Muitos pilotos passam por grandes desafios, dentro e fora das pistas, para conseguirem ter ao menos uma oportunidade de conseguir realizar o sonho de ser um piloto profissional de corridas e, quem sabe, chegar ao ápice de vir a pilotar na Fórmula 1. Trabalho, dedicação, resiliência são fundamentais para se conseguir sucesso nesta estrada, mas poucas pessoas tiveram tanta perseverança quanto Nicolas Costa, que não transparece os 32 anos de idade, e hoje é piloto da McLaren LMGT3 no Campeonato Mundial de Endurance. Mas o caminho até este ponto da carreira... nossa! Foi em Interlagos, antes da etapa no Brasil do Campeonato Mundial de Endurance, que Nicolas Costa concedeu esta entrevista exclusiva ao nosso enviado para o evento. NdG: Você é natural do Rio de Janeiro e quando começou no kart, o automobilismo por lá já estava em crise. Como foi conseguir dar partida numa carreira num ambiente complicado como era o Rio de Janeiro? Vencer a F. Future em 2010 me abriu caminho para a F. Abarth na Itália onde fui campeão italiano e europeu. O caminho era a GP3, mas... Nicolas Costa: Pra minha sorte ainda existia o kartódromo para a gente treinar e competir. Hoje não temos nem autódromo e nem kartódromo. Hoje o kartódromo mais próximo da capital fica a uma hora e meia de distância, em outra cidade, algo que não dá pra ir e voltar todo dia. Agora temos a perspectiva da construção de um novo autódromo e, espero, que construam também um kartódromo no projeto. NdG: Mesmo com toda dificuldade você conseguiu se destacar e passar dos karts para os monopostos, naquele caminho natural do sonho de chegar à Fórmula 1 e você fez um início de carreira impressionante. Como foi lidar com isso? Nicolas Costa: Eu saí do kart para os monopostos e estava indo muito bem, vencendo corridas, conquistando títulos. Em 2010 fui campeão da Fórmula Futuro aqui no Brasil e o prêmio foi a temporada do ano seguinte na Fórmula Abarth italiana, Nos dois anos seguintes competi na Fórmula Abarth, onde ganhei os campeonatos italiano e Europeu em 2012, na equipe do Vincenzo Sospiri. Também corri quatro corridas na F3 sulamericana pela Hitech em 2012, venci uma, mas foi no final do ano que as coisas começaram a ficar complicadas. Eu participei dos testes da GP3 (hoje Fórmula 3 FIA). Estávamos negociando com a Marussia (ex-equipe de F-1 com filial na GP3) na época, pra firmar um contrato. Mas obviamente que tudo dependia também da parte financeira. Eu tinha um patrocinador que era um banco na época. O banco fechou e sem patrocinador, não consegui a vaga. Estava num grande momento da minha carreira, estava começando a sentir a chance de talvez ter uma oportunidade de entrar no circo como piloto titular, de reserva, tentar começar a entrar nesse mundo. Fui o 1° entre os novatos e o 3° geral nos dias de teste. Foi um fim abrupto para minha carreira em monopostos na Europa. Foi duro encarar aquela situação. Eu via as corridas e sabia que eu poderia estar ali, competindo no mesmo nível. Entrei em depressão. Não foi fácil. NdG: Você voltou para o Brasil, certo? Não havia perspectivas por aqui? Sem patrocínio não tinha como continuar. Fui trabalhar com meu pais, mas não entendia nada daquilo e eu não somava em nada. Nicolas Costa: Eu não tinha patrocínio e sem patrocínio fica muito difícil. Fui trabalhar com meu pai, que é engenheiro e fazia (ainda faz) janelas e portas acústicas. Eu fui fazer um pouco de tudo. Conta, caixa, nada que soubesse fazer direito e algo totalmente estranho para mim. Eu ia com meu pai nas obras, ajudava-o a tirar medidas, mas eu não entendia nada de obra, de janela. Eu estava lá, mas sentia que não somava no negócio do meu pai. Em 2013 eu consegui ir para os Estados Unidos, para correr na Pro Mazda, que hoje seria a PRO2000 do Road to Indy. Correr nos Estados Unidos era mais barato que na Europa. Corri no time do Dale Pelfrey, cheguei a ir pro pódio e para 2014 as coisas pareciam promissoras, ganhei corridas, marquei poles, fui o 5° no campeonato, mas em 2015, quanto estava tudo certo para eu ir correr numa equipe de ponta fui substituído por outro piloto que chegou com um grande patrocinador. Ainda corri algumas corridas em 2015, mas aquilo foi outro golpe duro. NdG: Você voltou para o Brasil... e foi ser motorista de aplicativo (Uber). Como estava