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Nuvolari em Le Mans PDF Print E-mail
Written by Administrator   
Friday, 26 May 2023 23:07

Do piloto italiano Tazio Nuvolari, Ferdinand Porsche disse, certo dia, em jeito de elogio, que "era o melhor piloto do passado, do presente e do futuro", devido à sua capacidade de controlar carros, especialmente os com motor traseiro. Isso porque ele, vindo das motos, conseguia adaptar a condução nesse tipo de máquinas, com motor em posição central, do qual Porsche equipou todos os seus carros de corrida e de estrada, como seu design de marca. O "Mantuano Voador", um ser humano extremamente supersticioso - apenas se vestia de polo amarelo e calças azuis e tinha como simbolo uma tartaruga - nasceu há 130 anos, naquela cidade do norte de Itália, e morreu há 70, de velhice, na cama, numa era onde um erro significava, muitas vezes, perder a vida.

 

Contudo, se nesta altura, poucos de nós o viram correr ao vivo - agora, somente em filme - muitos afirmam que a sua melhor vitória poderá ter sido o GP da Alemanha de 1935 onde ele, com o seu Alfa Romeo relativamente ultrapassado, bateu os Flechas de Prata da Mercedes e da Auto Union no Nurburgring Nordschleife, que fez calar cerca de 200 mil alemães e a organização, que de tão convencida que iria ganhar um alemão, sequer tinha um disco com o hino (monárquico) italiano. Algo que Nuvolari, sempre previdente... tinha na sua mala. 

 

 

Até pode ser essa a sua grande vitória. Mas a existir um segundo lugar, muito próximo dele é algo que quase ninguém sabe: é que ele já ganhou as 24 Horas de Le Mans. Faz agora 90 anos e a maneira como conseguiu é matéria de lendas. 

 

ALFA ROMEO CONTRA O RESTO

 

A França e a Europa ainda estavam sob os efeitos da crise de 1929, que levou, por exemplo, ao fim do domínio dos Bentley na corrida de Le Mans. Com a fábrica a retirar os seus carros, em 1931, e os franceses ainda a sofrerem com os efeitos da crise - havia apenas um Lorraine-Dietrich e um Bugatti entre os que alinharam na partida - e alguns britânicos, como um Bentley "Blower" privado, um Aston Martin Internacional, também privado, para além de dois inscritos pela marca, na classe 1,5 litros, e um Riley Brooklands oficial e um privado.

 

Restavam os Alfa Romeo, com os seus 8C-2300 MM-LM, especifico para esta corrida. Contudo, nenhum dos carros era oficial. Eram todos privados, porque o novo presidente da marca, Ugo Gobatto, escolhido pelo governo fascista de Benito Mussolini – a Alfa fora resgatada em 1926 pela IRI, Instituto di Riconstruzione Industriale, ou seja, pertencia ao Estado - decidiu retirar a equipa no final de 1932, mas ele deixou que os carros foram vendidos a privados. E por causa disso que grande novidade foi que os vencedores do ano anterior, o francês Raymond Sommer e o italiano Luigi Chinetti, corriam separados. E seria Sommer que teria Tazio Nuvolari como seu co-piloto. Chinetti andaria com outro francês, Philippe Varent - que não existia, era apenas o "nom de guerre" de Philippe de Gunzburg. Outros Alfas presentes eram os do monegasco Louis Chiron, que corria com o italiano Franco Cortese, o do outro francês, Guy Moll, que corria com o seu compatriota Guy Cloitre, e dos britânicos Brian Lewis e Tim Rose-Richards, os de Hugh Hamilton e Earl Howe, e um individual, corrido por George Eyston.

 

 

Contudo, das entradas britânicas, apenas Lewis e Rose-Richards acabaram por acontecer, porque Eyston, que se dedicava a bater recordes de velocidade em terra, não apareceu, e Hamilton sofreu um acidente na Checoslováquia, semanas antes, no seu MG Midget, e recuperava das fraturas nas costelas.  

