O engenheiro Octávio Guazzelli assumiu neste ano o cargo mais importante do automobilismo brasileiro ao lado da presidência da CBA – ser o administrador do autódromo de Interlagos, nomeado pelo prefeito Gilberto Kassab, pela SPTuris. Ele vai ter a honra de trabalhar ao lado de um dos maiores ícones – e que dispensa apresentações – da história do nosso automobilismo: Chico Rosa. O site dos Nobres do Grid foi recebido para esta espetacular entrevista às vésperas do GP Brasil de F1. NdG: Estamos as vésperas de mais um GP do Brasil de F1. Uma época de atender aos anseios da mais variada gama de seguimentos: Secretaria de Turismo, FOM, FIA, pilotos, equipes, imprensa do mundo inteiro... como atender a todos? Octávio Guazzelli: Eu diria que é impossível agradar a todos. O que se tenta é agradar ao máximo a cada um dentro do que é possível de ser feito. Para isso fazemos uma coordenação do que tem que ser feito em cada área voltada para cada tipo de “público” que iremos atender num determinado local, num determinado momento. Para que isso seja feito, há todo um trabalho de preparação como este que vocês viram sendo feito aí fora e que envolve desde a engenharia a adequação dos espaços e das necessidades específicas de cada seguimento a ser atendido. NdG: Falar de Chico Rosa é quase como falar de F1, de GP do Brasil... são quantos anos de Interlagos de GP do Brasil? Chico Rosa: De GP do Brasil de F1 acho que são quase todos... (risos). Tirando o período em que o GP foi disputado no Rio, mesmo assim, participei da organização nas questões de segurança nas primeiras edições... mas foram quase todos. E a cada ano as necessidades são diferentes, as demandas são diferentes... a F1 é uma coisa muito dinâmica. A segurança de pista, por exemplo, que é algo que não aparece muito, muda de uma forma muito intensa, numa evolução constante de ano para ano e a parte de público, de infraestrutura para acomodar estes 70 mil espectadores que vem até aqui todos os anos e todos os anos, após cada edição, é feito o relatório do evento com todos os aspectos incluídos. É este documento que nós usamos para buscar fazer ano a ano as melhorias necessárias para manter Interlagos no hall dos circuitos que recebem a F1. NdG: Sobre esta busca de melhoria ano a ano... é impressão nossa ou a estrutura em montagem este ano está maior do que a dos ano passado? Chico Rosa: "Um GP de fórmula 1 é algo muito dinâmico. Há cada ano temos demandas diferentes e temos que agir diferente". Chico Rosa: Talvez seja, em parte, impressão. Em termos de arquibancada a estrutura é a mesma. O que aumentou foram as áreas de ‘hospitality center’ é que ficaram um pouco maiores, com mais algumas instalações... mas nada que se perceba assim aos olhos. NdG: Octavio, durante anos o Sr. trabalhou na F1 e agora o Sr. está trabalhando para a F1. Como era o seu trabalho lá e o que o Sr. pode trazer de sua experiência e conhecimento de lá para cá? Octávio Guazzelli: Os papéis são bem distintos. Tarefas completamente diferentes. O meu trabalho tanto na equipe Minardi quanto na equipe Ferrari era dentro de uma área técnica, trabalhava com tecnologia, fosse na gestão de telemetria da equipe Minardi como na parte de tecnoligia da simulação da equipe Ferrari. A experiência que eu trago de lá para cá é o conhecimento de 112 GPs, trazendo a vivência de uma equipe, daquilo que uma equipe necessita para, não apenas no aspecto técnico, mas na questão do conforto, do espaço físico para podermos adequar Interlagos da melhor maneira possível. Isso é bem sabido pela organização do GP que vem trabalhando há anos e que convive com as equipes e as demandas do ano todo, mas a gente ter a visão, ter vivenciado GPs aqui no Brasil e fora estando dentro de uma equipe, nos dá um conhecimento extra que é a experiência de quem veio trabalhar no espaço e não apenas preparado o espaço. Depois de você passar por vários autódromos, várias instalações e a mutação destas instalações ao longo dos anos, adequando-se a evolução e as necessidades da F1. Chico Rosa: Além desta experiência toda que o Octávio tem, de ter estado “do lado de lá”, ele é um Engenheiro de Produção e um grande gestor de projetos. Eu já o conheço há algum tempo e esta posição que ele ocupa hoje casa muito bem com as necessidades do cargo por ele ter esta visão do que é o outro lado, o