Quando se fala no nome de Francisco Lameirão, uma deferência especial. Afinal, Chiquinho Lameirão, como é chamado pelos amigos, desafiou e venceu diversas vezes, três gerações de pilotos que já eram consagrados quando ele chegou ao automobilismo e as seguintes, onde pilotos escreveram seus nomes na história do automobilismo mundial. O paulistano Francisco Lameirão nasceu no dia 1º de julho de 1943. Filho do industrial Teófilo Lameirão e de D. Helena Lameirão teve uma parte de sua vida na terra natal de sua família: Portugal. Ainda criança, foi para o nosso país irmão onde viveu e estudou até os 10 anos de idade. Retornando ao Brasil, estudou no Liceu Eduardo Prado. Na adolescência, Chiquinho Lameirão já gostava de motores e velocidade... só que na água. Seu esporte era o esqui aquático, que ele praticava no lago da represa Guarapiranga, que fica próximo ao Autódromo de Interlagos. Para chegar ao clube de campo, passava na frente do que viria a ser um de seus palcos de feitos sobre rodas. Esta proximidade ainda seria um elo de ligação e quem deu este “empurrãozinho” de dentro para fora da água foi o seu amigo Geraldo Meirelles, que o convenceu a ‘tentar’ e assim Francisco Lameirão fez sua estréia no “Prêmio Victor Losacco” em 25/02/1962, na prova reservada para carros Volkswagen. Estava mais um jovem da cidade contaminado pelo “velocitococus”! Daí para abrirem-se caminhos era só uma questão de tempo. O kartismo dava seus primeiros passos no Brasil e praticamente todos os pilotos da nova geração buscaram esta nova forma de competição. Chiquinho Lameirão também embarcou nesta e chegou a pilotar com karts da Equipe Mini, na época a mais forte do Brasil. No início da carreira, o 'esquiador' Chiquinho Lameirão andou de carros como estreante, na equipe Torke e iniciou-se no kart. No final de 1962 Francisco Lameirão voltou a andar em Interlagos, desta feita com Renault 1093, preparado pela Torke, oficina especializada, propriedade de Luiz Pereira Bueno e Franklin Martins, em uma prova de 12 horas, dividindo o carro com o próprio Luiz Pereira Bueno e de Franklin Martins. A performance do garoto chamou a atenção de Christian Heins, chefe da equipe Renault e veio o convite para integrar-se à equipe que tinha Luiz Pereira Bueno e Wilson Fittipaldi Junior, além do próprio Christian Heins ao volante dos carros franceses. A estreia pela equipe foi nas 12 horas de Brasília de 1963, onde correu novamente ao lado de Luiz Pereira Bueno. Eles foram o único dos carros da equipe que chegou ao final da prova, em 3º lugar, dos seis que largaram (3 Berlinetas e 3 Renault 1093). No final da prova, Christian Heins pediu para pilotar o último trecho e ir também para o pódio. Naquele ano Chiquinho Lameirão veria a tragédia de perto. Aquela prova a sua estreia acabou sendo também a última corrida de Christian Heins no Brasil. Depois dela, o chefe da equipe seguiu para a disputa das 24 horas de Le Mans, ao volante de um carro da equipe Willys e viria a falecer, comovendo toda a comunidade do esporte a motor no país. Lameirão teve duas passagens pela lendária Equipe Willys. A primeira, a convite de 'Bino' Heins, a segunda de Luiz A. Greco. A equipe passou aos cuidados de Luiz Antônio Greco, que alavancou-a ao status de equipe mais forte do país, “roubando” ainda uma das feras da concorrente equipe Vemag – Bird Clemente. Chiquinho Lameirão fazia parte de uma elite que viria a contar ainda com José Carlos Pace e Carol Figueiredo. Durante a sua estada na equipe Willys, participou da quebra dos recordes mundiais de resistência que foi obtido com o Gordini ao longo de mais de três semanas no autódromo de Interlagos, mas a equipe tinha um grupo de pilotos muito grande e nem sempre havia o espaço que Francisco Lameirão desejava. Uma coisa era correr com as Berlinetas, outra era correr com os 1093, R8, Gordinis e Dauphines... e nem sempre as Mesmo com diversos bons resultados obtidos e um ótimo ambiente de trabalho, talvez fosse a hora de buscar outros desafios e espaço. Na foto do