 

Para além desse modelo outros Alfa Romeos lá estavam, como um modelo 6C-1750 SS, guiado por "Sabipa" (nom de guerre" de Louis Charavel) e Odette Siko. 

 

A grande diferença dos Alfas uns dos outros eram os pneus: Sommer usava Pirellis, Chiron Engleberts (uma marca belga) e Chinetti usava os britânicos Dunlops. 

 

As máquinas italianas estavam nos primeiros lugares quando no sábado, 17 de junho de 1933, 50 mil espectadores foram assistir às máquinas em movimento. Quando a bandeira francesa caiu, pelas 4 da tarde, o britânico Brian Lewis foi mais rápido e ficou com a liderança. Contudo, no final da primeira volta, Sommer tinha-o passado e liderava.  E a partir dali, colocou um ritmo tão elevado que no final da segunda hora, já tinha dado uma volta ao pelotão. Tinha batido o recorde de volta por nove vezes e não mostrava sinais de abrandar. 

 

 

Sommer entregou o carro a Nuvolari ao fim de duas horas e meia e 27 voltas, e logo de inicio deu um avanço de quatro minutos para a competição. Em contraste, Chiron perdia minutos por causa de problemas na ignição, e estava atrasado quando regressou à pista, às mãos de Cortese. Em uma hora tinha subido para sexto, mas Nuvolari tinha tudo sob controle. Pelo menos, até ao pôr do sol.

 

NOITE CALMA, MANHÃ AGITADA

 

No inicio da noite, os altifalantes anunciavam que Nuvolari e Sommer tinham feito os primeiros 500 quilómetros mais rápidos de sempre, batendo o recorde de Giuseppe Campari, feito na semana anterior, no GP de França, em Montlhery, nos arredores de Paris. Atrás, Cortese recuperava posições, e perto das nove da noite, já era segundo, mas com duas voltas de atraso para o líder. 

 

Contudo, o italiano tinha tudo controlado. Tão controlado que parecia que todos sabiam quem iria ganhar. O carro, era evidente. Mas parecia que o piloto, também.

 

Mas perto das quatro e meia da mahhã, quando a noite chegava ao fim, Nuvolari, que tinha pegado no carro uma volta antes – não gostava de guiar à noite - chegava às boxes com um problema: um dos guarda lamas estava dobrado e tinha uma fuga de combustível. As reparações duraram 15 minutos, suficientes para que todos os restantes Alfas o desdobrassem e perdesse a liderança, que era dividida entre Chiron/Cortese e Chinetti/Gunzberg. Nuvolari tinha um longo caminho a percorrer, se queria recuperar a liderança.

 

E para piorar as coisas, começou a chover.

 

 

Pelas sete da manhã, um dos Alfas, guiado por Odette Siko, passava por Indianápolis, perdia o controlo por causa da superficie molhada – era de paralelepipedos, daí o nome da pista americana, que na altura era pavimentada por tijolos – e embateu fortemente nas árvores. O impacto foi tal que duas foram arrancadas e cairam na pista, bloqueando parcialmente. O carro pegou fogo, um policia foi atingido pelos destroços e a piloto foi projetada. Siko foi para o hospital, onde lhe foi diganosticaram um pulso quebrado e queimaduras superficiais.

 

Mas isto não fazia abrandar Nuvolari. Afinal de contas, era o "Mantuano Voador", o homem das pilotagens e recuperações impossiveis. E fazia jus à reputação. Pelas 7:30 da manhã ele apanha Gunzberg e era segundo, e mais hora mais tarde, a distância para o carro do lider, então guiado por Cortese, tinha sido reduzida para três minutos e meio. E pelas 9 da manhã, na reta da meta, já tinha o carro dele na sua frente. Na passagem seguinte, a 185ª  volta desde o inicio da corrida, o italiano era de novo o líder, para delirio dos espectadores.

 

 

Pouco depois, entregou o carro a Sommer, que decidiu manter o ritmo, batendo o recorde da pista. E para piorar as coisas para a concorrência, às 10 da manhã, Cortese sofreu um acidente, por causa de um problema no rolamento de uma das rodas, que bloqueou, e apesar de ter conseguido trazer para as boxes, o carro estava demasiado danificado para continuar. Por essa altura, Sommer e Nuvolari tinham duas voltas de avanço sobre Chinetti e Gunzberg.

