Há pouco mais de seis anos o Site dos Nobres do Grid abalou a comunidade do automobilismo nacional quando o sócio majoritário do Autódromo de Pinhais, o AIC, Sr, Jauneval de Oms, nos deu a bombástica entrevista onde assumiu – em primeira mão – que o autódromo de sua propriedade estava condenado. Desde então, um processo irreversível começou a ser desencadeado. Não era uma questão de “se”, mas uma questão de “quando” este processo seria concluído. Vista aérea do AIC quando este estava em pleno funcionamento (imagem aérea feita pelo piloto Átila Abreu) O Autódromo de Pinhais (AIC), a partir de sua reforma, em 1995, tornou-se um autódromo padrão para o país. Com uma boa extensão (3.695m), largura de pista, traçado, itens de segurança, conseguiu se impor como o autódromo melhor preparado e mais adequado para pratica do esporte a motor no país após o Autódromo Internacional José Carlos Pace, que está tecnicamente habilitado a receber a Fórmula 1. Por interesse de seus proprietários, até 2017 o AIC era classificado pela Federação Internacional de Automobilismo como um autódromo de grau 3, habilitando-o a receber competições internacionais como recebeu a Superfórmula e o WTCC, por exemplo. Como bem foi dito, o autódromo tinha – e tem – proprietários e a maior parte da sociedade decidiu pela venda do imóvel para atender um interesse pessoal. Com relação a isso, o interesse de uma pessoa ou um grupo de pessoas decidir vender um bem de sua propriedade é algo que diz respeito somente a este proprietário. O processo se arrastou por seis anos por uma série de motivos que passaram longe do esporte a motor, mas perto de medidas que passaram desde a política local ao desmantelamento por parte dos sócios majoritários do seu próprio patrimônio. Em 2016 eles apresentaram a falsa informação de que “o autódromo era economicamente deficitário e por isso precisariam vendê-lo, com um projeto de transformar os 560 mil metros quadrados em um novo bairro para a cidade. Em 2016, o autódromo ganhou uma sobrevida graças a crise econômica, mas estava em curso um plano de sucateamento. No ano de 2015, estivemos visitando o autódromo, repetindo o que havíamos feito em 2009 e conversamos em ambas as vezes com o então administrador do AIC Itaciano Marcondes Ribas Neto e após percorrermos as instalações do autódromo sem carros na pista, vimos como as condições do autódromo estavam melhores que em 2009, um ano após o Sr. Itaciano assumir a gestão do espaço. Entre 2010 e 2016 o autódromo apresentou superávit em suas contas, mesmo arcando com custos de reasfaltamento de toda a pista e da recuperação das placas de concreto da reta dos boxes, usadas nas provas de arrancada, além das manutenções necessárias nas estruturas da torre, boxes, prédios de apoio e arquibancadas. Mas o desejo do Sr. Jauneval de Oms era a venda do autódromo e um processo de desmantelamento foi colocado em prática. O Sr. Itaciano Neto foi afastado da gestão do autódromo e esta passou para as mãos do filho de Jauneval, Manuel de Oms Neto. Eventos foram cancelados, trazendo prejuízos para promotores e ações judiciais. Árvores foram cortadas, portas dos boxes arrancadas e todo os funcionários demitidos. Os proprietários do restaurante e a lanchonete que funcionavam no autódromo receberam uma nova proposta de contrato que inviabilizava o funcionamento de ambos e a licença FIA 3 não foi renovada. A licença da FIA com a graduação de nível 3 expirou em 2017 e não foi renovada. As exigências e condições contratuais exigidas pela nova administração afastou não apenas eventos de automobilismo, mas também a maior fonte de renda do autódromo, que era utilizado praticamente todos os dias, com eventos corporativos das empresas do parque automotivo da grande Curitiba, desde encontros de clubes e coquetéis aos testes de carros com consumo de combustível e pneus, resistência de componentes, entre outros. Uma das fábricas chegou a locar a pista por 