Ken Block, piloto de ralis americano, morreu tragicamente no passado dia 3 de janeiro, aos 55 anos, na sua quinta no Utah, onde estava a passar uns dias com a familia, depois do Ano Novo. Sofreu um acidente fatal enquanto andava a relaxar com amigos numa moto de neve. Esta escapou-lhe das mãos e caiu em cima dele, causando morte imediata. E claro, as ondas de choque por este final abrupto e inesperado foram enormes. Todas as personalidades importantes do automobilismo deram as suas homenagens, realçando a pessoa e admirando as suas habilidades ao volante de um carro de ralis. Alguns dias depois, a FIA e o WRC decidiram que o número 43, o número que o piloto americano usou ao longo da sua carreira, não seria mais usado. É o primeiro número a ser retirado no Mundial de ralis, porque isto é dos números fixos é algo muito recente. Creio que seja algo com pouco menos de uma década, e são ainda poucos os números identificativos. Por exemplo, tirando o 69 de Kalle Rovanpera, quem acompanha o Mundial de ralis há quase quatro décadas, como eu, não conhece qualquer piloto com determinado número. Colin McRae? Durante muito tempo andou com o número 3, nos tempos da Subaru, mas quando foi para a Ford, usou o 4. É um exemplo. E ainda há outra coisa: os números individuais retirados de uma categoria não se transferem para outra. Um bom exemplo é o 17, número retirado na Formula 1 por causa de Jules Bianchi, mas Sebastien Ogier o usa para correr no mundial de ralis. Alguns poderão dizer que é a cópia de uma tradição americana, mas os números são das equipas, quer na NASCAR, quer na Indycar. Há imensos pilotos que andam com números icónicos – o 14 de A.J. Foyt, na Indy, ou o 43 de Richard Petty, na Stock Car americana são dois exemplo – mas bem vistas as coisas, temos de ir às modalidades americanas como o baseball, o basket, o futebol americano, o hóquei no gelo, para encontrar a origem desses números individuais e porque é que os reitram quando encerram a carreira. Mas faço a pergunta: que razão alguém como a FIA e o WRC decide tomar uma atitude destas, de um piloto que só conseguiu 18 pontos no total e como melhor resultado um sétimo lugar no Rali do México de 2013? Um piloto cuja carreira foi muito marginal, que começou muito tarde, nunca foi um piloto oficial de qualquer marca e sequer foi campeão nacional na América? A resposta foi uma: impacto. Ou se preferirem ser especificos, as "Ghynkhanas". E os americanos sabem montar um espectáculo. A primeira aconteceu, salvo erro, em 2008. Block, um dos fundadores da DC Shoes e com experiência no skate, tinha-se apaixonado pelos ralis e começara a experimentar graças ao seu contacto com Travis Pastrana. Entretanto, surgira o Youtube, na onda da Internet 2.0 e aquilo a que se convencionou chamar de “redes sociais”. Bastou pegar umas câmaras, desenhar um percurso, arranjar um carro e o resto é história. A primeira experiência foi um sucesso, mas creio que o mundo só conheceu quem era Block e o que eram as “ghynkhanas” no ano seguinte, quando se mostrou ao mundo graças à sua passagem pelo programa britanico “Top Gear”, quando guiou um dos seus apresentadores da altura, James May, num percurso feito de propósito para ser visto na televisão. Foi outro enorme sucesso, e Block regressou em 2015, para andar pelas ruas de Londres a bordo de um Mustang modificado de primeira geração, e sempre com o 43. Pelo meio, outra grande acrobacia, mas esta... involuntária. Quando em 2010 decidiu inscrever-se no Mundial de ralis, numa altura em que Sebastien Loeb dominava e tinha a presença de Kimi Raikkonen, que tinha tirado férias da Formula 1, Block, no alto dos seus... 42 anos, seria mais outra curiosidade para arrastar fãs que já tinha conseguido um pouco por todo o mundo, do que alguma ameaça para os pilotos profissionais. Quando se preparava para o rali de Portugal, que naquele ano era no sul do país, Block estava a dar cem por cento no "shakedown" quando exagerou numa parte e capotou o carro algumas vezes no ar, acabando totalmente destruído. Os estragos foram mais que suficientes para impedir de alinhar na prova, ainda antes de começar, e o vídeo do seu acidente deu a volta ao mundo. Com o passar dos anos, Block dividiu-se pelo rallycross - com alguns pódios - e um melhor palmarés que o WRC. A sua última participação foi em 2018, no rali da Catalunha. Não deixou de tentar a sua sorte no Rally America, tendo até a temporada de 2022 sido filmada para fazer (mais um) documentário no Youtube. Podia não ser o melhor piloto do mundo, mas sabia mostrar-se e "vender-se" aos apreciadores de emoções fortes. E no tempo onde a imagem é tudo, fazer parar as imagens para ver o pneu a milímetros do abismo é o que conta. Não interessa se é no porto de Los Angeles, ou à beira da estrada, em Pikes Peak, ou diante de um lago cheio de crocodilos nas Everglades floridianas. Ultimamente, tinha trocado os carros da Ford pelos Audi elétricos e andava um Hyundai WRC de 2021 na sua derradeira aventura americana. E até começava a passar a ideia de que haveria uma sucessora na sua filha mais velha, Lia, que agora tem 15 anos. Até a mais recente "ghynkhana" já nem foi ele como protagonista, acabou por ter Travis Pastrana como piloto. No final do dia, entende-se porque a FIA e o WRC tiveram este gesto de tributo a Block, mesmo com um palmarés inferior a Kimi Raikkonen, Robert Kubica ou a Carlos Reutemann, que são todos pilotos de Formula 1 que andaram em ralis. Se formos ver bem os critérios porque certas pessoas passam a estar no Hall of Fame, é o impacto que causaram na modalidade. E ele causou, embora noutros canais, noutras formas. Saudações D’além Mar, Paulo Alexandre Teixeira Nota NdG: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do site Nobres do Grid. Visite a página do nosso colunista no Facebook. |