lado de quem precisa trabalhar naquilo que nós preparamos para ser o local de trabalho deles aqui em Interlagos. Assim, com uma visão completa do todo, ele pode projetar e implementar soluções para agora e para o futuro de grande valia para o trabalho que é desenvolvido aqui há tantos anos. Temos a sorte ainda de gostarmos das mesmas coisas. NdG: Aproveitando o mote do seu comentário, ‘seu’ Chico, os senhores se conhecem desde quando? Já haviam trabalhado juntos em algum projeto anterior? Chico Rosa: Essa eu deixo para o Octávio falar... ele é mais novo do que eu [risos] e tem uma memória melhor que a minha e vai lembrar de mais coisas... aí, se for o caso, eu completo. Octávio: "Muitos não entendem a necessidade de se fechar Interlagos para prepará-lo para a F1, mas é algo 100% necessário". Octávio Guazzelli: Fora a bondade do ‘mais novo’, de fato, todos que se envolveram com automobilismo desde os anos 60, desde seu início, tem em Chico Rosa uma referência de um engenheiro que sempre esteve à frente do seu tempo e que por isso é o autor do ‘caminho das pedras’ para o Emerson e para o Piquet, além dos outros que seguiram o caminho do sucesso destes dois grandes até a F1 e que eu conhecia como personagem, como personalidade. A partir do momento em que eu entrei na Minardi a gente teve, nos vários GPs do Brasil e mesmo fora, oportunidade de estreitar o relacionamento e criar uma amizade. E foi num momento importante que foi o da volta do GP Brasil para Interlagos, num esforço da prefeita Luiza Erundina e ela buscou uma pessoa que conhecesse as necessidades do autódromo que conhecesse de automobilismo para fazer isso acontecer e foi no Chico que ela veio encontrar o apoio necessário para realizar esta empreitada. Depois de algum tempo, tivemos oportunidade de trabalhar juntos na Piquet Promotions, junto com o Lua [Carlos Cintra Mauro], desenvolvendo alguns projetos na área de automobilismo e em paralelo tivemos algumas outras iniciativas em áreas que ambos tinham conhecimento e que pudemos interagir fora do automobilismo. Isso também foi muito positivo, pois a proximidade facilitou o nosso trabalho aqui, pois tudo se baseia na composição do conhecimento e das idéias que, mesmo quando são antagônicas, visam a melhoria continuada do processo que é o autódromo. O Chico trás toda esta experiência de 30/40 anos, esta referência ao que é este lugar para o automobilismo mundial e não só nacional e eu entro com este conhecimento do que é o funcionamento das equipes. Com isso, vamos somando para manter este que é o maior e principal autódromo do Brasil em funcionamento. Chico Rosa: É... ele falou tudo! [risos] mas teve também uma época em que ele esteve envolvido com o campeonato brasileiro de marcas e que trabalhamos e nos divertimos muito. NdG: Ser o administrador do maior e mais importante autódromo do país já é – por si só – um imenso desafio e, para aumentar este desafio, seu antecessor foi considerado um grande administrador, sendo elogiado pelos que frequentam autódromo e tendo – segundo relatos – feito Interlagos vir a trabalhar ‘no azul’. Tudo isso é verdade e pode ser considerada uma responsabilidade a mais? Octávio Guazzelli: A questão da responsabilidade, intrinsecamente, por ser tudo isso que é Interlagos, já é suficientemente importante para delegar a quem está na posição que eu estou uma tremenda responsabilidade. É um prazer e uma honra estar aqui. É algo que vai ter um grande peso no meu currículo, que tem 23 anos de automobilismo, sendo 22 com a F1, é algo de uma importância a ser considerado o mais alto nível que eu já alcancei até hoje e, dadas as circunstâncias e a importância desta tarefa, não sobra tempo para se preocupar com o que os outros fizeram antes dada a necessidade de se fazer pra frente. Obvio que o trabalho bem feito anteriormente, pela própria SPTuris, desde a mudança da gestão de Interlagos ter vindo para a SPTuris, saindo da secretaria de esportes, dentro da SPTuris a sequência de gerentes que aqui passaram e a linha de gerenciamento que foi seguida é importante. A gente trás agora a proposta de evoluir este trabalho que foi feito e adequá-lo a uma nova realidade que o autódromo irá viver em função de novas reformas e de novas propostas que o prefeito Gilberto Kassab está colocando para o autódromo. NdG: Como foi que surgiu o convite