O nome José Fernandes Lopes Martins pode, de início, passar desapercebido pelo leitor menos atento, mas se no meio do nome colocarmos seu apelido – Toco – certamente todos irão lembrar deste grande piloto que foi um dos astros da equipe Simca nos anos 60. José Fernandes “Toco” Martins nasceu em São Paulo, capital, no dia 19 de agosto de 1940, na Vila Pompéia, cresceu por lá e morou no bairro até casar-se. Quando mudou para Pinheiros. Filho mais velho do casamento de José Gaspar Martins Filho e Maria Guilhermina Whitecker Lopes (Toco teve apenas uma irmã, mas esta já é falecida). Os filhos do ‘seu’ Gaspar tinham uma vida tranqüila. Ele, bancário, tinha meios de prover uma boa condição e a mãe professora e dona de casa, compunham o típico esquema de família brasileira da época. Além das atividades profissionais, o pai de Toco era um exemplo para o filho também como desportista. ‘Seu’ Gaspar foi treinador da equipe olímpica brasileira de pugilismo nas olimpíadas de Helsink, na Finlândia. Na época, fora do trabalho, era mais conhecido por seu apelido – Paraná – que era devido a ele ter nascido na cidade da Lapa, no interior do estado. Seguindo a “tradição familiar”, o pequeno José Fernandes também ganhou seu apelido... e foi ainda na infância. Pequenino e gorduchinho, era constantemente chamado por seu avô de “Toquinho” que com o passar do tempo e o crescimento do garoto virou “Toco” e de tanto ter o apelido chamado nas reuniões de família, este acabou pegando e propagando-se entre os amigos. Desde cedo, quando ainda aluno do Colégio Rio Branco, Toco demonstrou interesse por mecânica e mesmo sem precisar trabalhar, pela boa condição que sua família tinha, empregou-se aos 13 anos como mecânico aprendiz em uma oficina não muito distante de casa. Foi lá que o perfil do mecânico começou a se formar. O passo seguinte foi a entrada para o SENAI, para fazer o curso de mecânica. Graças ao curso e o diploma, Toco conseguiu emprego em uma das principais montadoras de automóveis do país: a Simca. Foi na montadora de origem francesa que ele trabalhou de 1960 a 1967, quando esta foi vendida para a Chrysler. Toco, no início dos anos 60. De mecânico da Simca do Brasil, foi alçado a condição de piloto por seu conhecimento do carro. Desde o início trabalhou no departamento de testes e nele ficou por 1 ano no banco de provas, andando com carros e fazendo testes, especialmente de potência e resistência dos motores. Elevava-se a rotação até 6000 giros e, quando quebrava, parava-se e ia-se investigar o que havia quebrado. Foi então que a montadora decidiu montar seu departamento de competição e para lá ele foi transferido... para ser mecânico. Até então, não passava pela idéia de ninguém – nem do próprio Toco – vir a ser piloto. Como havia andado muito com o carro, especialmente na estrada velha de Santos, chegando a gastar um jogo de pneus a cada três dias, subindo e descendo o dia inteiro. Entre os pilotos que a fábrica havia chamado a grande estrela era o Ciro Cayres, mas também tinha o Zoroastro Avon, o Waldemir Costa e outros, entre eles, o jovem Jayme Silva. De início Toco havia sido chamado para ser mecânico, mas como havia andado muito com os carros, também acabou por ser alçado à condição de piloto. Na verdade, após pouco tempo, os pilotos efetivos da equipe eram apenas Ciro, Jayme e Toco. Os carros eram preparados por Toco e Jayme com uma equipe de três mecânicos. O trabalho era duro e a antiga estrada de Santos (aquela da música do Roberto Carlos) era um grande laboratório. Subidas e descidas durante todo o dia. Chegava-se a consumir um jogo de pneus em menos de três dias! Ao lado de Jayme Silva, por mais de uma década formaram uma dupla vitoriosa. Eram eles que testavam o carro para correr. Como a idéia agora era preparar os carros para a competição, forçava-se o carro até não se poder mais. Quebras de roda – “as rodas francesas (originais) não valiam nada!” Diverte-se, Toco. Quebrava muita ponta de eixo traseiro. O motor, que originalmente tinha 75cv, Toco e a equipe chegou a tirar 144cv de um deles (eram motores de 2,4 litros). Se hoje estes valores parecem pequenos, na época era muita coisa. Na verdade, Toco nunca havia pensado em ser piloto e, dentro da Simca, tinha uma verdadeira lenda das pistas que era o Ciro Cayres. Como eram mais jovens e menos experientes, Toco e Jayme procuravam compensar a diferença com mais dedicação, mais trabalho, varando noites na fábrica. Isso deu aos dois um conhecimento do carro muito grande. A primeira corrida disputada por Toco foi em Araraquara, em agosto de 1962, com um Simca Cambord equipado com um motor de 2432cc. Acabou abandonando, mas aquele era só o início