histórico feito da equipe com a quebra dos recordes de resistência com o Gordini, está ao lado de Bird Clemente. Assim, em 1965 Francisco Lameirão foi para a equipe Vemag, comandada por Jorge Lettry e que já fazia uso dos carros produzidos por Genaro ‘Rino’ Malzoni em Matão, interior de São Paulo, juntando-se a pilotos do naipe de Mario Cesar Camargo Filho, o Marinho, e Anísio Campos e que tinha como mecânico chefe, Miguel Crispim. Na sua estreia, em uma prova no circuito da cidade universitária em Recife, conquistou um segundo lugar, num tipo de piso que nunca havia enfrentado: placas de concreto. Além desta corrida, participou de outras duas – de longa duração – dividindo o volante com Marinho Camargo, mas as esperadas vitórias não vieram. Na equipe Vemag, com Marinho Camargo, Eduardo Escurachio, Jorge Lettry, Roberto Dal Pont e Anísio Campos, com quem trabalharia. Chiquinho Lameirão retornou para a Willys em 1966, mas o retorno foi breve e logo ele retornou para trabalhar com Jorge Lettry, tendo vivido a transição da equipe que era de fábrica para o grumo de amigos e parceiros que formaram a LUMIMARI, uma vez que a Volkswagen tinha comprado DKW na Alemanha. Foi neste retorno que veio a primeira vitória em Interlagos, no Grande Prêmio Faria Lima. A conquista foi fruto do talento e sensibilidade de Chiquinho Lameirão e da capacidade de Miguel Crispim, que alterou a bitola do eixo traseiro do Malzoni, deixando-a mais solta e mais ao feitio de seu estilo de pilotagem. Nos treinos, foi batido o recorde estabelecido por Juan Manuel Fangio. Ao volante de um Malzoni, Chiquinho Lameirão quebrou um recorde que perdurava em Interlagos, estabelecido por Fangio. Mas, em 1966, uma nova força surgia no automobilismo nacional: a equipe Dacon, de Paulo Goulart. Com Karmann Ghias equipados com motores da Porsche, os carros azuis viriam a estabelecer um domínio sobre as demais equipes e foi feito uma espécie de “vestibular” para a distribuição dos pilotos pelos carros – dois com motor 2.0 e dois com motor 1.6. Chiquinho Lameirão foi um dos pilotos escolhidos, vindo a dividir um dos carros de motor 1.6 com Anísio Campos, mas foi na última corrida da equipe, as 12 horas de Brasília de 1967, que Chiquinho Lameirão conquistou seu melhor resultado pela Dacon, um terceiro lugar ao lado de Emerson Fittipaldi. No "vestibular" da DACON, Francisco Lameirão foi um dos pilotos aprovados para pilotar os KG-Porsche. Ao lado de Anísio Campos. No mesmo ano começava a febre da Fórmula Vê no Brasil e Chiquinho Lameirão também seguiu a maioria dos pilotos da época e foi para cima dos monopostos. Naquela que foi a grande prova disputada por estes carros em Interlagos – a edição dos 500 Km de 1967 – onde terminou em 5º lugar, correndo em parceria com Élvio Rangel. No final de 1967, juntou-se a equipe Jolly-Gancia, de Emilio Zambello e Piero Gancia. Em 1968, com provas limitadas aos circuitos de rua e as corridas no antigo autódromo de Jacarepaguá, correndo pela Jolly-Gancia, conquistou o vice-campeonato brasileiro ao lado de Emilio Zambello ao volante de uma Alfa GTA. No ano seguinte, acabou decepcionando-se com a sua não escolha para assumir o volante da Alfa P-33 da equipe e deixou o time. Na Dacon Comemorando mais uma vitória, com José Carlos Pace, Francisco Lameirão, Rodolpho O. Costa e Emerson Fittipaldi. Exímio acertador de carros, uniu forças novamente com Anísio Campos. O nosso ‘mago da prancheta’ criou um fantástico protótipo – o AC – e coube a Chiquinho Lameirão fazer os acertos de pista. O carro teve suas unidades produzidas compradas por alguns dos melhores pilotos do país. A reforma de Interlagos virou os olhos dos nossos pilotos para a Europa. Em 1969 uma primeira leva de pilotos cruzou o atlântico e com o sucesso alcançado, um novo estímulo passou a ser dado no automobilismo nacional. Primeiro, com o projeto de Antônio Carlos Scavone de para trazer a Fórmula 1 para o Brasil, que começou com a realização dos torneios de Fórmula Ford, patrocinados pela BUA, companhia aérea