para o Sr. assumir a administração de Interlagos? Octávio: "Nos anos em que trabalhei nas equipes de Fórmula 1 a única queixa que ouvia era sobre as ondulações no asfalto, mais nada". Octávio Guazzelli: Em meados de março deste ano [2010] eu recebi um telefonema do prefeito Gilberto Kassab, que antes de tudo é um colega de faculdade, estudamos juntos na Politécnica [Escola de Engenharia da USP], ele fez Civil e eu Produção. Na época eu estava ainda com um projeto em desenvolvimento com a Ferrari e que ainda seria entregue. Ele disse que estava com um projeto para o plano diretor aqui da região, não só considerando o autódromo, mas todo o bairro e que a idéia seria usar o autódromo como pivô, como elemento de ancoragem para todo este plano diretor da região. Interlagos é uma área nobre da cidade, é aqui que estão os dois mananciais de água para abastecimento, as represas Billings e Guarapiranga, é uma região muito populosa, a zona sul tem 4,1 milhões de pessoas vivendo e onde existem favelas como a favela do socorro, onde vivem mais de 700 mil dos moradores do bairro e ele queria uma pessoa de sua confiança, que tivesse um perfil técnico conhecido e assim veio o convite para este desafio. Eu pedi um tempo para pensar, este tempo me foi dado e eu tive como entregar o projeto à Ferrari e pude me disponibilizar a vir para cá. No dia primeiro de junho eu entrei para a SPTuris e no dia 22 de junho assumi a gestão do autódromo. NdG: ‘Seu’ Chico, o Sr. viveu, ao longo destes anos, como administrador do circuito, períodos de grandes glórias e outros bastante difíceis. Para quem vem a uma corrida, a visão que ele tem de Interlagos é uma... mas que certamente não traduz a realidade do dia a dia. para que está todos os dias aqui, a visão é outra. Como é este dia a dia? Chico Rosa: O dia a dia aqui é realmente bem diferente. O que se vê hoje aqui, por exemplo, com toda esta estrutura para a F1 montada, é completamente diferente do que é Interlagos sem a F1. Disto tudo aí fora, 70/80 por cento é desmanchado. Ainda temos aqui dois ou três eventos em que há montagem de estruturas como as que se vê aqui pela janela que são as provas da Stock e da Truck onde todo trabalho de logística, a chegada e instalação do público. Do dia a dia, dos dias de escola de pilotos, dos dias de treinamentos para um dia como a F1 é muito diferente. Interlagos as vezes tem até momentos de paz e silêncio. NdG: neste período todo, quais foram os anos mais difíceis? Chico Rosa: Bom, administrar um autódromo como Interlagos é difícil e assim, posso dizer que todos os anos são difíceis. Agora, há os grandes momentos de alegria e os de tristeza. Quando eu fui com o Emerson para a Europa, em 1969, a gente aqui sonhava em ter um piloto internacional. Em 1970 Emerson já estava guiando um F1, que era o máximo que um piloto podia sonhar. Daí passamos a almejar trazer para o Brasil uma corrida da F1. A vinda do primeiro GP de F1 foi um marco extraordinário. O segundo marco extraordinário – para mim – foi a vitória do Moco [José Carlos Pace – 1975]. Não pelo fato dele ter morrido e ter vindo a dar o nome ao autódromo, mas por ser o Moco quem ele era e nós sabíamos quem ele era. Depois disso, tivemos momentos não muito felizes, com a gestão pública não se interessando muito por Interlagos e que só veio a ser resgatado quando a prefeita [Luiza] Erundina assumiu o compromisso de renovar o autódromo. Tem toda uma conotação política ainda, uma vez que ela era do PT e uma prefeita do PT [Partido dos Trabalhadores] assumir um compromisso de recuperar Interlagos era quase uma heresia... e ela foi a grande responsável, a grande alavanca para trazermos o GP do Brasil de volta para São Paulo. Isso foi um outro marco pois implicou no conjunto de obras e alterações que mudaram a face de Interlagos. Por fim, a passagem das mãos da Secretaria de Esportes para a SPTuris foi um outro marco pois passamos a ter uma mobilidade muito maior para fazer melhorias no local. Hoje Interlagos é um parque, um local de lazer, de realização de eventos e agora, com a vinda do Octávio e com os planos que estão sendo discutidos, caso o prefeito Kassab consiga levar adiante as transformações que estão sendo propostas, o que estar por vir vai ser algo maravilhoso. Então, posso dizer, as perspectivas para o futuro são mais que animadoras. NdG: Nós temos um contato muito próximo com a ABPC [Associação Brasil das Pistas de Competição] tendo em vista que o movimento que criou os Nobres do Grid teve em Ronaldo Nazar, presidente da ABPC, um dos seus criadores. Inclusive, foi entre nós que o grande Francisco Lameirão apresentou o esboço do projeto de resgate do traçado antigo do autódromo – dentro do possível. Será que nós, os – digamos – mais saudosistas, podemos ter esperanças de ver esta idéia vir a se tornar real? Chico Rosa: "Vivi momentos de grande emoção nestes anos de Fórmula 1 aqui em Interlagos... mas o maior foi a vitória do Moco." Chico Rosa: Um projeto como esse depende mais deles mesmos, da ABPC, No caso, do que de nós. A medida que alguém, ou alguma instituição começa a se despontar, a trazer propostas interessantes e coisas que realmente somem, será sempre bem vindo. É muito bom ver pessoas interessadas e dedicadas em apresentar coisas para melhorar o que existe hoje. NdG: Nos seus tempos de Minardi, quando a equipe vinha para cá com todo o chamado ‘circo da F1’, alguma vez o Sr. viu ou ficou sabendo de pessoas de dentro das equipes fazendo reclamações sobre Interlagos? Se ouviu, quais eram ou quais são? Octávio Guazzelli: Nas equipes onde passei eu nunca ouvi nenhuma reclamação a não ser aquela que era dos pilotos em relação as ondulações na pista, principalmente nos finais de reta e que, realmente, eram um problema, mas que deixou de existir desde 2007, quando foi feita a reforma do asfalto. O problema não só acabou como hoje, o asfalto de Interlagos é considerado pela FIA um dos três melhores do atual calendário da F1. é evidente que o autódromo precisa de reformas, melhorias, evoluções, reparos, adequações, mas a pista é considerada de um traçado interessante, com relevo e algumas características do circuito antigo e cujo o asfalto é dotado de uma tecnologia fantástica, tendo na sua composição a FMA [fibra mineral artificial] que feito com uma matriz pétrea muito agregada, e que dá qualidades e características excepcionais, inclusive no aspecto que permitiu a eliminação das ondulações, além do excelente grip, do escoamento de chuva... a qualidade deste asfalto e de toda a tecnologia aplicada à ele pela organização do GP Brasil é top no mundo e está sendo exportada para outros lugares, por interesse da própria FIA. NdG: Este tipo de cobertura asfáltica foi desenvolvida aqui no Brasil? Chico e Octávio: "Sem a F1 seria impossível manter Interlagos funcionando e sem Interlagos, o automobilismo brasileiro implodiria". Octávio Guazzelli: Ela foi aplicada aqui. Ela é um conceito que existe há tempos, desde os anos 60, mas não é aplicada em escala aqui no país. Todo processo passa desde a escolha e dimensionamento da brita, o tipo de perfil desta brita... há todo um detalhamento no processo que inclui uma inoculação de celulose na massa asfáltica in natura... existe toda uma tecnologia que vai além da aplicação em si e que vai desde a temperatura em que é feito o serviço, pois numa temperatura mais baixa a rigidez da massa asfáltica é obtida muito mais rapidamente e isso implica que, se houver um erro na aplicação, não tem como consertar. Tem que quebrar e refazer. Além disso, na aplicação, para que as ondulações fossem não só corrigidas, mas zeradas, foi gabaritado o parâmetro para que quando houvesse qualquer alteração de aplicação, esta não passasse de 3mm para cada trecho de 10 metros linear. O tipo de equipamento e a forma como foi usado no relevo que é uma particularidade de Interlagos e que é um desafio extra que é imposto a que tenta fazer um trabalho como este aqui, que é muito mais difícil do que fazer uma aplicação numa superfície plana e lisa, faz com que se possa dizer que esta tecnologia foi desenvolvida aqui, com este resultado tão qualificado e tão sofisticado que é o que nós temos. Voltando ao início da pergunta, quanto aos boxes, nunca houve queixas, os boxes de Interlagos são extremamente bons, amplos, o que poderia gerar uma queixa seriam as portas, um pouco baixas para as condições deste momento, mas que, quando foram projetadas, atendiam ao que a categoria pedia. Quando foi feita a reforma em 1990, Monza também foi reformado e não tinha a mesma qualidade, na visão das equipes. Claro que, com o passar do tempo, com o aumento da estrutura das equipes, dos regulamentos... uma