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Rouen 1968: O único ato de Jo Schlesser PDF Print E-mail
Written by Administrator   
Saturday, 01 July 2023 13:09

Há 55 anos, a Formula 1 era um lugar perigoso. A cada dia sete, ou próximo disso, todos os pilotos temiam entrar nos seus carros, pensando que poderiam ser os próximos que regressassem a casa dentro de um caixão. Em abril, tinha acontecido isso a Jim Clark. Em maio, a má sorte calhara a Mike Spence, em Indianápolis. E em junho, o infortúnio calhara a Ludovico Scarfiotti, que corria num Porsche numa corrida de montanha na Alemanha. Chegados a julho, o pelotão da Formula 1 já sentia o terror, e nesse mês, calhava num fim de semana de Grande Prémio. Entre o terror e o conformismo, iriam assistir à quarta morte noutros tantos meses. E as circunstâncias desse acidente mortal determinaram o destino não só de um piloto estreante, como a de uma equipa, e em última análise, de um circuito: o de Rouen-Les-Essarts, no norte de França.

 

UMA PISTA DESAFIADORA

 

A Formula 1 estava em 1968 a caminho da sua sexta proba, e tinha tido quatro vencedores diferentes. Jim Clark tinha ganho em janeiro, em Kyalami, na África do Sul, e parecia que o Lotus 49 estava a caminho de um tricampeonato, com a vitória do escocês na Tasman Series, um campeonato que acontecia na Austrália e Nova Zelândia, em fevereiro e março. Contudo, o seu acidente mortal, a 7 de abril, numa corrida de Formula 2, em Hockenheim, baralhou tudo.

 

 

Graham Hill, o seu companheiro de equipa, pegou numa Lotus psicologicamente afetada e ganhou em Jarama e Monte Carlo, aproveitando o acidente que Jackie Stewart tibera em Espanha, onde fraturou o seu pulso e o colocou dois meses fora de serviço. Bruce McLaren ganhou na Bélgica, enquanto Stewart, já recuperado, deu à Matra um 1-2 em Zandvoort, que o catapultou para o segundo lugar na geral.

 

Para Rouen-Les Essarts, pista inaugurada em 1950 e era parcialmente usada como estrada, este era o quinto Grande Prémio de França nesse circuito, o último dos quais acontecera em 1964. Desenhado no meio de uma floresta, era rápido e desafiante, especialmente na secção entre a partida e o gancho "Noveau Monde", sempre a descer, na perigosa curva à direita "Six Fréres". 

 

E para piorar as coisas, no fim de semana do Grande Prémio, havia a chance de chuva.

 

 

Na lista de inscritos, estavam 18 carros de equipas como Lotus, Matra, Ferrari, BRM, Cooper, Honda, Brabham e McLaren. A marca japonesa tinha a grande novidade para esta corrida, com um novo chassis, o RA302. 

 

UM CHASSIS INSEGURO 

 

Desde meados de 1966, quando a marca japonesa montou o seu motor de 12 cilindros e o estreou no GP de Itália, a Honda tinha como objetivo andar a par da concorrência, senão superá-la. Tinham contratado o britânico John Surtees, e as suas ajudas em termos de desenvolvimento do motor e do chassis levaram a melhoramentos, ao ponto de precisamente um ano depois da estreia, no GP de Itália de 1967, Surtees bateu Jack Brabham no "photo-finish" e deu à marca japonesa a sua segunda vitória na Formula 1. Contudo, o chassis, o RA300, fora construído sob encomenda de Eric Broadley, da Lola, que deu o nome de "Hondola", e a marca japonesa queria mostrar que também conseguia construir chassis tão bons como os motores.

 

 

No inicio de 1968, a marca construiu o RA301, mas era outra encomenda feita para a Lola, porque na realidade, decidiram concentrar-se no chassis seguinte, o RA302, que pretendiam que fosse refrigerado a ar, diferente dos refrigerados a água. Por causa disso, o RA301 sofreu com a falta de desenvolvimento e até à corrida francesa, não tinha conquistado qualquer ponto. 