inglesa. Em Curitiba, Lameirão conversa com Marinho Camargo antes da largada. Correndo para Eugênio Martins num AC. de Anísio. Chiquinho Lameirão participou com sucesso apenas da ultima prova do, ao volante de um ‘Merlyn’, alugado (quando foi à Europa, Scavone conseguiu trazer vinte carros da categoria, além de alguns pilotos de gabarito, entre eles o campeão de 68, Ian Ashley), conseguindo um ótimo 5º lugar em sua corrida de estréia na categoria, a última do torneio daquele ano. A performance foi o estímulo que faltava para Chiquinho Lameirão decidir tentar a vida fora do país. Vendeu o que tinha e conseguiu um pequeno patrocínio da Varga (freios) e do Fundo Baluarte e seguiu para a Inglaterra. Em lá chegando, comprou um chassi Royale RP3 semi-novo, um motor Cortina com preparação de fábrica da Ford e uma perua Ford Cortina, que era o “caminhão da EUquipe”. Sim, era o próprio Chiquinho Lameirão que fazia a preparação e manutenção do carro. Chiquinho andou de Fórmula Ford no Brasil e isso o motivou a ir para a Europa tentar a carreira internacional. Foi na cara dura! A estreia no campeonato de Fórmula Ford foi em abril de 1970. Chiquinho Lameirão correu em alguns dos principais autódromos do pais (Silverstone, Brands Hatch, Snetterton, Oulton Park e Thruxton), mas com o pobre esquema que tinha, não conseguia sair do meio do pelotão. Aquilo, de certa forma, era desestimulante. Francisco Lameirão disputou também uma prova fora da Inglaterra: o XVII Circuito Internacional de Vila Real. Era um circuito de rua, com quase 8 Km de extensão. Descendente de portugueses, era uma forma de “se sentir mais perto de casa”. Com assistência de um mecânico da Equipe Royale FF, tendo o português Jorge Pinhol como companheiro de equipe. Lameirão em sua passagem pela Europa: pouco dinheiro, muito sangue, suor e graxa. Os resultados não foram os desejados. Contudo, nesta prova Chiquinho Lameirão sofreu o acidente mais grave de sua carreira: em terceiro lugar na prova e perto dos dois primeiros, a quebra do tensor na reta do circuito fez o carro, que vinha a mais de 200 Km/h, rodar várias vezes. Com muita sorte e felicidade, Chiquinho nada sofreu. Foi um alívio, mas parecia ser um sinal. De volta à Inglaterra, teve o dissabor de descobrir que a perua Ford Cortina havia sido roubada e ele perdera todo o equipamento que nela estava. Não havia meios para poder continuar correndo. Já pensando em retornar, fez um acordo com o piloto gaúcho Rafaelle Rosito, que também estava buscando iniciar a carreira internacional. Rosito pagou metade daquilo que seria o custo do carro e os dois passaram a revezar-se no carro. Um ponto positivo neste projeto em parceria foi que junto com Rafaelle Rosito foi o preparador Wilson Drago, deixando com que Chiquinho pudesse se concentrar em acertar o carro e correr. Infelizmente, em treino em Thruxton, Rosito sofreu acidente e o carro ficou praticamente destruído. Retornando para Portugal, disputou algumas provas do campeonato português de F Ford. Depois de conseguir dois 2º lugares e quatro 3º, retornou ao Brasil. Acabava ali o sonho da carreira na Europa. Em 1971, foi convidado pelo amigo Anísio Campos para fazer parte da Equipe Z, que viria a ser a maior do Brasil nos anos 70. Quando Anísio campos montou a Equipe Z, que viria a ser a Equipe Holliwood, com Luiz Pereira Bueno como seu principal piloto, contratou Chiquinho Lameirão. O esquema era forte: importaram um Porsche 908/2 e Lian Duarte, que também foi contratado, comprou o Porsche 910 que pertencia a Mario Olivetti. Pouco tempo depois a Souza Cruz através dos cigarros Hollywood passou a patrocinar a equipe. Chiquinho disputou o campeonato de viaturas esporte de 1971 ao lado de Lian Duarte com o Porsche 910 e foram vice-campeões brasileiros, sendo Luizinho e Anísio os campeões, com o Porsche 908/2. A realização de alguns torneios de verão com os Fórmula Ford acabou fomentando a criação de um campeonato da categoria no país e 1971 foi o ano de estreia desta que veio praticamente substituir