A pista mais desafiante do automobilismo. No pior cenário possivel. E na data que todos temiam. Há 55 anos, a Formula 1 passa a uma altura dificil, com quatro dos seus pilotos tinham morrido até então. Naquela temporada, correr no dia 7 significava que alguém iria morrer. Em abril, fora Jim Clark, que causou enorme impacto. E nos meses seguintes, gente como Mike Spence, Ludovico Scarfiotti e em julho, Jo Schlesser, tiveram o mesmo destino do prodigioso piloto escocês, que tinha dominado a Formula 1 durante boa parte daquela década. E no calendário, o dia 7 de agosto de 1968 estava reservado para o dia do GP da Alemanha no Nurbugring Nordschleife. Um lugar que era extenso e tinha uma grave reputação. Ao ponto dos pilotos chamarem de “Inferno Verde”. E pior: no dia da corrida, previa-se chuva. Todos temeram o pior. UMA TEMPORADA INFERNAL Era verdade: a Formula 1 era perigosa naqueles tempos. Chassis de aluminio, com depósitos de gasolina colocados lateralmente no cockpit do piloto, expondo-o a uma expolsão, do qual se não morresse do choque, poderia morrer-se das queimaduras ou do monóxido de carbono. Fora o que acontecera a Schlesser, em Rouen, porque o seu chassis Honda era feito de magnésio e no acidente, o carro carregado de gasolina ardeu logo, e os socorros demoraram para o tirar do carro porque, entretanto, a corrida decorria. Em contraste, a competição abraçava a tecnologia: asas foram colocadas nos carros para que tivessem aderência ao solo, criando o efeito de “downforce”. Em menos de dois meses, quando o primeiro aerofólio surgiu no Ferrari de Chris Amon, praticamente todos os carros do pelotão já o tinham: Matra, Lotus, Ferrari. McLaren, Eagle, Honda, Brabham, BRM. Se é eficaz, porque não usar? Mas uma coisa era a aerodinâmica, outra era a segurança. Alguns pilotos preocupavam-se com ela, mas eram uma minoria. Dan Gurney, por exemplo, andava desde meados do ano com algo inovador: um capacete integral, desenvolvida pela Bell. Tinha usado pela primeira vez nas 500 Milhas de Indianápolis, e depois, trouxe-o para a Europa, onde usou em Brands Hatch, no GP da Grã-Bretanha, e voltaria a usar no GP alemão. Mas existia outro piloto que também estava preocupado com a segurança. E queria mudanças abrangentes e radicais... não tanto nos carros, mas nas pistas. Esse piloto era Jackie Stewart. E as razões eram pessoais. “TO HELL AND BACK” Dois anos antes, no GP da Bélgica de 1966, Stewart era piloto da BRM. Nessa corrida, que aconteceu no circuito de Spa-Francochamps, uma carga de água caiu numa parte do circuito de 14 quilómetros onde os pilotos ainda corriam juntos, porque fora na primeira volta. Foi o suficiente para seis pilotos serem eliminados, um deles em circunstâncias bem dramáticas, com o Cooper doi sueco Jo Bonnier a ficar pendurado na berma da estrada, com as rodas da frente perante o vazio. Contudo, o pior aconteceu para o escocês. No despiste, ficou preso ao seu carro, enquanto o seu depósito de combustível sofria um vazamento. O líquido era altamente corrosivo para a sua pele, mas não podia sair dali. Quem o socorreu acabou por ser o seu companheiro de equipa, Graham Hill, que deligou a bomba de gasolina no seu carro e o conseguiu remover dali. A ambulância demorou a chegar, o posto médico não era asseado, e o motorista chegou a enganar-se no caminho (!) para chegar ao hospital de Liége, o mais próximo. Stewart ficou com ferimentos ligeiros, mas a má experiência ficou-lhe para sempre. A partir dali, arranjou duas coisas no seu carro: uma chave de fendas extra, caso ficasse novamente preso, e instruções nas linguas dos países onde iria correr, para o retirar dali em caso de emergência. Mas não se ficou por ali. Começou a falar na ideia de ter mais segurança nas pistas, com mais guard-rails, áreas de escape, melhores condições médicas, como um hospital de campanha, e fatos anti-fogo para os comissários de pista, por exemplo. Contudo, existiam opositores igualmente poderosos, um deles Stirling Moss, que apoiava as condições para os espectadores, mas não para os pilotos, afirmando que o perigo era a sua profissão, e as mortes eram algo do qual não existia escape. Stewart queria provar o contrário, mas sabia que a montanha era muito alta. E tinha outra coisa contra ele: apesar de ser um jovem prodígio, e já ter ganho corridas, ainda não era um campeão do mundo. Precisava de respeito dos seus pares. E tinha de o ganhar na pista, fizesse chuva ou sol. Ir ao Inferno e sobreviver. CHUVA DILUVIANA O GP da Alemanha era a oitava corrida da temporada. À chegada a Nurburgring, Graham Hill liderava com 24 pontos, contra os 20 do surprendente segundo classificado, o belga Jacky Ickx, no seu Ferrari, e os 17 de Stewart, no seu Matra. O pelotão iria ter junto os carros da Formula 2, que faziam uma corrida à parte, e pontuariam separadamente. A razão para isso era o tamanho da pista. Com 21 carros inscritos, existia um Formula 2 inscito, o do local Hubert Hahne, que corria num Lola-BMW. Sabia-se que as condições eram más – iria ser a sexta corrida seguida debaixo de chuva naquela temporada! – mas o fim de semana foi infernal. Não só a chuva, mas também o nevoeiro marcou presença. No final dos dois dias de treinos, Jacky Ickx conseguiria a pole-position, com uma vantagem de... 10 segundos sobre o seu companheiro de equipa, Chris Amon. Jochen Rindt foi o terceiro, no seu Brabham, seguido pelo Lotus de Graham Hill e o Cooper de Vic Elford. Jackie Stewart foi cauteloso e fez o sexto melhor tempo... 