Argentino de Buenos Aires, Fernando Croceri foi piloto durante quase duas décadas e mesmo depois de parar de competir, continuou envolvido com o automobilismo através da AAV (Associação Argentina de Volantes, na qual é o atual vicepresidente). Além deste trabalho, agora, 18 anos depois de um dos mais polêmicos episódios do automobilismo no continente, Croceri busca uma aproximação com a F3 Sudam trazendo pilotos argentinos para correr novamente na categoria. Quem sabe um momento de virada na dura realidade que esta categoria vem passando. Gentilmente, Fernando Croceri nos concedeu esta entrevista durante a etapa da categoria continental em Interlagos, onde os jovens pilotos argentinos, Hernan Bueno e Augusto Scalbi fizeram suas estréias oficiais na categoria em julho de 2011. NdG: Como foi o seu inicio no automobilismo na Argentina? Fernando Croceri: Eu comecei a correr na Fórmula Renault Argentina, Depois corri na Fórmula 2 sulamericana antes de tentar a carreira na Europa, onde cheguei a correr de Fórmula 3000. Voltando para a Argentina, vim correr no campeonato sulamericano de Fórmula 3, quando consegui um forte apoio de uma petroleira – a YPF: Yacimentos petrolíferos Fiscales – que permitiu que eu ingressasse em uma das equipes mais fortes da categoria, a Cesário Fórmula, de Augusto Cesário com quem mantenho uma grande amizade até hoje. NdG: O senhor não correu de Kart? Fernando Croceri: Não. Antes de correr de carros eu corri alguns anos fazendo MotoCross. Cheguei a sagra-me campeão argentino. Acho que sou um caso único, não? (risos). Tivemos pilotos de moto velocidade que chegaram até a Fórmula 1, mas eu não conheço nenhum piloto de MotoCross que tenha saído de lá para correr de carros. NdG: O senhor trouxe dois jovens pilotos argentinos para fazer sua estréia oficial na categoria nesta etapa em Interlagos. Para um piloto, fosse nos tempos em que o senhor estava em atividade, seja nos dias de hoje, quais as opções que os pilotos tinham e tem para tentar seguir e/ou criar uma carreira nas pistas? Apesar de eu nunca ter corrido de kart, é o caminho natural para um piloto. Depois do kart, seguir para os fórmulas. Fernando Croceri: Era e é como deve ser aqui no Brasil. Depois de correr de Kart, o caminho natural é buscar uma categoria de monopostos, de fórmula. Depois, ainda existe o desejo de se buscar fazer uma carreira no automobilismo europeu. Apesar de estarmos sem um piloto na Fórmula 1 há muitos anos, temos uma história e um nome a zelar. Eu acredito que uma passagem pela Fórmula 3 sulamenricana será sempre de grande valia para qualquer piloto do continente como aprendizado e amadurecimento para que ele possa, caso consiga, ir para Europa melhor preparado e por isso começamos este ano um trabalho com alguns pilotos argentinos, trazendo-os para correr algumas provas este ano, buscando patrocinadores e temos o desejo de ter, se possível no próximo ano, uma equipe argentina na categoria e que a Fórmula 3 sulamericana cumpra este papel que tão bem cumpriu no passado. Para isso contamos com o apoio de Dílson Mota, organizador da categoria, de Augusto Cesário e eu acredito que teremos êxito neste projeto. NdG: É possível fazer uma comparação das dificuldades ou oportunidades que os pilotos argentinos encontram hoje com as que a sua geração encontrou? Fernando Croceri: Pelo menos para os pilotos que almejam algo a mais lá na Argentina, eu acho que a vida ou a fase de grandes oportunidades para um piloto de corridas nos dias de hoje está cada vez mais curta. Hoje em dia, um piloto com 25 anos de idade está com as portas praticamente fechadas nas mais importantes categorias. Eu fui campeão aos 30 anos... era uma realidade completamente diferente. Além do que, os valores que é necessário nos dias de hoje para se fazer um piloto ter um equipamento competitivo é muito maior, mesmo proporcionalmente, ao que era nos anos em que corri. Contudo, eu sempre digo isso em minhas conversas com amigos, com pessoas do meio, com empresários, o esporte é saudável. É um grande e possivelmente o melhor caminho para formar valores nos jovens, para mantê-los longe das drogas, para consolidar seu caráter. Um outro problema é quando os pais dos pilotos, alguns deles, decidem se meter na carreira dos filhos, muitas vezes buscando se realizar