equipe de F1 trabalhava com 35 a 50 pessoas, hoje ninguém tem menos de 70/80 na pista. Destes, 20 a 30 são engenheiros que não vinham a pista porque não havia a especialidade deles, que é a minha: a telemetria, que se fazia com duas ou três pessoas na época. Houve uma mudança de ‘centro de gravidade’, de necessidades específicas ao longo dos anos. Ano passado havia reabastecimento nos pits. Este ano não tem mais e isso impunha uma série de regulamentos de segurança que este ano não são mais usados. A própria dinâmica da F1 impõe aos autódromos novas variações que faz com que nem todos ou praticamente nenhum autódromo esteja capacitado a, instantaneamente, absorver. Por isso que são feitas as reformas antes das corridas em todos os autódromos do mundo e procura-se, em alguns autódromos quando se tem um projeto novo, incorporar todas estas tecnologias adquiridas ao longo dos anos para que as novas demandas sejam atendidas. NdG: Em outras palavras: sempre que a F1 vai para um país como quando vem aqui para o Brasil, há a real necessidade de se preparar o autódromo para receber a categoria. A pergunta é: não tem exigências que são feitas que, digamos, excedam o bom senso, que sejam um pouco exageradas? Octávio Guazzelli: Eu vou deixar para o Chico responder esta, pois ele tem muito mais tempo vivenciando isso do que eu, que, como administrador, está sendo meu primeiro GP, mas pela minha visão, vendo acontecer por dentro, e digo isso porque, de fora, eu poderia até ter esta visão com algum ceticismo de que há exageros, que há preciosismos em algumas exigências da FOM. A gente precisa analisar a questão como ela é: existe um contrato da prefeitura da cidade de São Paulo com a FOM aonde a prefeitura entrega o autódromo dentro de condições e pré-requisitos pré-estabelecidos. Uma destas condições é de que haja uma inspeção da FIA 30 dias antes do evento se iniciar e o início do evento não é no domingo, dia da corrida, é na quinta-feira, quatro dias antes da prova. Ou seja, a largada é dia 7/11, a quinta-feira é dia 4/11, então a inspeção e a aprovação tem que ser dada no dia 4/10, trinta dias antes. O autódromo fechou para as obras no dia 6 de setembro, um dia após a etapa da Stock. No sábado, dia 4/09, nós já estávamos alocando na perimetral, na periferia do autódromo, máquinas e equipamentos que, mal terminada a etapa da Stock, com a saída dos caminhões das equipes, essas máquinas já entraram no autódromo para começar os trabalhos. O que eu posso dizer é o seguinte: sem as pessoas conhecerem a real demanda, sem ver e acompanhar o processo que é feito aqui dentro é até leviano se fazer qualquer consideração sobre cronologia dos eventos. O que eu percebo é o seguinte: existe uma necessidade técnica, de fato, de haver este tempo dado o tamanho das intervenções e a especificidade delas. Por exemplo, existem obras que estão sendo feitas nas zebras e nas áreas de drenagem que são de vital importância para o bom andamento da prova e para a segurança. No escoamento de águas pluviais nós nos deparamos com problemas fortíssimos e que não eram previsíveis no início. Tudo isso foi feito num prazo extremamente limitado, porque o GP tem dia no calendário marcado com mais de um ano de antecedência. Já nos aspectos da estrutura fixa do autódromo, que talvez seja o ponto mais delicado do processo, a forma com que o autódromo é usado e a manutenção não adequada durante este período de nove, dez meses, acabam acarretando algumas reformas e/ou reparos de recuperação do que se deteriorou ao longo deste período. Então é revisto todo o cabeamento elétrico e todo o cabeamento de comunicação, de TV e internet, revista toda a tubulação de gás e ar comprimido, todo o sistema hidráulico. A pista de Interlagos tem 4.309 metros, de cabeamento elétrico nós temos mais de 30 Km! Toda a parte de fiação, bocal de lâmpadas, tomadas é revista, além da pintura completa, por dentro e por fora de todas as estruturas, nos mínimos detalhes. E tudo isso, em concomitância com a montagem de todas as estruturas tubulares, hospitality centers, etc. o autódromo tem arquibancadas fixas para 30 mil pessoas e são montadas estruturas para receber mais 40 mil. Fazer tudo isso demanda tempo e aí vocês podem questionar: se tivéssemos tudo isso já feito, valeria? O problema é que temos dois ou três eventos que chegam