 

O projeto era um ponto de honra pessoal para Soichiro Honda, o fundador da marca. Decidiu-se, em vez do alumínio, seria feito em magnésio, que era um material na altura usado nas jantes. Era mais leve que o alumínio, mas era inflamável, ou seja, tinha um potencial bem perigoso em caso de choque. Semanas antes do GP francês, Surtees experimentou o carro e sentenciou: muito pesado, pouco seguro. Chegou a afirmar que, como estava, era uma "armadilha mortal". Logo, recusou andar com ele na corrida onde pretendiam estrear, em Rouen, palco do GP de França daquele ano.   

 

 

A Honda, apesar dos avisos de Surtees, decidiu estrear o carro na mesma. Como Soichiro Honda, fundador e patrão, estava em França para assistir à corrida, os responsáveis da marca decidiram inscrevê-lo sob o nome Honda Racing France, a par do chassis oficial. E para o lugar, encontraram um piloto disposto a guiá-lo: Jo Schlesser. 

 

UM PILOTO EXPERIMENTADO

 

Nascido Joseph Schlesser em Lionville, a 18 de Maio de 1928, cedo emigrou, com os pais, para a ilha de Madagáscar. Em 1946, com 18 anos, volta a França para estudar Engenharia Mecânica em Nancy, e algum tempo depois, foi trabalhar numa fábrica, para aprender mais sobre o oficio. Com o tempo, começa a interessar-se pelo automobilismo, e aos 24 anos, começa a correr no Rally Lorraine, a bordo de um Dyna-Panhard.

 

 

Pouco tempo depois, regressa a Madagáscar, e inicia durante um bom tempo uma série de viagens entre aquele ilha africana e a França, correndo quando estava de férias na Europa. Tinha fama de rápido, mas muito propenso a acidentes. Começou a correr num Triumph TR2, mas depois de um acidente com um Ferrari (caiu de uma ravina e saiu ileso...), decide ser piloto profissional.

 

Decide comprar um Formula 3 ao americano Harry Schell, e corre nas pistas do seu pais, com alguns bons resultados, mas os acidentes não o largam. Em 1961, tem um acidente grave ao treinar-se para as 24 Horas de Le Mans, e fica fora de combate por alguns tempos. Dois anos depois, conhece e trava amizade com um compatriota seu, que tinha sido ex-jogador de rugby na juventude e agora era homem de negócios bem sucedido no sector da construção civil. E como ele, tinha a paixão pelo automobilismo e começou a pilotar tarde em automóveis. Chamava-se Guy Ligier.

 

Em 1968, Schlesser tinha 40 anos, mas era popular, devido às suas participações nas 24 horas de Le Mans com o Ford GT40, mas apesar da idade avançada, não tinha desistido de correr na categoria máxima, a tempo inteiro. E quando surgiu a chance de tripular o Honda no seu GP natal, nem sequer hesitou. 

 

 

Entretanto, nos treinos, os incidentes aconteciam. Jackie Oliver, o segundo piloto da Lotus, contratado no lugar do malogrado Jim Clark, teve um forte embate contra um poste telegráfico, e o seu Lotus 49 ficou muito danificado, impedindo-o de correr. Quando foi a hora de definir a grelha, o melhor foi o Brabham do austríaco Jochen Rindt, que conseguia aqui a sua primeira pole-position da sua carreira. Ao seu lado tinha o Matra de Jackie Stewart e o Ferrari de Jacky Ickx. Denny Hulme era o quarto, Chris Amon o quinto, Bruce McLaren o sexto, e Graham Hill era apenas o nono. Schlesser era o 18º e último da grelha.

 

VOLTA E MEIA, ESTÁ MORTO

 

Pouco antes da largada, cai uma ligeira chuva, que humedece a pista, suficiente para que Ickx decidisse mudar para pneus de piso molhado. Uma decisão decisiva, pois os outros pilotos decidiram partir com pneus intermédios. Assim, o piloto belga larga bem e afasta-se do pelotão, terminando a primeira volta bem destacado na liderança. A seguir ao piloto da Ferrari vinham Rindt, Stewart e Surtees, no seu velho Honda. Tudo corria bem até ao inicio da segunda volta, quando o Honda de Jo Schlesser chega à zona de Six Fréres. Ali, perde o controlo do seu carro, bate no muro, e carregado de combustível, o chassis explode e arde até nada restar dele. Schlesser fica preso no carro e os comissários conseguem tirá-lo dos destroços... enquanto a corrida prossegue. Aliás, só depois dos carros passarem é que conseguem retirá-lo do local do incêndio. O resgate é filmado e o mundo inteiro assiste, mais tarde, não sem algum horror.