49 segundos mais lento que Ickx. John Surtees foi o sétimo, seguido pelo BRM de Piers Courage, o Lotus de Jo Sifert, triunfador na corrida anterior, e a fechar o “top ten”, o Eagle de Dan Gurney. O carro do piloto americano foi “apenas” um minuto e nove segundos mais lento que o “poleman”. INSTINTIVAMENTE BRILHANTE À hora da corrida, perante 200 mil espectadores à volta das montanhas de Eifel, no oeste alemão, a chuva e o nevoeiro eram tão persistentes que a organização aceitou um adiamento de 45 minutos, esperando que as condições poderiam melhorar. Contudo, chegada à nova hora da corrida, estas não aconteceram, e os pilotos alinharam para a prova, esperando sair dela vivos. Na partida, Hill ficou com o comando, mas pouco depois, Stewart começou a passar um carro atrás de outro até apanhar Hill e passá-lo. No final da primeira volta comanadava a corrida com um avanço de nove segundos, graças aos seus pneus Dunlop, que fucionavam bem à chuva. O ritmo continuou elevado e quando acabou a segunda volta, ele já tinha um avanço de 34 segundos. Atrás, Hill mantinha a segunda posição, mas tinha Amon atrás de si, tentando acompanhá-lo, e eventualmente, passá-lo. Esse foi o assunto de maior interesse na corrida, porque na frente, Stewart escapava de todos os outros, porque não queria ser incomodado. E certamente, estava a combater os seus medos em relação à chuva e ao circuito, que não perdoava os que iam em excesso de velocidade. Afinal de contas, chovia bastante... e iria piorar. Nas onze voltas seguintes, a ordem era Stewart-Hill-Amon. Se o escocês já tinha ido embora há muito, o britânico da Lotus e o neozelandês da Ferrari não perdiam a vista um do outro, entre um e dois segundos. Contudo, na 11ª volta, Hill despistara-se, mas não houve danos. Ele saiu do carro, colocou-o de volta à pista e seguiu em frente. Amon ficara com o lugar, mas não por muito tempo: um despiste mais adiante também o colocou fora da pista, mas teve mais azar que o britânico, obrigando-o a desistir. Rindt beneficiou, ficando com o terceiro lugar. Ickx, o poleman, nunca esteve à vontade na pista, debaixo de chuva, e não conseguiu mostrar o mesmo dominio que tivera na qualificação. No final da corrida, Stewart cortava a meta com quatro minutos de avanço sobre os restantes concorrentes. É a sua segunda vitória na temporada, com a primeira a ter sido nos Países Baixos, no citcuito de Zandvoort. Mas apesar de ter “humilhado” os seus adversários com uma exibição só paralela as de Tazio Nuvolari, em 1935, e a de Juan Manuel Fangio, em 1957, a primeira coisa que pergunta a Ken Tyrrell é saber quem morreu na corrida. Quando o seu patrão lhe responde que não aconteceu qualquer acidente grave, o escocês fica aliviado. A acompanhar o escocês no pódio estavam o Lotus de Graham Hill e o Brabham de Jochen Rindt. E nos restantes lugares pontuáveis, o Ferrari de Ickx, o carro de Jack Brabham e o BRM de Pedro Rodriguez. Anos depois, Stewart descreveu aquela corrida: "A chuva era incrível - não se via nada! Não via os meus pontos de referência para as travagens, nem o carro à minha frente (...) nem queria pensar o que acontecia atrás de mim. O circuito é estreito e mesmo com boa visibilidade é difícil ver onde estamos.(...) " "Depois [de chegar à liderança] foi andar o mais depressa possível. Duas voltas depois tinha uma vantagem de 34 segundos e continuei a aumentá-la, sempre com o cuidado de não pisar qualquer poça. A três voltas do fim, a chuva aumentou. Havia rios cruzando a pista. Perto do Karrussel, o carro fugiu, o motor morreu, derrapei em direção a um comissário, ao lado de uma árvore. Quando ele saltou para um lado, vi que o ia atropelar, mas aí os pneus aderiram e retomei o controlo do carro. Quando Graham Hill chegou a esse local, saíu de pista, mas o comissário tinha mudado de local..." "Foi uma vitória esfuziante para mim, mas fiquei ainda mais feliz por acabar a corrida. Esta foi talvez a maior ambição quanto a ganhar em circuito. Aquela corrida jamais deveria ter sido realizada e tê-la ganho com tal vantagem deu-me credibilidade sempre que pedia algo a favor da segurança ". Stewart iria triunfar em mais uma corrida naquela temporada, em Watkins Glen, mas perderia o título para Graham Hill no final. A sua ausência nas primeiras corridas no ano tinha, afinal, sido decisiva. Mas a partir dali, não iria falhar mais. Três títulos mundiais estariam à sua espera, e mais duas vitórias no Inferno Verde, também. Saudações D’além Mar, Paulo Alexandre Teixeira Não deixe de visitar a página do nosso colunista no Facebook Nota NdG: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do site Nobres do Grid. |