perto disto aqui, no mais, ia ficar tudo ocioso por, digamos, 90% do tempo. Isso não é uma conta muito equilibrada. Mesmo que tivéssemos esta estrutura pronta, a inspeção de pista da FIA 30 dias antes é a que mais conta, pois são as principais preocupações e que devem ser cumpridas à risca. Além de tudo isso, há trabalhos que, para serem feitos, não pode ser sob chuva ou umidade relativa alta, por prescrição do fabricante, e isso pode demandar um tempo extra e para isso, precisamos estar prevenidos. Cumprir com as especificações é vital para a qualidade final do produto ser aquela desejada e para isso, temos que “pagar o preço” de ter que ter tempo para fazer tudo. Chico Rosa: "Interlagos é uma das pistas mais utilizadas do mundo. Ter outras pistas no estado seria algo muito bom para nós." Chico Rosa: Além disso tem mais uma coisa que deve ser levada em conta: Interlagos é uma das pistas mais utilizadas do mundo! Então, o que a gente faz é o seguinte: a gente tem uma chance de fazer obras. “A gente destrói o ano inteiro para poder construir na época do grande prêmio”. O que é feito durante este período de preparativos para a F1 é que se prepara o autódromo para ser usado o ano inteiro, até o próximo GP. O que a gente vem conversando, eu e o Octávio, e nós temos a mesma filosofia, é que precisamos conseguir fazer obras durante o ano de alguma maneira. Para isso seria necessário termos grupos de trabalho predefinidos, algo que ainda não temos. NdG: Recentemente o Bernie Ecclestone fez mais uma série de críticas à Interlagos, em especial à área do paddock. Entre as possíveis ou prováveis obras futuras, já havia um planejamento de alterações nesta área? Octávio Guazzelli: Existem idéias e já conversamos sobre isso. O Chico conhece muito bem o Bernie Ecclestone e eu conheço um pouco. É obvio que ele busca o que é melhor para a F1 e esta busca constante de querer sempre o melhor é o que faz da F1 ser o que é. Nós não podemos discordar dele quando ele exige que um autódromo esteja cada vez mais capacitado para a F1. No caso de Interlagos existe um jogo de compromisso entre aquilo que é necessário ser feito e a necessidade de reformas, já está delineado num plano diretor e um projeto específico para isso que a gente vem lapidando dentro da nossa participação neste projeto. Sabemos que há necessidade de se adequar o paddock, que é realmente muito estreito para os padrões atuais, mas a reforma tem que ir além de ampliar, mas também readequar o espaço de forma que ele seja o melhor aproveitado possível. Enquanto a F1 está na Europa, existe um suporte de 5 a 6 carretas – caminhões – por equipe... e isso é apenas o suporte de equipamento. É lógico que os autódromos mais recentes possuem áreas adequadas para esta configuração atual da F1. O que estamos vislumbrando é: qual a melhor adequação que podemos realizar para que não se faça nenhum elefante branco, mas que possamos atender bem as necessidades das equipes. NdG: Com relação a estes autódromos mais modernos e todos os prerequisitos que tem que ser cumpridos em relação ao regulamento da FIA e às solicitações da FOM, o autódromo da Koreia, onde foi feita a etapa anterior a Interlagos, os prazos e as determinações do regulamento não foram cumpridos... aprovaram o autódromo às vésperas da corrida (o regulamento manda 30 dias). Isso não causa uma certa frustração nos administradores – isso inclui todos – dos outros autódromos? Algo do tipo: usaram dois pesos e duas medidas? Chico Rosa: Eu acho que não porque isso é uma coisa que é até comum acontecer. Não será a primeira vez e não será a última. Interlagos já passou por isso no passado. Acontece que o pessoal lá na Koreia sofreu, como todo mundo, com o ‘noviciado’ [problema de ‘dentição’, completou Octávio, para risos gerais], de se estar fazendo pela primeira vez um GP de F1. Octávio: "O asfalto de Interlagos está entre os 3 melhores do mundo e a tecnologia daqui está sendo exportada para outras praças." Octávio Guazzelli: O que acontece é que, sendo a F1 um grande negócio, os interesses na Koreia eram e são muito grandes. Existem duas grandes empresas na Koreia [LG e Hyundai] que estão por trás do esforço de se fazer este GP. A FOM e a FIA são suficientemente organizadas para fazer acontecer um GP, mesmo tendo um prazo menor do que o normal, mantendo o padrão de