 

 

Quanto conseguem tirar em segurança, já nada se pode fazer por ele. Aos 40 anos, Schlesser era o quarto piloto a morrer em três meses, depois de Jim Clark, Mike Spence e Ludovico Scarfiotti. 

 

Indiferentes ao drama, os pilotos continuaram a correr, com Rindt a ter de ir às boxes devido a um furo causado por um pedaço do Honda de Schlesser. Stewart tomou conta do segundo lugar, mas foi ultrapassado por Surtees, que por sua vez, acabou por ser ultrapassado pelo BRM do mexicano Pedro Rodriguez.

 

Na volta 19, Ickx despista-se e cai para terceiro, ultrapassado por Rodriguez e Surtees, mas em pouco mais de duas voltas, regressa à liderança, para não mais a largar.

 

 

Na volta 53, Rodriguez parou nas boxes devido a um problema de caixa de velocidades, deixando Surtees à vontade na sua segunda posição, embora tivesse de mudar de óculos, pois estes ficaram lascados devido a um pedra atirada por um retardatário. No final da corrida, Jacky Ickx, na sua nona corrida da carreira, vence o seu primeiro Grande Prémio, e torna-se também o primeiro belga a ganhar na história da Formula 1.

 

CONSEQUÊNCIAS

 

Soichiro Honda fica pessoalmente afetado com o que aconteceu. No final, parecia que Surtees tinha razão sobre o RA302, e fala-se que isso foi um dos motivos porque a marca japonesa decide abandonar a Fomula 1 no final dessa temporada. Ironicamente, foi ali em Rouen que a Honda consegue o seu melhor resultado na temporada, e consegue mais uma pole-position, em Nurburgring, e outro pódio, um terceiro lugar em Watkins Glen, palco do GP dos Estados Unidos. A Honda demorará quase quarenta anos até regressar como construtor, em 2006, quando adquire a BAR, mas antes, andará como fornecedor de motores entre 1983 e 1992, e depois entre 2000 e 2005, ganhando corridas e campeonatos pela Williams, Lotus, McLaren, BAR e Jordan.

 

 

Pode-se afirmar hoje em dia que Jo Schlesser parece ser um mártir esquecido na história dos pilotos de Formula 1 que morreram em pista. Contudo, para uma pessoa, ele nunca foi esquecido. Guy Ligier, seu amigo pessoal e companheiro de muitas corridas, anos depois, decidiu montar a sua própria marca de automóveis. Quando se aventurou na Endurance, em 1970, decidiu que todos os chassis que iria construir iriam ter as suas iniciais: JS. Seis anos depois, quando Ligier entrou na Formula 1, com muitos dos ativos da Matra e o apoio do estado francês, o resto do mundo ficou a saber o que significavam as iniciais, e de uma certa forma, o espírito de Schlesser continuou a correr, pistas fora.

 

Quanto a Rouen-Les-Essarts, a pista não mais recebeu a Formula 1 depois daquela tarde chuvosa de 1968. E a sua fama de pista perigosa continuou a reclamar pilotos, especialmente em 1970, quando dois pilotos franceses, Denis Dayan e Jean-Luc Salmon, morrem numa corrida de Formula 3. Três anos depois, mas numa corrida de Formula 2, e na mesma curva de Six Fréres, o escocês Gerry Birrell sofre o seu acidente mortal. Uma chicane é acrescentada em 1978, mas em 1994, é encerrado definitivamente por razões económicas e de segurança.  

 

Saudações D’além Mar,

 

Paulo Alexandre Teixeira

 

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Nota NdG: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do site Nobres do Grid.