de tudo. Passados pouco mais de 40 dias, no circuito da Barra da Tijuca – em dupla com Ciro Cayres – o Simca Chambord nº 44 cruzou a linha de chegada em 2º lugar. Na sua primeira corrida, Toco teve um papel importante. Correu para a equipe, mas enquanto esteve no volante, liderou. O Simca era um carro muito pesado e a corrida era de rua. Os DKW eram os favoritos neste tipo de prova, mas se os carros de maior cilindrada, como os Simca, largassem na frente, seria muito difícil para eles passarem e foi engraçado porque o Toco foi “empurrado” para a pista. Ser piloto não estava nos planos, acabou virando um! Esta prova tem um detalhe que, o motor do carro de Toco foi um motor preparado para responder mais rápido. Ele pulou na ponta e ficou segurando, o quanto pode, para os outros carros da equipe andar junto com os DKW. Aquele ano de estréia ainda renderia mais dois pódios: Em dezembro, correndo no carro com Ciro Cayres, Jayme Silva e Danilo Lemos, terminaram em 3º as I 500 Milhas de Interlagos. O interessante detalhe desta prova é que um dos carros da equipe quebrou e os quatro pilotos inscritos pelo time se revezaram ao volante dos dois carros, Simcas Chambord números 26 e 44. Em Interlagos, com suas subidas e descidas o pesado Rallye sofria ante aos carros mais leves, apesar da sua velocidade final. No na seguinte, em 1963, quatro corridas disputadas, com dois terceiros e dois abandonos... mas aquele ano teria um fato muito especial na vida deste nosso herói: foi o casamento com Maria Luiza Marcondes Martins, com quem namorava há um ano e com quem viveu por 47 anos (D. Maria Luiza veio a falecer em setembro de 2010). Do casamento vieram um casal de filhos. O filho de Toco trabalha com ele, na atual oficina, na parte de remoção de trincas em vidros e a filha mora nos Estados Unidos. Se no início os DKW eram um problema em algumas provas, logo surgiu outro ainda maior: as Berlinetas Interlagos. As retomadas para os pesados Simca eram um problema e mesmo sendo velozes, considerando-se a velocidade final, o resultado final deixava os Chambords e Rallies em desvantagem. Quando a Simca trouxe os dois Abarth 2.0, o cenário mudou. Todos comeram poeira e Toco era presença constante no pódio. A situação só mudou quando a fábrica importou no segundo semestre de 1964 dois Simca Abarth, com motor 2.0, para acabar de vez com o domínio da concorrente também francesa, a Renault. Logo na primeira prova disputada, a sétima edição dos 500 Km de Interlagos, Toco venceu, em dupla com Ciro Cayres (cujo o carro quebrou e ele foi fazer dupla com Toco). Seria a primeira de uma série de vitórias. Ainda no mesmo ano, Toco guiou nos dois carros da equipe na primeira prova de 6 horas em Brasília, revezando-se com Jaime Silva, no carro 26, e com Marivaldo Fernandes, no carro 44. terminando em 2° e 3° lugar, respectivamente. Em 1965 foram nove provas disputadas, com algumas sendo com o modelo Rally e ainda com a estréia do protótipo Tufão. Mas foi com o Abarth que vieram mais duas vitórias, em Brasília e São Paulo, em provas de 12 horas. A prova de Brasília teve um sabor e um valor especial, pois tendo ficado sem freios durante a maior parte da prova, conseguiram conter o assédio de José Carlos Pace e Wilsinho Fittipaldi. Toco (ao lado de Jayme Silva) recebendo um dos inúmeros troféus ganhos ao longo daqueles anos com os Abarth. No final deste ano os Abarth tiveram que retornar para França e uma outra realidade se desenhava. A Simca, em 1966, participou de poucas corridas oficiais e os resultados não foram dos melhores. Em 1967 a venda da montadora para a americana Chrysler acabou por encerrar as atividades do departamento de competição. A Chrysler ofereceu a Toco a sua volta ao departamento de mecânica e peças, mas o piloto não aceitou. As vantagens de ser um piloto (carro da firma, não ter horário para entrar ou sair além de um salário diferenciado. Salário de piloto! Não era uma fortuna, mas era melhor do que o de mecânico. Além disso, tinham os prêmios) deixariam de existir e isso seria um retrocesso após tantos anos de experiência adquirida. Toco – e Jayme, que também não aceitou outra função – deixou a fábrica. Naquele ano Toco ainda correu uma prova: os 500 Km de Interlagos, ao volante de um Fórmula Vê com chassi Aranae, em dupla com o piloto Aylton Varanda. A prova não chegou ao fim para os dois, que abandonaram depois de um acidente sem maior gravidade. Depois de seis anos longe das pistas, foi ao volante de um Dodge Charger que Toco voltou às pistas. Era o reinício. Toco propôs a Jayme Silva e Ciro Cayres montar uma oficina. Ciro não topou entrar na empreitada, indo trabalhar na GM, mas Jayme Silva acabou