qualidade e segurança fundamentais. Eles não abririam mão disso em hipótese alguma, nem com todo o interesse comercial. Este tipo de coisa pode acontecer, como aconteceu na copa do mundo de futebol, na África do Sul, onde, na semana de abertura, ainda havia estádios em obras... e nem por isso a copa deixou de acontecer ou qualquer país saiu na imprensa para se dizer prejudicado. Com relação à F1, o que nós fazemos é trabalhar para que o GP do Brasil continue acontecendo e que isso se mantenha independente de quantos novos circuitos venham a surgir pelo mundo. Nós não podemos é ficar para trás e perder este patrimônio nacional cultural que é o GP Brasil de F1, que já é o sexto mais antigo, em longevidade, na história da F1, e posso dizer que Interlagos é considerado um dos mais importantes e tradicionais circuitos do mundo, ao lado de Indianápolis, de Nurburgring, de Spa-Francorchamps, de Monza e Silverstone. Em comum, todos eles passaram ao longo do tempo, por reformas, por adequações e que vão continuar passando, pois não poderiam estar em funcionamento sem as reformas e adequações necessárias. Além disso, todos foram de fundamental importância na formação de gerações e gerações de pilotos. NdG: Até quando vai o contrato com a FOM para a realização do GP Brasil em Interlagos? Chico Rosa: Até 2014. NdG: Já existe alguma conversa, alguma negociação, alguma intenção da FOM/FIA pós 2014? Chico Rosa: Evidentemente que nós mantemos um canal aberto de conversação com os dirigentes da categoria e as reformas e melhorias feitas ano a ano vislumbram dar garantias técnicas de que, quando da renovação do contrato, bem como o da licença FIA [certificação do autódromo para receber competições de categorias homologadas pela entidade], Interlagos estará em condições, não só agora, mas neste futuro próximo vindouro, de receber a F1 com todas as qualidades e atributos necessários. NdG: Esta reforma que é feita ano a ano, quem a custeia? Octávio Guazzelli: A obra é custeada pela prefeitura. Existem basicamente dois grandes processos: um, que são as obras de pista, que são feitos pela São Paulo Obras e o da adequação das instalações permanentes e instalação das estruturas provisórias é feita pela São Paulo Turismo. Ambos com uma verba que é repassada pela prefeitura. Chico Rosa: Este ano, só para dar uma idéia do que a prefeitura gastará mais de 10 milhões de dólares para preparar Interlagos para a corrida. Porque se gasta isso? Existe um estudo da FIPE [Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas] de que, o valor investido na realização do GP Brasil de F1 retorna para a cidade, apenas em geração de impostos, em mais de quatro vezes este valor, fora a exposição de mídia que dura pelo menos uma semana. NdG: Sem a Fórmula 1, seria possível mantermos Interlagos? Chico Rosa: Interlagos fecharia! Octávio Guazzelli: Existe uma equação e ela é muito clara: sem a F1 não há como manter Interlagos e se Interlagos implode, implode o automobilismo brasileiro! É necessário que as pessoas tenham consciência desta equação para que vejam o quanto ela é benéfica para o automobilismo. NdG: Bem, sendo Interlagos um patrimônio público, os senhores estão sempre sujeitos à algumas idéias geniais de alguns políticos e seus mirabolantes projetos. Como proteger Interlagos destas criativas propostas que surgem vez por outra? Chico Rosa: "Nós mantemos um canal aberto com a FIA para discutir as melhorias que precisam ser feitas e outras mais virão." Chico Rosa: Essas coisas são realmente complicadas... mas o bom senso, na maioria das vezes, vence. Interlagos já esteve para ser fechado, inclusive, e mais de uma vez. Ter como colocar na mídia os benefícios de se ter Interlagos, como autódromo, para a cidade. No caso de uma privatização, de uma venda, é algo muito difícil de acontecer, pois como investimento privado não é um grande negócio, de geração de lucros. Quanto à realização de eventos que não sejam de corridas, desde que gere benefícios e receita, eles não são um problema. NdG: Além das “ameaças externas”, com os novos circuitos surgindo pelo mundo, temos agora uma possível “ameaça interna”, com os planos para a construção do novo autódromo do Rio de Janeiro, em Deodoro. Como os senhores tem analisado este futuro concorrente? Octávio Guazzelli: Eu passaria a considerar como um risco real no