados de 1975, a confiança do pai no talento da filha era tal que já tinha arranjado um chassis Chevron de Formula Atlantic para ela poder estrear-se nos monolugares mal completasse 18 anos. Sendo essa competição muito semelhante à Formula 3 - muito competitiva nesses tempos - ela iria saltar desde já a Formula Ford, a categoria mais baixa de monolugares, o que demonstrava, pelo menos na parte do pai, uma confiança inabalável no seu talento. E ainda por cima, nesse ano, tinha lá a correr gente como Tony Brise, que já estava na Formula 1, pela Hill (e que teria a sua carreira tragciamente encurtada porque estava no avião pilotado por Graham Hill no seu acidente fatal, a 29 de novembro de 1975), e Gunner Nilsson, que iria ser piloto da Lotus em 1976 e 77, e também, com uma carreira tragicamente encurtada devido a um cancer testicular, aos 30 anos de idade... Na revista Karting,ter Lorraine Peck na capa era muito comum naquela época. Ela era um verdadeiro fenômeno. Mas para lá chegar, Lorraine Peck ainda tinha de disputar outro Mundial de kart, que naquele ano de 1975, iria ser na cidade alemã de Fulda. A prova iria acontecer no fim de semana de 11 e 12 de julho, e claro, seria muito competitiva, onde uma boa posição seria o ideal para encerrar esta parte da carreira e encarar os monolugares. Mas isso não iria acontecer. As circunstâncias do seu acidente fatal, na quinta-feira, dia 10 de julho de 1975, ficam-se entre o azarado, o bizarro e o trágico. Aparentemente, um pino de manilha que prendia o cabo do freio à alavanca do cilindro mestre do freio acabou por se partir, causando uma perda total dos freios e quando foi a altura de aplicar o pedal, este não respondeu. A mais de 100 km/hora, ela perdeu o controlo e saiu de pista. Pior ainda, no impacto, o seu banco se soltou e um dos parafusos a perfurou. Apesar do socorro, acabaria por morrer mais tarde naquele dia. O acidente causou comoção e discussões entre as equipas e a CIK (Comission Internationale de Karting), sobre a segurança da pista alemã, ao ponto de vários pilotos decidirem não participar na prova. A delegação italiana decidiu até não participar no Mundial. No dia da corrida, aconteceram dois acidentes graves, uma delas no mesmo local do acidente fatal de Peck, com um dos pilotos a suster ferimentos. O vencedor do evento foi o suíço Adrian Wepfer. O facto de, quase meio século depois, ainda se fale e se lembre de Lorraine Peck nos meios kartistas britânicos com admiração e tristeza pelo potencial que ficou por realizar, é sinal daquilo que foi capaz em tão pouco tempo. A ideia de que, com mais alguns anos e teria entrado na categoria máxima do automobilismo e ser comparada com outra mulher do seu tempo como Michele Mouton, por exemplo, é algo do qual nunca teremos resposta. Mas também poderia ter sido alguém que poderia ter acontecido o outro lado, chegado a um certo ponto e não ter subido mais, como aconteceu a muitas outras, com talento, mas sem financiamento. Contudo, no caso dela, muitos estão convencidos até hoje que tinha ambos, e a Formula 1 era uma questão de tempo. Lorraine Peck foi um grande talento que não seguiu aquele que seria o seu destino no automobilismo. Evidentemente, nunca saberemos, e é uma pena. Saudações D'Alem Mar a todos, até para o mês que vêm. Paulo Alexandre Teixeira Visite a página do nosso colunista no Facebook. Nota NdG: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do site Nobres do Grid. |