tua cabeça? Nicolas Costa: Eu não podia voltar a trabalhar com meu pai. Achava que eu não ajudava em nada e se fosse para trabalhar e ganhar algum dinheiro tinha que ser algo que eu pudesse fazer sozinho. Eu tinha um carro do seguimento Black e rodava das 8 da noite até mais ou menos 2, 3 horas da manhã, porque no trânsito eu não conseguia fazer dinheiro. O carro não tinha kit gás e a gasolina no Rio é super cara. Então, pra eu conseguir fazer dinheiro eu tinha que rodar em horário que não tinha trânsito e ser suave no acelerador, fazer dez, dez litros e meio por km de média para a conta fechar. Então eu tinha que andar devagar e a minha meta era outra economia de combustível. Eu tentava ficar na Zona Sul e Barra. Porém, na época o aplicativo não dava pra gente o destino que a gente ia até você chegar na corrida, você só sabia pra onde iria quando o passageiro entrava no carro. Então era complicado porque eu parei em favela, lugares perigosíssimos lá no Rio muitas vezes e, apesar do carro ter alguns anos, ainda era um carro premium (uma Mercedes C180 ano 2011). Na época não tinha foto do passageiro como tem hoje e quando o passageiro entrava e eu tinha o destino, muitas vezes achei que ia ser assaltado. As vezes entravam duas pessoas no carro e o risco era ainda maior. Algumas vezes vendo o passageiro que ia pegar eu não parava. Eu desisti do Uber, mas felizmente as coisas voltaram a aparecer para mim no automobilismo. NdG: O calendário na Ásia funciona meio diferente do europeu e do norte americano, o que te levou a tentar a vida por lá? Depois de tentar e não conseguir continuar a carreira nos EUA, voltei para o Brasil e fui ser motorista de aplicativo (Uber). Não foi fácil. Nicolas Costa: Na verdade foi o que apareceu de oportunidade. Eu tinha um bom currículo e fui apostando tudo em mim. Se as coisas eram difíceis sem correr eu precisava encontrar uma forma de continuar tentando. Corri na F4 japonesa e cheguei até mesmo a fazer uma corrida na Stock Car aqui no Brasil. Foi quando olhei com mais atenção para os carros de turismo e novamente tive contato com Vincenzo Sospiri, que me levou de volta para a Europa e no primeiro ano, em 2016, fui campeão da GT Cup italiana. Corri também na Ásia mais uma vez e estava competindo nas categorias de GT quando veio a pandemia... e tudo parou. NdG: Aqui no Brasil as corridas pararam por um tempo. Depois voltaram sem público. Como foi com você lá entre a Europa e a Ásia? Nicolas Costa: Parou tudo. Todo mundo que era estrangeiro perdeu os contratos. Mais uma vez eu voltei para o Brasil com uma mão na frente e outra atrás e dessa vez doeu muito porque eu senti que eu estava de fato abrindo a primeira grande oportunidade da minha carreira de fazer um negócio grande. Muita gente quebrou, muita gente morreu com a Covid e cheguei a pensar em desistir do automobilismo e buscar uma outra forma de vida, ter uma carreira, pagar minhas contas. Eu fiquei um bom tempo sem ganhar um centavo. Entrei em depressão novamente, via pilotos que eu venci na pista lá na Europa correndo e alguns chegaram na Fórmula 1 e eu podia até não chegar, mas tinha condições de tentar, pelo menos. Mas eu estava mais maduro e fui conseguindo mudar isso na minha cabeça. NdG: No Brasil, como em todo mundo, muitas vezes os pilotos tem que eles mesmos irem buscar seus patrocínios. O patrocinador quer ver sua marca exposta e como expor a marca se as corridas não são transmitidas? Consegui voltar para o automobilismo nas categorias de GT. Fui campeão novamente, estava indo bem, mas aí veio a COVID e tudo parou. Nicolas Costa: Hoje em dia não temos mais este problema. Temos a transmissão das corridas por diversos canais pela internet, streaming, youtube e nas TVs por assinatura, diferente do que era quando só as TVs abertas faziam transmissões só que naquela época não haviam muitos meios e era preciso matar um leão todos os dias. Era como ouvir 500 “nãos” para as vezes ouvir um “sim”. NdG: Com o impacto da pandemia diminuindo você reapareceu – para nossa alegria – nas pistas na Porsche Cup. Como foi esta chegada na categoria aqui no Brasil? Nicolas Costa: Era uma categoria que sempre se mostrou atraente e que eu tinha vontade de fazer já havia alguns anos. A categoria é espetacular o Dener (Pires, promotor da categoria no