dia que o Rio de Janeiro construir um kartódromo decente! Não adianta querer fazer um autódromo sem se ter um kartódromo. Que não se pense que falo isso tripudiando da realidade do automobilismo carioca. Lamentavelmente isso é uma piada que se faz no meio e um novo autódromo não seria um concorrente, seria muito bem vindo. Seria algo a se somar para o engrandecimento deste esporte e eu estendo isso para São Paulo. Nós deveríamos, poderíamos ter, perfeitamente mais dois grandes autódromos, até mesmo próximo à capital. Campinas poderia, perfeitamente, ter um autódromo na região. Ribeirão Preto poderia ter um autódromo também... NdG: Tudo indica que este, pelo menos, pode vir a tornar-se realidade... Octávio Guazzelli: Eles fizeram uma prova de rua por lá e devem ter visto o potencial que é ter um local adequado para se fazer corrida. Agora, fazer um autódromo em Deodoro, no Rio de Janeiro, parece um desperdício de dinheiro. Por que não recuperar Jacarepaguá? NdG: É que vai ser construído o complexo olímpico ou o “parque dos elefantes... brancos”, para complementar os que lá já estão [arena que tem shows e não jogos, piscina que ninguém treina e raramente compete e o velódromo que virou set de gravação de novela]... Octávio Guazzelli: Isso é o que está dito... mas até agora nada se fez e vamos ver se vão fazer mesmo. Este é um dos problemas da gestão pública: entre o ouvir dizer e o fazer, tem um oceano no meio... NdG: Mas o projeto do parque olímpico foi apresentado junto com a candidatura às olimpíadas... Octávio: "O que vai acontecer no futuro próximo com Interlagos vai ser algo que trará benefícios para a cidade como um todo." Octávio Guazzelli: Muito do que deveria ter sido feito para o ‘pan’ não saiu do papel... mas esta é uma opinião minha. Acho que devem existir prioridades para o automobilismo do Rio de Janeiro e mesmo nacional. Primeiro tem que ter um kartódromo para se formar pilotos e aí ter um autódromo NdG: E como vai ter eleição para prefeito em 2012, dependendo de quem for eleito, nem em Deodoro e nem em lugar nenhum... Octávio Guazzelli: Este é outro problema do qual o automobilismo carece: a forma como ele é tratado. Não se respeita a importância e sua relevância dentro da história do esporte nacional. Nós temos mais títulos mundiais na F1 do que em copas do mundo. E esta forma até leviana de se fazer as coisas em benefício de pequenos grupos e de resultados imediatos não funciona para o automobilismo. É por isso que o automobilismo no Brasil é tão debilitado em relação a outros grandes centros. Não é falta de intercâmbio, cultura ou vivência e aqui está o Chico Rosa que tem mais de 40 anos dentro do esporte e o sucesso que o automobilismo brasileiro alcançou, a ponto de estarmos fazendo o 39º GP Brasil de F1 e este ser o sexto GP mais longevo da história da categoria. Interlagos deveria inspitar os gestores públicos para, quando fosse pensar em fazer algo pelo automobilismo, fizesse não só com gente do ramo, mas fizesse com uma inteligência e uma visão administrativa de longo prazo. Não só para uma gestão. NdG: O que o torcedor, o fã de automobilismo pode esperar em relação ao futuro de Interlagos? Octávio Guazzelli: Que Interlagos continue sendo o que ele é e se torne cada vez melhor, sendo um local mais do que adequado para se fazer o que existe de melhor em competição automobilística, de ter instalações cada vez mais confortáveis, em termos de acomodação, acessibilidade, comodidade que Interlagos, que é mais que um autódromo, é um templo da velocidade, possa vir a oferecer. O time dos Nobres do Grid ganhou um grande reforço com Octávio Guazzelli. Chico Rosa já fazia parte há tempos... NdG: Como sempre fazemos, toda personalidade que entrevistamos recebe uma camiseta do site dos Nobres do Grid, que tem como padrinho o nosso grande Luiz Pereira Bueno... a do ‘seu’ Chico a gente já está devendo à tempos e agora temos a oportunidade de presenteá-los e agradecer muitíssimo pelo tempo disponibilizado para nós. Chico Rosa: e Octávio Guazzelli: Como estas camisas são vendidas, nós gostaríamos de colaborar, comprando as camisas que, como você nos disse, tem seu valor depositado na conta do Luizinho. NdG: Estamos à disposição caso os senhores queira comprar para dar de presente, para a família... mas estas aqui são de presente mesmo, de coração. |