nos filhos e isso é muito grave. Um piloto para que eu o acompanhe eu sempre coloco como condição que não venha com os pais. Os pais irem assistir as corridas, claro, sempre, mas não ficar nos boxes, interferindo no trabalho e tirando a concentração dos pilotos. NdG: Os pilotos argentinos desta nova geração ainda tem em mente o desejo de ir correr na Europa, de tentar chegar à Fórmula 1 ou eles se voltam mais para preparar-se para correr dentro da própria Argentina? Algo que certamente contribui para o grande público nos autódromos na Argentina, penso eu, é por não termos pilotos na F1. Fernando Croceri: Eu vejo que há aí duas realidades: uma é de se buscar a Fórmula 1, tratar de ser o melhor e buscar escalar aquela “pirâmide” que não existe mais. Ou seja, ele vai ter que encontrar um caminho. Outra é você começar a correr para terminar em um carro velho de turismo. Há que se pensar com ambição, de se buscar voar cada vez mais alto e é isso que eu procuro trabalhar com meus pilotos, que eles devem buscar sempre o máximo. Uma coisa que as pessoas talvez não saibam e se soubessem talvez tivéssemos mais público nos autódromos. Este carro da Fórmula 3 passa pelos mesmos túneis de vento que passam carros da Fórmula 1. A tecnologia para composição de materiais usada aqui é a mesma e eu digo aos pilotos que uma Fórmula 3 forte e espero que tenhamos logo isso novamente por aqui é uma grande categoria para se correr e que caso não consigam chegar à Fórmula 1, correr numa boa categoria de Fórmula 3 é uma carreira também. NdG: A sua geração tinha ótimos pilotos e certamente, Carlos Reutmann devia ser uma referência como eram Emerson Fittipaldi e Nelson Piquet para os brasileiros. O que faltou aos pilotos argentinos de sua geração para conseguir chegar, e não apenas chegar, mas estabelecer-se na F1? Fernando Croceri: Faltou um apoio institucional. Para se chegar ao topo como é a Fórmula 1 há que se escalar uma pirâmide e esta pirâmide vai de muitos fatores além de dinheiro que um piloto possa conseguir. É preciso toda uma preparação, um planejamento de carreira, uma pessoa para fazer as escolhas certas e orientar o piloto que precisa estar concentrado em aprender as pistas, conhecer seu carro e aperfeiçoar-se. Esta nós não tivemos e hoje, até aqui no Brasil esta estrutura parece ter deixado de existir. Outra coisa que precisamos considerar é que as coisas mudaram muito ao longo dos últimos anos. A questão comercial passou a ter um fator muito grande neste meio e assim, nem sempre os melhores pilotos talvez consigam chegar à Fórmula 1. NdG: Aqui no Brasil, a maioria das categorias é composta por “pilotos pagantes”. Pessoas que tem dinheiro e vão para as pistas correr em categorias monomarcas e/ou em carros esporte de luxo. Há, contudo, uma classe de pilotos que conseguem viver do automobilismo, como pilotos profissionais, remunerados. Na Argentina, os pilotos conseguem viver do automobilismo? Fernando Croceri: As categorias de turismo remuneram muito bem seus pilotos, mas é importante salientar que os pilotos que ganham dinheiro e que vivem como pilotos na Argentina são pilotos que eram bons nas categorias de fórmulas e que agora, com 35, 40 anos, não estão mais para correr em monopostos e compõem quase que a totalidade dos grids da TC 2000 e da “Turismo Carretera”, duas categorias que atraem muito público e grandes patrocinadores na Argentina. No caso da TC 2000, também atraem as montadoras. Agora, claro que existem pilotos e existem os aproveitadores, gente que tem seus contatos e que conseguem montar times e correr em categorias com carros caros, que ganham muito dinheiro e que ficam fumando pelos boxes (Nota do site: Croceri mostrou-se indignado com um expiloto de F1 que estava na disputa do campeonato de marcas que fumava o tempo todo nos boxes de sua equipe). NdG: Uma coisa que nos chama muito a atenção é o fato do comparecimento de público nos autódromos na Argentina, seja em qual for a categoria. Aqui no Brasil, tirando a F1, a Stock Cars e a Fórmula Truck, o comparecimento de público é pequeno ou quase nenhum. O que é feito na Argentina para levar o público aos autódromos? O Turismo Carretera tem 80 anos de tradição na Argentina e é uma categoria forte, mas o piloto jovem tem que correr de fórmula. Fernando Croceri: O argentino