Brasil) é um promotor fantástico, muito profissional e eu consegui um patrocínio muito importante que é a PRIO (Petro Rio, empresa privada de exploração e produção de petróleo) e foi com eles que foi criada a possibilidade de voltar a fazer uma temporada completa na categoria em 2023 e felizmente consegui corresponder e retribuir bem. NdG: Como foi que a PRIO entrou no teu caminho? Nicolas Costa: Eu conheci a PRIO em 2016, era uma empresa que estava começando. Tivemos um primeiro contato, que na época não foi pra frente em termos de fechamento de patrocínio, mas o canal de conversação continuou aberto e no final de 2020 começamos a conversar novamente e desta vez as coisas foram pra frente. É uma empresa carioca, que tem uma baita história de vida e que vem conseguindo sucessos ao longo dos anos. De certa forma, eu sendo um atleta carioca também certamente contou bastante, tem o fato de eu ter uma história diferente da história de muitos pilotos e a relação casou bem. Estamos ambos felizes. NdG: Ganhar um campeonato com o domínio que você teve na Porsche Carrera Cup como você teve em 2023 evidentemente chama a atenção. As corridas da categoria no Brasil são transmitidas para todo o mundo em inglês, o que é ótimo, mas uma coisa é chamar a atenção de fãs de corridas, outra coisa é chamar a atenção de dirigentes da McLaren. Como isso chegou a eles e eles a você? A PRIO foi a minha grande oportunidade depois da COVID. Somos cariocas, eles confiaram em mim e estamos tendo uma relação boa. Nicolas Costa: Bom, a verdade é que fui eu que os procurei. Bati na porta deles por muitos meses pedindo uma oportunidade e, graças a Deus, tudo se encaixou. Insisti, não desisti até que me deram a oportunidade e aí foi comigo, mostrar do que eu era capaz e foi através de uma pessoa que não trabalha lá, mas que tem bons contatos lá dentro que me colocou em contato com o Richard Dean que proporcionou o teste. Eu tinha boas referências lá na Europa, o que facilitou a participação no teste. Graças a Deus consegui fazer um bom trabalho, nos demos muito bem e com performance, uma boa integração, a parte comercial do patrocínio conseguimos essa oportunidade de estar no Campeonato Mundial de Endurance pela equipe. NdG: Na McLaren, apesar da sede na Inglaterra, não tem apenas ingleses trabalhando lá. Pessoas de nacionalidades diferentes as vezes tem formas d tratar, de se relacionar diferentes. Você já trabalhou com gente de praticamente todos os continentes, como é a relação sua com essa diversidade? Nicolas Costa: É muito importante entender a personalidade de cada um, como as cabeças deles funcionam e também perceber os limites que cada um deles tem e buscar ser uma pessoa agradável com todo mundo. Aproveitar a oportunidade da vida que é poder estar aqui, correndo no FIA WEC e em Interlagos é a concretização de vários sonhos até chegar aqui. Eu tenho um contrato de um ano e ter uma boa performance e um bom ambiente é igualmente importante para continuar fazendo do sonho realidade. NdG: Estar aqui, numa categoria mundial como o WEC, correndo em Interlagos... deve ter um turbilhão de coisas passando pela tua cabeça, né? Eu procurei muito a McLaren para ter uma chance e quando consegui um teste, consegui mostrar o que eu tinha e hoje estou aqui. Nicolas Costa: A gente volta no tempo... 10 anos atrás eu assisti a corrida lá da mureta do kartódromo. Você conhece Interlagos bem e sabe que é distante, mas eu não tinha dinheiro para comprar um ingresso. Sonhar a gente pode sempre, mas imaginar que estaria aqui 10 anos depois, na pista, competindo... e difícil explicar em palavras, mas quando vejo os caras que estão ali à minha volta, competindo contra mim, caras que via na TV e hoje estou ali, correndo com eles, de igual para igual, e com capacidade de andar na frente deles, tudo isso tem sido realmente incrível. O sentimento é o da realização de um sonho, mas esse cenário também me traz uma certa forma de pressão, já que eu quero muito fazer uma boa corrida aqui, seguir minha carreira no FIA WEC. Ao mesmo tempo, tem sido muito prazeroso e, mesmo com essa pressão, estou conseguindo curtir o momento e aproveitar. É uma sensação boa, sabe? De ser grato por tudo o que passei, os altos e baixos... os ‘baixos’ que te fazem apreciar os momentos mais altos da vida. |