143 dias em um ano. Esta mesma empresa foi fazer seus testes em uma pista de um aeroporto privado diante da irracibilidade da “gestão direcionada” que precisava justificar que “o autódromo dava prejuízo” para a prefeitura de Pinhais. Mas para transformar o autódromo em um bairro era necessário mudar o plano diretor da cidade, que além de destinar a área à pratica do esporte a motor, impõe uma série de limitações a exploração imobiliária: (1) Toda e qualquer área construída será considerada para cálculo do coeficiente de aproveitamento com exceção de: a. Área dos pavimentos situados em subsolo, destinados a estacionamento, desde que seja adotado a nível do projeto de microdrenagem, medidas de controle na fonte que garantam a vazão original de saída; b. Até 100% (cem por cento) da área destinada à garagem/estacionamento de veículos situadas no nível térreo e 1º pavimento, desde que sejam adotadas, e demonstradas em projeto, medidas de controle de drenagem, que garantam a vazão original de saída; c. Ático com área igual ou inferior a 1/3 (um terço) do piso do último pavimento. No ático serão permitidos: i. Todos os compartimentos necessários a instalação de casa de máquinas; ii. Caixa d'água. d. A superfície ocupada por escada enclausurada, a prova de fumaça, elevador e os demais compartimentos necessários, para atender os dispositivos de segurança, previstos nas normas técnicas da ABNT, em todos os pavimentos. (2) Em lotes em vias com previsão de alargamento, o recuo frontal deverá ser contado a partir das diretrizes de arruamento definidas na Lei do Sistema Viário. (3) Edificações com até 12,00m (doze metros) de altura máxima e com no máximo 3 (três) pavimentos inseridos nesta altura: a. Sem aberturas – não há necessidade de afastamento; b. Com aberturas – atender o mínimo estabelecido. Observações: a. O afastamento entre edificações em um mesmo terreno deverá ser correspondente à H/3, com o mínimo de 3,00m (três metros); b. Nesta zona deverá ser mantido e aprimorado o tratamento acústico. Mas fazer algo nestes moldes não era interessante para os sócios-proprietários da área que queriam transformar a área em um empreendimento imobiliário onde os proprietários vão receber não apenas um valor pela venda (liberação) da área para a implantação de um projeto de implementação urbanística, mas também um percentual por tudo que for implantado, construído e vendido, o que muitiplicará imensamente o retorno para os proprietários do autódromo. Anteprojetos alternativos para manter o AIC chegaram a surgir, mas nenhum foi adiante. Muitas ideias e poucas ações práticas. Desde a gestão do prefeito Luiz Goularte Alves os planos de alterar esta parte da cidade de Pinhais era um assunto em pauta e este assunto continuou em pauta com a atual prefeita, Marli Paulino. Entretanto, para mudar a destinação da ZA Autódromo e se implementar um novo bairro na cidade seria preciso mudar o plano diretor da cidade, mas isso não deve ser um problema para o executivo municipal, uma vez que a coligação que elegeu Marli Paulino (que foi vice de Luiz Goularte Alves) tem uma esmagadora maioria para conseguir aprovar esta mudança no plano diretor da área. Como muitas coisas neste país, a morosidade no andamento de processos que dependem do poder público costuma fazer com que não andem na velocidade com a qual um carro rasga a reta dos boxes do AIC e esta demora teve alguns momentos críticos. Com a crise que se estabeleceu no país entre 2015 e 2016 os negócios ficaram parados no setor imobiliário em todo o país e isso deu uma sobrevida ao AIC, mas a chegada de um novo investidor, uma construtora que adquiriu 10% dos direitos do autódromo deu um novo impulso ao processo que levaria ao fim do AIC, mas no ano seguinte, assim como no final da reta dos boxes tem uma freada brusca e uma chicane (onde é muito comum acidentes e carros saindo da pista, em 2019 o processo “saiu do contorno do traçado” com a morte