é apaixonado por automobilismo, isso é fato, mas uma coisa que eu acho que influi neste interesse pelas categorias locais é a ausência de pilotos argentinos no automobilismo internacional. Outro fator é a história que o automobilismo argentino tem com o chamado “automobilismo de Carreteras”, que vem desde o início do século XX e que não se perdeu, modernizou-se e isso levou o público que acompanhava as corridas nas margens das estradas, nos tempos de Fangio, dos irmãos Galvez, para os autódromos quando as provas vieram para eles. NdG: Apesar de vizinhos e povos apaixonados pelo automobilismo, havia mais integração entre os competidores do “cone sul” nos anos 40/50/60 do que nos anos 80/90. Será que nós todos (brasileiros, argentinos, uruguaios...) erramos em não fortalecer o automobilismo do continente? O que se pode fazer neste sentido? Fernando Croceri: A meu ver, uma grande parcela de culpa disto está nas pessoas que organizam as competições. Quando se tem pessoas que estão mais preocupadas com seus interesses pessoais do que com o desenvolvimento do esporte, da categoria, isso sempre irá acontecer. Um outro ponto que não pode ser desprezado é quando existe um desequilíbrio econômico entre as partes, os países envolvidos e isso também, no caso aqui da América do Sul, contribuiu para se criar uma separação dada a grave crise que vivemos por anos na Argentina. No passado as pessoas tinham um outro espírito, era um comprometimento esportivo. Nos dias de hoje, o compromisso comercial vem antes do esporte. NdG: Em 1993 aconteceu um episódio que muitos consideram como crítico para o afastamento entre as federações e mesmo os pilotos do continente, em especial, brasileiros e argentinos. Hoje, 18 anos depois, como o senhor vê aquele momento? Fernando Croceri: O rompimento, na verdade, começou no ano anterior, em 1992, Quando algumas pessoas procuraram criar meios para que um piloto brasileiro fosse levado para correr na Europa de qualquer maneira (Nota do site: Marcos Gueiros sagrou-se campeão em 1992). Em 1993, começou a acontecer novamente, para beneficiar outro piloto (Nota do site: o piloto em questão era Helio Castro Neves). Contestamos algumas decisões de comissários como em Londrina, onde ele bateu em todo mundo e não foi punido. Ele também trocou de equipe, de carro, coisa que não podia ser feita pelas regras do campeonato. É bom que as pessoas saibam que a categoria era uma categoria nascida na Argentina e que nós viemos ao Brasil e convidamos os brasileiros a participar, pilotos, equipes, procuramos criar regulamentos para colocar os carros em condições niveladas de competição. Voltando a 1993, houve até um caso que o Augusto Cesário, brasileiro, contestou a organização, de tão errada que as coisas estavam. O Toninho de Souza, que encontrei por aqui hoje conhece bem a estória toda. Ele pode te contar mais sobre o que aconteceu. Acabou que nós “aprendemos o que era o ‘jeitinho brasileiro’”, e decidimos que iríamos pagar na mesma moeda. Poderia ser eu ou outro que estivesse na frente, mas decidimos que iríamos ajudar um argentino a ser campeão. Em uma corrida em Goiânia, Helio bateu em mim nos treinos e foi punido. Ele veio no domingo pedir desculpas e só pode correr porque eu e a equipe fomos à direção de prova para dizer que estava tudo bem e desculpávamos ele pelo acidente. O que aconteceu na última corrida foi apenas a consequência de tudo que se passou durante o ano e ainda o ano anterior. NdG: O seu envolvimento com a AAV começou ainda nos seus tempos de piloto ou foi algo que o senhor só conseguiu se dedicar realmente depois de parar de competir? Em 1993 terminou um processo que começou 1 anos antes. Queriam fazer escada para os pilotos brasileiros a todo custo na F3. Fernando Croceri: A Associação Argentina de Volantes passou por algumas dificuldades financeiras no passado e eu já tinha parado de correr quando fui procurado para fazer parte dela. Durante o governo de Carlos Menem, o governo fez uma intervenção na AAV para salvá-la da falência em 1994. O interventor era um administrador e começou a colocar as coisas nos devidos lugares, administrando a AAV como se fosse uma empresa. Quando a associação estava com as contas novamente equilibradas, ele convocou eleições e foi buscar os pilotos mais representativos