fechando acordo e dando início a mais uma parceria vitoriosa que durou muitos anos. A oficina aberta na Rua Iguatemi rendeu bons frutos e dividendos. O engenheiro Jacques Pasteur, que chegou a ser presidente da Simca e era um entusiasta por corridas, deu o maior apoio aos dois ex-funcionários. Na verdade, deu muito mais que isso, transferindo para a oficina todo o material de competição que existia nos almoxarifados da Simca... sem custo! Foram dois caminhões de material diferenciado, coisas que não eram disponibilizadas nos carros de passeio. O Simca foi o grande carro do país por muito tempo e muita gente que conservou seus carros acabava indo buscar na oficina dos antigos pilotos o material para manter seus carros rodando... ou correndo! Os gaúchos criaram uma verdadeira “trade” de comércio de peças de São Paulo para o Rio Grande do Sul. Apesar do “Know How” adquirido com os anos de competição, a oficina não preparava carros para competição, apenas vendia peças para quem corria e cuidava de carros particulares. A oficina que tinha em parceria com Jayme Silva era referência na preparação de carros da divisão 1. Daí eles foram p/ a pista. Toco ficou longe das pistas por seis anos, retornando às competições apenas no ano de 1973, nas I 25 Horas de Interlagos, onde correu ao volante de um Dodge Charger, com um V8 de 5 litros, na companhia do antigo parceiro de volante e sócio de negócio – Jayme Silva – mas não chegaram ao final da prova. Ainda naquele ano, correu em dupla com Koji Yamanishi, novamente ao volante de um Dodge Charger, com um V8 de 5 litros, os 500 Km de Interlagos. A carreira nas pistas estava retomada. No ano seguinte, Toco correu apenas as 25 horas de Interlagos, mas os planos de um retorno em grande estilo já estavam traçados. A Equipe montada em parceria com Jayme Silva e com o apoio da Tenenge, com o suporte técnico do Engenheiro Luiz Antônio Coli e uma retaguarda de primeira linha, propiciou a experiente dupla voltar aos tempos de glória e sagrar-se, ao final do ano, campeão paulista da Divisão 1. Com o apoio da Tenenge, Toco sagrou-se (novamente com Jayme) campeão peulista da Divisão 1 e foi contratado pela Hollywood. O sucesso de Toco foi tamanho que ele foi convidado a fazer parte da poderosa equipe Hollywood, a mais bem estruturada equipe da época no Brasil. O melhor resultado conquistado foi um terceiro lugar nas 6 horas de Interlagos, em dupla com Marinho Amaral. Aquela foi a última prova de José Fernandes ‘Toco’ Martins como piloto. Após deixar as pistas, Toco continuou dedicando-se à competição, mas na mecânica, houve tempos em que até sete carros eram “feitos” na oficina de Toco e Jayme, já na Rua Fradique Coutinho, na altura do número 1600, por conta da credibilidade que ambos tinham. Em 1975, uma foto rara (pelo bigode) Toco esteve mais uma vez no alto do pódio... A corrida dos campeões foi uma das últimas. Depois disso, eles montaram uma enorme oficina, na rua Fidalga, 814, onde hoje fica a Bavária Comercio de Peças, com mais de 1000 metros quadrados e uma das melhores – se não a melhor – estrutura de São Paulo. Contudo, o “casamento” entre Toco e Jayme entrou em crise por conta dos negócios e a oficina acabou fechando... e assim ficando por mais de cinco anos. A amizade dos dois, parceiros de tantos anos, deteriorou-se. Foi nesta época que eles foram procurados por Affonso Giaffone, que estava na GM junto com o Edgar de Melo Filho e a proposta era para que a oficina dos dois preparasse o carro da dupla, com suporte de peças da GM, que bancaria tudo. Contudo, foi justamente esta negociação que acabou por terminar com a sociedade e a amizade entre eles. Como muitos dos pilotos de sua época, pouca coisa do acervo permaneceu. Contudo, o espírito amigável e o sorriso ficaram. Toco foi tocar sua vida sozinho, e abriu outra oficina, desta feita em sociedade com a esposa, e que está em funcionamento até hoje. Profissional bem sucedido e oferecendo um serviço de grande qualidade, sua oficina é uma referência no bairro de Pinheiros. Se o amigo leitor precisar de um bom serviço de funilaria, mecânica em geral e recuperação de para brisas, pode ir no bairro de Pinheiros, na Rua Fradique Coutinho, 220. Aproveite para tirar uma foto e pedir um autógrafo para esta lenda viva das nossas pistas. Quem for na oficina do Toco vai ter - com certeza - além de um ótimo atendimento, muita história para ouvir deste campeão. Dá até para ouvir uma boa história daqueles tempos em que se fazia automobilismo por paixão e dar umas boas risadas com o bonachão José Fernando ‘Toco’ Martins. Fontes: Revista Autoesporte; Revista Quatro Rodas; Jornais da época; Depoimentos e fotos do piloto. |