 

Mas não era o final da história.

 

Perto do meio dia, Sommer, exausto, passou o volante para o italiano. Contudo, pouco depois, regressou às boxes para reparar novamente o guarda-lamas danificado. Mas no meio das reparações também descobriram outros estragos: um suporte de radiador rachado, por causa do elevado ritmo que ambos os pilotos deram para recuperar o tempo perdido nas boxes, no inicio da manhã, um rompimento no tubo de escape e os freios, que já não funcionavam de modo efetivo. E o tanque, que tinha sido reparado antes, voltara a rachar, deixando escapar combustível.

 

E a solução para tapar o buraco foi original: com chiclete!

 

Contudo, a ansiedade era maior, porque faltava pouco tempo e Gunzberg diminuia a distância, ao ponto de o apanhar... e passar! Nuvolari saiu das boxes, mesmo com o problema do combustível, e sempre que parava – de acordo com os regulamentos de então, tinha de parar para abastecer a cada 24 voltas – o buraco tinha de ser reparado com chicletes mastigados à pressa pelos mecânicos. Mas Nuvolari apanhou Gunzberg e ficou com a liderança, e 15 minutos antes das 3 da tarde, reabasteceu o seu carro pela última vez. E do outro lado, era agora Chinetti que ia ao volante.

 

 

A oito minutos do fim, ele ficou com a liderança, porque o seu compatriota tinha ido reabastecer. E na ultima volta, os espectadores, todos susti veram a respiração, porque ambos estavam muito juntos. Mas mesmo juntos.

 

A liderança foi trocada... três vezes! Nuvolari ganhava distância nas Hunaudriéres, mas os freios de Chinetti eram melhores, e conseguia apanhá-lo na Mulsanne. Mas quando ambos os carros estavam em Arnage, Chinetti enganou-se a engatar uma marcha e foi suficiente para o mantuano conseguir a vantagem que queria e ganhar a corrida. Porque quando ambos chegaram à Maison Blanche – Casa Branca, em francês – um dos retardatários, François Paco, noutro Alfa, meteu-se atrás de Nuvolari para o seguir, e Chinetti teve de frear a fundo para evitar uma colisão.

 

No final, foram menos de 10 segundos a diferença entre primeiro e segundo. Em termos de distância um do outro? Meros 400 metros. Coisa de nada, em 24 horas e 233 voltas completadas.

 

No final, existiram algumas ironias no meio disto tudo. Primeiro, por causa da aversão de Nuvolari em guiar à noite, Sommer ficou ao volante em 15 das 24 horas da corrida. Mas foi o italiano que ficou sob as luzes da ribalta, parecendo que tinha acontecido o contrário. Mas era apenas a reputação de pilotagem de Nuvolari, o homem das conduções “impossiveis”. Numa final de cortar a respiração.

 

 

Outra ironia foi que o mantuano voador, apesar da sua longa carreira, que continuou até depois da II Guerra Mundial, não mais regressou a La Sarthe. Chinetti, seu rival, acabou por regressar e triunfar por mais duas ocasiões, a primeira no ano seguinte, e a última em 1949, já ele era cidadão americano e importador da Ferrari na América. Aliás, foi ele que deu a Maranello a sua primeira vitória em Le Mans, na equipa que ele construiu, a NART (North American Racing Team). Acabaria por morrer em 1994, com uns respeitáveis 93 anos, e 41 depois de Nuvolari.

 

Sommer foi outro dos pilotos que também guiou depois da guerra, e participou na primeira temporada da Formula 1, em 1950. Contudo, a 10 de setembro desse ano, numa corrida em Cadours, no Haute-Garonne francês, perdeu o controlo do seu Cooper de 1100cc, capotou e teve morte imediata. Tinha 44 anos.

 

Saudações D’além Mar,

 

Paulo Alexandre Teixeira

 

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Nota NdG: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do site Nobres do Grid.