Uma das últimas imagens de Gustavo Sondermann antes do acidente que tirou-lhe a vida em Interlagos na curva do café. A morte do piloto Gustavo Sondermann no último domingo não foi apenas mais uma tragédia no esporte a motor brasileiro. Foi a segunda morte ocorrida na mesma curva em uma categoria de acesso da Stock Cars. Além destas, um acidente durante um “track Day” de uma escola de motociclismo teve como consequência a morte do fotógrafo João Lisboa durante uma cirurgia no fêmur, após o acidente. Um fator que impressiona e assusta é que estamos falando do principal praça de esportes automotores do país: Interlagos. Ali a segurança tinha que ser máxima em todos os aspectos, contudo, existe um “calcanhar de Aquiles” no traçado de pouco mais de quatro quilômetros e que se chama curva do café. Depois da reforma que mutilou o circuito original e alterou a curva da junção para criar a “pistinha do Bernie”, a curva do café – que já existia no traçado original, mas que tinha uma tomada mais suave devido ao excelente projeto original – passou a ter uma forma de aproximação diferente, que passou a exigir muito da aderência em seu contorno e, qualquer problema de perda da mesma no contorno da curva, seja por que motivo for, não há outro caminho que não seja o muro... que está ali há décadas, separando a pista das arquibancadas. Até 2007, ano em que ocorreu o acidente fatal com Rafael Sperafico – que era companheiro de equipe de Gustavo Sondermann – na extinta Stock Cars Light, o muro de concreto recebia uma barreira de pneus... que tinha o “efeito colateral” de jogar o carro que nela batesse de volta para pista! Em 2007, Sondermann era companheiro de equipe de Rafael Sperafico, que veio a falecer em condições quase iguais. Foi assim com Mark Webber, no GP Brasil de F1 em 2003, foi assim com Rafael em 2007. Enquanto Webber teve a sorte de não ter sido “acertado” enquanto esteve atravessado na pista, o piloto brasileiro não teve a mesma felicidade e foi pego em cheio por Renato Russo, que também ficou ferido com certa gravidade. Depois do acidente, o local passou por uma vistoria de comissários da FIA, a qual solicitou a instalação do dispositivo de absorção e dissipação de energia cinética conhecido como “soft wall”, que é um muro com um sistema de retração em caso de choque e que propicia que o carro que nele bata não sofra o “efeito mola”, retornando à pista, mas seguindo em minha aproximadamente paralela a este. Na época os pilotos pediram que fosse criada uma área de escape no local, com o deslocamento do muro que implicaria na demolição de parte da arquibancada. Contudo, diante do veredicto da FIA, as autoridades – leia-se CBA, FASP e os promotores de provas no Brasil – se calaram. Ficou o “soft wall”. Os estudos sobre acidentes nunca apontam uma causa isolada como o fator que provocou uma tragédia ou uma fatalidade. É sempre um conjunto de fatores que, quando dispostos de uma certa maneira, vão criar a condição para que o acidente aconteça. É como um eclipse, onde a terra o sol e a lua, vez por outra, se alinham. O "soft wall" é um recurso utilizado até nos super ovais da Indy e da Nascar, onde os carros passam dos 300 Km/h. O “alinhamento” aconteceu quando, sob intensa chuva, os impetuosos pilotos da Copa Montana, que normalmente abusam dos contatos entre os carros, largaram para a etapa paulista. Um toque entre Sondermann e outro piloto fez com que ele colocasse a roda traseira esquerda na grama na tomada da curva do café e o carro atravessasse em direção ao muro. A chegada ao muro em um ângulo desfavorável fez com que o mesmo não trabalhasse mecanicamente como devia e a pickup de Sondermann foi jogada de volta para pista, vindo a ser atingida na perpendicular (da mesma forma como foi atingido Rafael Sperafico) pela pickup de Pedro Boesel, que também se feriu no acidente, tendo inclusive, que se submeter a uma cirurgia. Gustavo Sondermann, que já havia disputado provas da categoria principal da Stock, era um dos principais nomes das pickups. O choque perperdicular é o pior possível para um piloto. Daniel Maia, piloto cearense da Fórmula Vê em seu estado, faleceu em decorrência de um choque perpendicular em uma mureta de concreto na entrada dos boxes. No caso de Interlagos e de Gustavo Sondermann, outros fatores se uniram para criar o cenário de risco extremo, com o spray dos carros reduzindo drasticamente a visibilidade. O pior, contudo, talvez tenha sido um detalhe que só foi visto após a análise das fotos por diversos leitores e veículos de mídia: o pneu traseiro direito do carro de Sondermann estava montado de forma invertida, fazendo com que não houvesse dispersão da água sob o mesmo. Este fator certamente comprometeu ainda mais a dirigibilidade de Gustavo após o toque recebido na entrada da curva. A surpresa e indignação das pessoas ao constatar que um dos pneus foi montado errado no carro de Sondermann foi enorme. Não cabe aqui se fazer uma “caça às bruxas” e querer descobrir e divulgar o nome do mecânico que colocou aquele pneu na pickup de Gustavo Sondermann, mas é o caso de todos os chefes de equipe não apenas da categoria mas das outras que correm aqui no Brasil usarem o fato como motivo para melhor preparo de seus profissionais. Quanto a curva do café, opções como uma chicane ou o afastamento do muro precisam ser seriamente consideradas e, mesmo que a FIA continue a achar o atual arranjo “aceitável dentro de seus padrões de segurança”, nada impede um administrador, uma federação ou confederação ou mesmo uma associação de pilotos exigir e conseguir com que o “mínimo aceitável” não seja o padrão, a referência. Menos do que isso, é inaceitável. Mais, sempre será bem vindo. Infelizmente, qualquer medida que venha a ser tomada, estará sendo tomada tarde demais para Gustavo Sondermann e seus familiares. |