Imaginem um ciclista como conhecemos hoje, daqueles que fazem as clássicas como o Tour de France ou o Giro D'Itália. Alguém que pedala por 250 ou 300 quilómetros, por montes, vales e planícies, esforçando-se por bater a concorrência, e no final de cada dia está estafado. Agora imagina que faz isso tudo bem, ao ponto de ser dos melhores da sua geração, para de repente, trocar as suas pelas quatro rodas. Ainda por cima, com motor. E faz ainda melhor! Hoje em dia, com o profissionalismo existente em todas as modalidades, largar uma rumando a outra é muito mais dificil. Mas no inicio do século XX era mais fácil, e a história de um dos melhores pilotos do inicio desse século, piloto da Alfa Romeo, vencedor da Targa Florio, e quando morreu, a equipa assinalou a sua perda cortando um dos cantos do seu símbolo e retirando permanentemente o seu número... pelo menos, nos carros italianos. Como ando a falar muito sobre os pilotos de há cem anos, este mês, é a altura de contar a história de Ugo Sivocci. UM CICLISTA COM QUEDA PRA OS CARROS Nascido a 29 de agosto de 1885 em Salerno, no sul de Itália, a sua primeira paixão foi o ciclismo, ao ponto de em 1902, aos 17 anos, ter participado nos campeonatos nacionais. Dois anos depois, em 1904, foi segundo classificado, numa corrida que tinha 600 quilómetros de extensão e era muito dura, percorridas em estradas de terra. Nesses anos, participava nessas provas ciclísticas ao lado do seu irmão Alfredo Sivocci (1891-1980), que mais tarde seria quarto classificado no Giro d'Itália de 1922, já quando o seu irmão se consagrava no automobilismo. Ugo Sivocci: piloto da Alfa Romeo em um tempo que os pilotos tinham uma expressão bem mais madura que a dos pilotos atuais. Contudo, enquanto a carreira de Alfredo desabrochava, Ugo se apaixonara pelo automobilismo. A sua primeira vitória acontecia da rampa Torino-Sestriére, em 1909, ao volante de um OTAV. Pouco depois, em 1911, passava para a De Vecchi, uma oficina de Milão, e participa em 1913 na Targa Florio, onde acaba na sexta posição. Pouco depois, em 1915, a Itália entra na guerra, e o automobilismo suspende as suas atividades. Quando regressa à atividade, em 1919, ele corre na CMN, Costruzioni Meccaniche Nazionali, onde corre ao lado de um jovem chamado Enzo Ferrari. Sivocci reconhece qualidades no jovem piloto de Modena, oferece-lhe um lugar de piloto de testes, e depois na equipa principal, com ambos a participarem na Targa Florio, integrados na CMN. Em 1921, irá para a Fiat e participa no primeiro GP de Itália de sempre, e o último antes de ser corrido em Monza. A equipe Alfa Romeo reunia no início dos anos 20 um verdadeiro esquadrão de grandes pilotos para as corridas de estrada. No final do ano, Sivocci recebe o convite de correr na Alfa Romeo da parte de Antonio Ascari. Este estava a montar uma equipa que iria ser dos melhores de Itália e do mundo, batendo pé contra a Fiat, e Ascari achava que Sivocci era o piloto ideal para essa tarefa. Ele acedeu, desde que trouxesse consigo Ferrari, o que aceitou. Quando mais tarde chegou Giuseppe Campari, estavam já na equipa os "Quatro Mosqueteiros". TARGA FLORIO E O TRÁGICO FIM Em 1922, participa na Targa Florio com Campari e Ascari, mas quem leva a melhor e outro compatriota deles, Giulio Masetti, que corre num Mercedes. Sivocci não consegue mais do que o nono posto, mas noutras probas, o desfecho é algo diferente, como por exemplo, um segundo lugar no Parma-Poggio Berceto, a bordo de um Alfa 20-30 ES Sport. No ano seguinte, aparece o modelo RL, e torna-se muito melhor. Inscrebe-se na Targa Florio, ao lado de Ascari e Masetti, este vindo da Mercedes. Os carros vermelhos estavam pintados com um travo de quatro filhas verde num losango de fundo branco e ao longo da corrida, está atrás de Ascari ao longo da corrida, até que na parte final, este tem problemas com o motor e Sivocci aproveita e fica com o comando, acabando por triunfar, na frente de Ascari e o Steyr de Ferdinando Minoia. Torna-se na primeira grande vitória da equipa