do país para unir forças e fazer a AAV funcionar. Foram feitas algumas chapas e a nossa ganhou. Bom, nós convidamos o antigo interventor para ser o gerente geral! Depois disso, nós só crescemos e hoje temos 15 mil pilotos federados, aos quais provemos além da possibilidade de correr damos, por exemplo, um plano de saúde. Se ele precisa fazer uma cirurgia ou um tratamento médico, a AAV custeia isso. Também promovemos ciclos de palestras sobre segurança no trânsito, cursos de direção defensiva... No site da AAV tem todo o trabalho que nós fazemos dentro e fora das pistas. NdG: Foi com grande felicidade que vimos a sua vinda com jovens pilotos aqui para fazer testes e agora para correr na F3 Sudam. Como é que foi feito este projeto? Fernando Croceri: Desde os meus tempos de piloto na categoria eu sempre mantive uma relação muito boa com Augusto Cesário, uma pessoa maravilhosa e um apaixonado pelo automobilismo. Mantivemos contato durante todos estes anos e há algum tempo começamos a conversar sobre a possibilidade de trazermos pilotos argentinos de volta para a categoria. A primeira coisa foi buscar os interessados e encontrar caminhos para viabilizar a participação deles na categoria. Além disso, era preciso encontrar pilotos com talento, porque sem talento, por mais dinheiro que se tenha, os resultados não virão. Quando começamos a conseguir este caminho, tivemos o apoio de Augusto e sua equipe para trazermos os pilotos para fazer testes aqui em Interlagos e hoje estarmos aqui, participando pela primeira vez de uma etapa do campeonato. NdG: Como é que a idéia de fazer uma integração (ou uma reintegração) maior no automobilismo do continente, em especial entre Brasil e Argentina vem sendo vista por pilotos, patrocinadores e pelo público que acompanha automobilismo na Argentina? Tivemos uma crise muito séria no automobilismo argentino nos anos 90. Hoje a AAV está bem estruturada e muito forte. Fernando Croceri: Nós, na Argentina, acreditamos que a Fórmula 3 sulamericana pode voltar a viver seus melhores dias e estamos investindo em esforços para ajudar a fazer da categoria uma das mais importantes do mundo. Nosso plano é montar uma equipe argentina, com pilotos argentinos e com carros pintados nas mesmas cores que usávamos nos tempos da Fórmula 2. Contudo, é preciso que se faça um grande esforço aqui no Brasil também para que a categoria volte a ganhar projeção e importância. No momento temos um grid de nove carros e para que possamos voltar a ter o reconhecimento que tínhamos no passado, precisamos de pelo menos 15 carros largando a cada etapa. Com mais dois carros de uma equipe argentina seriam 17. Isso pode ser um bom recomeço. NdG: Hoje a F3 passa por um momento difícil, com um grid pequeno, poucos pilotos e um custo considerável para um piloto disputar a temporada. O que o senhor acha que pode ser feito para que tenhamos uma categoria forte no continente e que seja atraente para os pilotos? Trazer outras equipes estrangeiras como a Hitech seria um caminho? Fernando Croceri: Sim, claro. Eu tenho certeza que meus pilotos tem condições, hoje, de correr na Fórmula 3 na Inglaterra, na Alemanha ou na Itália. O [Fabiano] Machado pode disputar de igual para igual com qualquer competidor na Europa e se as equipes viessem para cá, montassem estruturas como a Hitech montou aqui poderia ser uma forma de melhorar a disputa na categoria. NdG: Como a mídia e o meio automobilístico na Argentina estão vendo esta reaproximação com a Fórmula 3 Sudam? Achamos que a F3 pode ser uma grande categoria, mas é preciso que haja um grande envolvimento de todas as partes para tal. Fernando Croceri: Com os pilotos está sendo muito bem vista e há muitos interessados e este resultado de hoje vai estimular ainda mais o interesse dos pilotos argentinos pela categoria. Na mídia o retorno tem sido bom. Os jornalistas especializados tem demonstrado um interesse cada vez maior e procurando saber mais sobre a categoria e sobre o projeto da vinda dos nossos pilotos e por ter pilotos argentinos em uma categoria de fórmula mais forte do que a que temos no país. O público argentino é apaixonado por automobilismo e o retorno dos nossos pilotos será mais um motivo para que os torcedores compareçam aos autódromos. Esta integração tem tudo para dar certo. |