a Fórmula Vê, que começou muito bem, mas que no final da década de 60 já tinha seu grid bem esvaziado. Além de correr com os Porsche da equipe, correu também com o Fórmula Ford, onde sagrou-se campeão brasileiro da categoria. A primeira temporada contou com alguns dos grandes pilotos da época, como o próprio Chiquinho Lameirão, Pedro Victor DeLamare, Lian Duarte e alguns jovens valores que estavam surgindo como Alex Dias Ribeiro, Clovis de Moraes, Enio Sandler, Lionel Friederich, entre outros. Chiquinho Lameirão sagrou-se campeão naquele ano de estreia ao volante do Merlyn da Equipe Hollywood. Após os anos 60, marcado pelas equipes de fábrica, o automobilismo nacional passava a viver um outro momento, os das estruturas patrocinadas. A Hollywood e a Brahma eram exemplo disso. A Equipe Bino, de Luiz Antônio Greco também. Chiquinho decidiu apostar num esquema próprio e com Miguel Crispim e Jaime Levy, montou a sua própria equipe, a Equipe Brasil, que posteriormente conseguiu o patrocínio da Motoradio, que fabricava rádios para carros. Correndo em um esquema próprio, conquistou diversas vitórias, como o "Cascavel de Ouro" em 1973, com um Avallone Chrysler. No Rio de Janeiro Ricardo Achcar e Ronald Rossi construíam o chassis Polar, que viria a ser utilizado também, alguns anos depois, nos carros da Fórmula Super Vê. Francisco Lameirão entrou em acordo com os cariocas e passou a representá-los em São Paulo, trabalhando também no desenvolvimento dos carros. Além das provas da Fórmula Ford, Chiquinho Lameirão participou de diversas provas de protótipos, vencendo algumas delas nos campeonatos da Divisão 4. Pilotando um Avallone/Crhysler V8 venceu em Interlagos a ultima prova da temporada e em 1974, disputou, com um Heve, e ganhou a etapa de Cascavel, no Paraná, o famoso “Cascavel de Ouro”. O esquema era tão forte que enfrentou de igual para igual os carros da Equipe Hollywood no campeonato brasileiro da Divisão 4. Em 1974 a Fórmula Super Vê veio para se tornar o campeonato de monopostos mais importante do país e Francisco Lameirão, com a equipe própria estava lá. Mais uma vez a mescla de consagrados e jovens talentos marcou os campeonatos. Alfredo Guaraná Meneses, Marcos Troncon, Nelson Piquet, Mauricio Chulan, Eduardo Celidônio, Tite Catapani, Ingo Hoffman, Antonio Castro Prado, Milton Amaral, Antonio Castro Prado, Francisco Feoli, Marivaldo Fernandes entre outros compunham o grid. Neste ano, Chiquinho ficou com o vice campeonato, perdendo para Marcos Troncon, mas em 1975, sagrou-se campeão da categoria, tanto no brasileiro quanto no paulista. Em 1976, foi o 3º colocado. Com o surgimento da Fórmula Super Vê, Um novo desafio: E Chiquinho foi vice em 74, campeão em 75 e terceiro em 1976 com um Polar. Em 1977, sem o patrocínio da Motoradio, encerrou as atividades da equipe, mas ainda fez mais algumas provas. Em parceria com Miguel Crispim abriu a “Boxer Auto Mecânica”, sociedade que durou um ano. Em 1978 fez sua ultima corrida pilotando um Polar, com o patrocínio da Marlboro, encerrando sua brilhante carreira. Em 1983, Chiquinho Lameirão voltou as pistas, dividindo um Ford Escort com outro Nobre do Grid: Jan Balder. A convite da Ford, fizeram 3 provas de longa duração: “Mil Km de Brasília”, “6 Horas de Tarumã” e “12 Horas de Interlagos”. Este carro viria a ser o grande carro do campeonato brasileiro de marcas e pilotos alguns anos depois. Em 1978 Francisco Lameirão fez sua última corrida na F. Super Vê. Ainda retornou numa prova em 83, mas ali encerrava a carreira. Hoje em dia, Francisco Lameirão continua ligado ao automobilismo de competição prestando assessoria para equipes de Turismo e Esporte Protótipos. Possui uma oficina de montagem de réplicas de carros antigos e restauração de carros antigos. Desenvolve também um protótipo com o qual pretende bater o recorde brasileiro de velocidade para carros 1.000 cc, em poder até hoje do Carcará DKW, desde 1966. Fontes: Revista Autoesporte; Revista Quatro Rodas; site mplafer.com; Depoimentos do Piloto CDO. |