Neste sábado à noite, assisti ao documentário “Schumacher”, lançado pela Netflix. São duas horas do qual se pode dizer que vale a pena, mas não é um filme completo – é difícil meter tudo num só filme. Contudo, creio que toda a gente topa que este é o ponto de vista da família de Michael Schumacher. Estão lá todos: o pai, o irmão Ralf, a Corinna, a Gina-Maria e especialmente, Mick Schumacher, o seu filho que agora dá os primeiros passos na Fórmula 1, ao serviço da Haas. E a familiaridade começa logo nas primeiras imagens: no filme, produzido e realizado por Hanns-Bruno Kammertöns, Vanessa Nöcker, Benjamin Seikel e Michael Wech, vemo-los a fazer mergulho, com a família, antes de, na imagem seguinte o seguimos Mónaco fora, a bordo de um dos seus Ferrari vencedores de títulos. E a partir daqui, é a vida dele, contada pela família, numa intimidade sem precedentes. É assim ao longo dessas quase duas horas de duração. E essa intimidade também mostra vulnerabilidade, especialmente nos meses após os eventos de Imola 1994. A cena em que conta como, numa volta à pista de Silverstone, conta que cada curva que faz pode ser a última, onde pode se acidentar e morrer. E que teve de reprimir esse medo para poder prosseguir a sua fome e vencer. A Netflix produziu um documentário sobre o heptacampeão que é simplesmente imperdível. Contudo, quando assistia ao filme, reparei na existência de coincidências entre ele e Lewis Hamilton, e como esse paralelismo poderá indicar um possível futuro para o piloto britânico. Primeiro que tudo, o calendário. Ambos nasceram em dias muito próximos entre si. São de janeiro, Michael Schumacher no dia 3 (em 1969), e Lewis Hamilton no dia 6 (em 1985). E ambos chegam à Fórmula 1 aos 22 anos, com uma ligeira diferença. Schumacher chega à Benetton na sua segunda corrida da carreira, depois de ter corrido na Jordan em Spa-Framcochamps, e Hamilton entra de chofre na McLaren, onde conquista o seu primeiro pódio na corrida de estreia, e a sua primeira vitória seis corridas depois. Já Schumacher esperou 16 corridas para subir ao lugar mais alto do pódio, em Spa-Framcochamps, um ano depois da sua estreia. Em 1991 Michael Schumacher chegava à Fórmula 1 Corinna e ele já eram um casal desde esta época. Mas outra coincidência: ambos foram “cultivados” e “preparados” por equipas. Schumacher, pela Mercedes, que em 1990-91, participava na Endurance, e Hamilton, pela McLaren, que o colocou na Fórmula 3 e GP2 em 2005-06, para se cultivar e preparar-se para a categoria máxima do automobilismo. E mais uma coincidência: o papel dos seus pais nas suas carreiras. Rolf Schumacher era o gerente do kartódromo de Kerpen, e os seus filhos ajudavam imenso na manutenção e testagem dos karts. Anthony Hamilton fez a mesma coisa, mas não era gerente de qualquer kartódromo. E ambos são “blue collars”, ou seja, de origens humildes. Quando a campeonatos, as coisas piam um pouco diferente: Hamilton conseguiu aos 23 anos, na sua segunda temporada, Schumacher aos 25, na sua quarta. Mas os seus títulos foram alcançados na última corrida da temporada, em circunstâncias dramáticas. Ainda há mais um fator que os une: Niki Lauda. Então? Se no final de 2012 era sabido que o austríaco era o diretor não executivo da Mercedes, que contratou Hamilton no sentido de levar a Mercedes até ao topo, a mesma coisa acontecia no final de 1995, quando ele era conselheiro da Ferrari e convenceu Luca de Montezemolo e Jean Todt que Schumacher “era o homem certo no lugar certo”, numa Ferrari que precisava dele para levar a Scuderia ao topo. E curiosamente, quando Hamilton chega à marca da estrela de três pontas, substitui… Schumacher. Niki Lauda teve um papel importante na ida de Michael Schumacher para a Ferrari nos anos 90. Oura coisa interessante, e do qual ambos têm a mesma atitude, tem a ver com os erros que cometem. Se Schumacher conseguiu ser bem mais controverso – Adelaide 1994 e Jerez 1997 são dois bons exemplos – Hamilton também tem as suas polémicas. Os toques constantes em adversários quando está no meio do pelotão, quando está sob pressão, existem. Mas não víamos isso quando está na frente e abre vantagem sobre o resto, nas temporadas dos seus campeonatos. Agora, com Max Verstappen a morder os calcanhares, a história é outra. Aliás, se forem ver os acidentes que ele já teve, o último dos quais em Monza, Hamilton nunca se desculpa por qualquer erro que tenha cometido. E quem fazia isso? Schumacher. Mais interessante é que agora, Hamilton tem 36 anos de idade. Schumacher, nessa altura – em 2005 – tinha um mau chassis, e via surgir o seu rival mais jovem, o espanhol Fernando Alonso. Agora, em 2021, Hamilton, também sete vezes campeão, tem um rival mais novo e mais duro, em Max Verstappen, e está a passar por dificuldades. Assim como foi com Schumacher, Niki Lauda teve um papel crucial na carreira de Lewis Hamilton. E se formos ver o que poderemos esperar, se o paralelismo continuar, é que Hamilton poderá ter mais um ou dois anos de competição, duelando com Max, podendo perder. Aliás, não ficaria admirado se este ano não acabe como 2006, onde Alonso levou a melhor sobre Schumacher depois de um motor partido em Suzuka. Voltando ao filme, queria falar sobre o seu final, com o acidente de ski que Schumacher teve perto do ano novo de 2014, em Méribel, nos Alpes franceses. Aquele momento é mostrado como se fosse uma vida interrompida, se quiserem. As reações da família sobre esta situação indicam algo do qual todos entendem desde então: Schumacher é um "vegetal", provavelmente amarrado a uma cama, sem falar e andar, uma situação do qual pouco evoluirá até à sua morte física, daqui a, provavelmente, muitos anos. Mesmo não dizendo, nem mostrando nada, as expressões e reações corporais da família dizem tudo: nada será como dantes. E a maneira como Mick Schumacher, que segue os passos do pai, fala de como sente a falta dos seus conselhos paternais sobre automobilismo, também dizem bastante. Hoje, toda a gente sabe isso, mas eu escrevi isso um mês depois do seu incidente, e na altura, só faltava ser colocado contra a parede e ser fuzilado. A conclusão que se chega é que ninguém pode ter razão antes de tempo. Portanto, é o que posso falar sobre este filme. E que conclusão se pode chegar sobre Schumacher e Hamilton? Muitas coincidências, vindas de dois dos melhores pilotos de sempre. Quando retornou à Fórmula 1, o veterano Schumacher encontrou o novato Lewis Hamilton na pista. Saudações D’além Mar, Paulo Alexandre Teixeira Nota NdG: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do site Nobres do Grid. Visite a página do nosso colunista no Facebook. |