de Jauneval de Oms – que sempre foi um apaixonado pelo autódromo e pelo automobilismo, é importante se dizer – em setembro daquele ano e a morte do então gestor do autódromo e filho de Jauneval – Manuel de Oms Neto – 49 dias depois e em circunstâncias “muito estranhas” jogou o processo “na caixa de brita”. Mas, cedo ou tarde, o processo seria retomado e no ano de 2021 ele acelerou e em um formato que surpreendeu a comunidade do automobilismo. Jauneval e seu filho Manuel Neto: ambos faleceram no último quadrimestre de 2019. Um projeto urbanístico assinado pelo escritório Jaime Lerner Arquitetos Associados, ex-prefeito de Curitiba e ex-governador do Paraná (Lerner faleceu em maio deste ano, mas o projeto já estava praticamente concluído), contempla para área um misto de imóveis residenciais, comerciais e de lazer, com mais de 50 edifícios, alguns deles com 25 pavimentos, com apartamentos pequenos, de 30 m2, a maiores, de 200 m2, além de residências de alto padrão, imóveis comerciais e serviços em geral. De acordo com a Bairru Urbanismo, incorporadora responsável pela obra, a expectativa é de que 8 mil pessoas morem no novo bairro, mas na nossa conta este número é pelo menos o dobro, sem contar a população transitória que virá trabalhar no novo bairro, que tem no projeto 290 imóveis comerciais e de serviços, incluindo um polo gastronômico com mercado de alimentos, bares e restaurantes, além de escritórios e lojas, com uma área exclusiva no bairro para grandes redes varejistas, como supermercados ou lojas de departamento. Além disso, uma parte da área será destinado a um parque com um lago e – acreditem se quiser – a preservação da pista “poder receber provas de automobilismo, mas de menor porte, já que o traçado terá de ser reduzido”, segundo o diretor de projetos da Bairru, Carlos Eduardo Rodrigues, que também afirmou está “em conversações com a CBA para estudar a viabilidade técnica de algumas provas, como corridas de carros elétricos”. Com a assinatura do escritório de Jaime Lerner, foi apresentado um projeto para revolucionar a paisagem da cidade de Pinhais. A comunidade do esporte a motor no Paraná tem se mobilizado há anos para tentar impedir o fim do autódromo, inclusive com projetos e ideias alternativas, mas diante da magnitude do projeto elaborado, caso este seja implementado com o sucesso esperado por seus idealizadores, o retorno financeiro será muito maior, tanto para os empreendedores quanto para a prefeitura de Pinhais, que terá um volume de arrecadação de impostos, que vai do IPTU ao ICMS e ISS que o autódromo jamais conseguiria gerar. Pinhais não tem prédios do tamanho dos que estão sendo projetados para o novo bairro e tem um transito caótico naquela região, onde passa do seu lado uma linha férrea e um gargalo de locomoção que envolve as principais vias naquele ponto (Avenidas Iraí, Maurício Fruet, Ayrton Senna, Camilo de Lellis e Rua 24 de maio). O projeto viário inclui a construção de viadutos para interligar estas avenidas, mas neste caso, a prefeitura ainda negocia com o governo do estado para financiar estas obras. O fim do autódromo, segundo os membros da comunidade do esporte a motor, vai retirar da região, empregos, arrecadação de impostos, e apagar do mapa um dos melhores autódromos do país. Além disso, como boa parte deles também mora em Pinhais, apontam a instalação desse bairro como um problema de ordem urbana, apontando este acréscimo populacional previsto como um problema para a cidade e não uma solução. Medidas administrativas, como a mudança do plano diretor ainda precisa ser aprovada e eles, hoje, estão focando o trabalho em convencer os vereadores a não aprovar a mudança, o que não se apresenta como muito provável. Talvez fosse melhor focar esforços em procurar investidores e uma outra área onde um autódromo possa ser instalado e gerenciado para atender as demandas tanto do esporte como para os antigos usuários do AIC. Da Redação |