do Quadrifoglio no automobilismo na cena internacional e claro, a sua primeira grande vitória na sua carreira. E a partir dali, os carros termia sempre o travo de quatro folhas nos seus carros. No final do ano, era a altura do GP de Itália, que no segundo ano seguido iria ser em Monza. A Alfa Romeo iria participar em força, com Ascari, Sivocci e Campari. Todos corriam com o modelo P1. Na altura, os pilotos guiavam com os seus mecânicos, e o de Sivocci era Angelo Guatta. Inscrito com o número 17, o pessoal em Arese tinha-se esquecido de uma coisa: pintado o Quadrifoglio Verde na sua carenagem. Em uma foto tratada, o destaque do trevo de quatro folhas eram uma marca registrado dos carros da Alfa Romeo. Os grandes rivais da Alfa Romeo era a Fiat, que tinha Pietro Bodino, Felice Nazzaro e Carlo Salmano. s coisas começaram a correr mal quando a 26 de agosto, num dos testes pré-corrida, Bordino perdeu o controlo do seu carro e ficou com várias contusões. Pior sorte teve Enrico Giaconne, seu mecânico, que acabou por ficar por baixo do carro e perder a vida. Com 14 carros inscritos, entre Voisins, Benz, Miller e Rolland-Pilain, os Alfas testavam o carro para a corrida. A 8 de setembro, dia dos treinos livres, Sivocci era um dos pilotos que andariam na pista para saber do estado do carro. As coisas corriam bem até que perderam o controlo do carro debaixo de chuva. Quando conseguiram socorrê-los, Sivocci estava morto e o seu mecânico Guatta gravemente ferido, mas conseguiu sobreviver. Imagem icônica de antes do acidente fatal: Giuseppe Campari, Luigi Bazzi, Enzo Ferrari, Antonio Ascari e Ugo Sivocci. Sabendo dos eventos, Nicolló Romeo, o diretor de equipa, decide retirar os carros da corrida, em sinal de luto. "Um acidente, devido a um despiste na pista molhada, nos priva a algumas horas da nossa grande corrida, nosso piloto mais sensato e experiente, nosso [Ugo] Sivocci. A dor da perda de um bom amigo e valente colaborador nos faz esquecer neste momento as angústias compartilhadas no trabalho comum com o falecido [piloto], mas não diminui a fé que mantivemos para superar a amargura com honra. Mas a alma dos nossos pilotos não pode ficar serena, nem sabe tentar passar com mão firme junto ao corpo ainda quente do nosso companheiro. Assim sendo, com mágoa a aqueles que seguiram nossos sacrifícios, para aqueles que conhecem nossas esperanças e para aqueles que sabem com quanta paixão desejamos a vitória das cores italianas, nos vemos obrigados a abandonar aquele campo de batalha em que estamos. Voltaremos em breve." Na prova, os Fiat ganham com dobradinha, com Carlo Salmano na frente de Felice Nazarro. Depois da corrida, com o corpo de Sivocci a ser sepultado no Cimiterio Maggiore de Milão, houve quem tenha associado algumas coincidências arrepiantes. No ano anterior, no GP de França, disputado em Estrasburgo, Biagio Nazarro, sobrinho de Felice Nazarro e piloto da Fiat, morrera devido a uma quebra de suspensão. Ele tinha inscrito o seu carro com o número 17, o mesmo que Sivocci levava na corrida italiana. A partir dali, nenhum carro usou mais esse número, por associar à morte. Também havia outra coincidência aziaga do qual os supersticiosos italianos levaram em conta. O carro que Sivocci levava tinha vindo direto da fábrica e não tinha sido pintado a tempo com o Quadrifoglio Verde. Quando isso aconteceu, em sinal de luto, cortaram um dos lados, formando um triangulo, e mostrando que a equipa que tinha levado a marca aos píncaros da modalidade estava desfeita para sempre. Com o tempo, o triangulo manteve-se, bem como o trevo verde, um dos símbolos do automobilismo e da velocidade na Alfa Romeo até aos dias de hoje. Sivocci teve um filho, Riccardo, que se tornou num excelente mecânico, trabalhando na Maserati nos anos 50, arranjando os bólidos de Juan Manuel Fangio na Formula 1. Saudações D’além Mar, Paulo Alexandre Teixeira Nota NdG: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do site Nobres do Grid. Visite a página do nosso colunista no Facebook. |