Quando ‘seu’ Vitório Andreatta recebeu a notícia do nascimento de seu primogênito, jamais imaginaria que aquele menino escreveria seu nome em letras tão grandes na história do automobilismo brasi-leiro. Dona Celanira, sua esposa, embalava o pequeno Catharino Andreatta, nascido em Porto Alegre no dia 25 de outubro de 1911, entre os sons que cercavam o bairro comercial e industrial de São João dos Navegantes. ‘Seu’ Vitório era um comerciante da região e como era comum naqueles tempos. Com quatro filhos (Além de Catharino, Julio – que também tornou-se um piloto de grande sucesso – Doro e Gessi), D. Celanira tinha muito o que fazer no cuidado com a educação das crianças. Catharino teve a oportunidade de estudar em uma das melhores instituições de ensino da capital gaúcha: o IPA. Antes, estudou no Colégio Nossa Senhora dos Navegantes. Antes mesmo de terminar os estudos, Catharino Andreatta começou a trabalhar na trans-portadora, que era um dos negócios de seu pai, sempre envolvido na oficina, tornou-se um especialista na mecânica dos Fords, Chevrolets que cruzavam a cidade e o estado nas difíceis estradas dos anos 30, que tanto exigia das suspensões, freios e carburadores. A proximidade geográfica com o Uruguai e a Argentina, dois países que tinham uma forte tradição de corridas, mesmo sem a existência de autódromos. Eram os tempos das Carreteras e das corridas pelas estradas, circuitos de rua e dos raids. Porto Alegre tinha uma tradição de corridas e um “autódromo”, que era o circuito do bairro do Cristal onde ases como Irineu Correa e Noberto Jung mostravam suas habilidades. Foi neste meio, seguindo os passos de Norberto Jung que Catharino Andreatta ingressou para a Scuderia Galgos Brancos. As Carreteras, carros de passeio que recebiam uma estrutura reforçada para resistir às exigências das provas que disputavam, nos mais difíceis terrenos. A Galgos Brancos foi a primeira equipe brasileira de competições no automobilismo. Na sua primeira corrida, Catharino Andreatta ainda não estava ao volante da mítica carretera nº 2... mas já mostrou serviço. Antes de trilhar sua vitoriosa carreira, subir em um pódio ou mesmo sentar em um “cockpit” (se é que se chamavam assim o lugar onde os pilotos sentavam), Catharino Andreatta subiu... ao altar. Em 1936, antes da primeira bandeirada o nosso Nobre do Grid casou-se com Nair Giunta, com quem teve quatro filhos (Vitório – que seguiu seus passos – Celanira, Luci e Tânia). A estréia de Catharino Andreatta como piloto foi na subida de montanha do “Caracol da Bela Vista”, que hoje é um bairro de classe média-alta da capital gaúcha, em 1936, mas seu primeiro resultado expressivo foi no ano seguinte, no 1º Circuito do Alto Taquari, na cidade de Venâncio Ayres, quando conquistou a segunda colocação. Em 1938, depois de um desempenho assombroso na subida de montanha em Porto Alegre, toda a imprensa que acompanhava de perto o automobilismo local estampou nas manchetes: “Surge um Ás de Verdade”, tamanha foi a superioridade imposta por Catharino na conquista da prova. Não demorou muito para que Catharino Andreatta viesse a ser o grande nome da Scuderia Galgos Brancos, 1ª equipe nacional. Em 1939, Catharino venceria novamente a subida de montanha de Porto Alegre e seu irmão, Julio, fazia sua estréia como piloto. Diante de tamanha competência e habilidade, logo Catharino e Julio foram convidados a fazer parte da Scuderia Galgos Brancos e acabariam sendo os grandes responsáveis pela fama que a a equipe gaúcha conquistou no país ao longo dos anos seguintes. Já pela Scuderia Galgos Brancos, Catharino Andreatta e sua “Brigitte” (nome que o piloto deu à sua Carretera nº 2) venceu sua primeira prova de nível nacional: no Raid Rio – Porto Alegre, Catharino venceu a etapa entre São Paulo e Curitiba, uma estrada até então desconhecida. No resultado final, não conseguiu terminar entre os três primeiros, mas o piloto mostrava que ainda tinha muito o que crescer. No período da II Guerra Mundial, sem gasolina, as corridas eram na base do gasogênio... e Catharino continuou vencendo! A Segunda Guerra Mundial foi um problema que os pilotos brasileiros de uma forma geral tiveram que enfrentar: com o racionamento de gasolina, as corridas não podiam mais ser realizadas... em teoria. Com a adoção da precária, mas relativamente eficiente, do gasogênio, não demorou muito para os “carros movidos à lenha” começarem a disputar corridas e Catharino Andreatta foi um dos mais destacados pilotos, vencendo provas na capital e no interior. Catharino sagrou-se campeão brasileiro em 1944. Naquela altura, a imprensa nacional já sabia quem era Catharino Andreatta e as manchetes de jornais avisavam: “Surgiu no sul do país um volante apto a participar das mais difíceis provas do país”. Apesar da Scuderia Galgos Brancos ter em seus quadros grandes pilotos como Norberto Jung, João Caetano Pinto, Oscar Bins, Olynto Pereira, entre outros, a imagem da Scuderia ficava cada vez mais vinculada à imagem de Catharino Andreatta. Um foto para marcar época: Catharino Andreatta e Aristides Bertuol trocam impressões com Juan Manuel Fangio em 1949. Com o fim da guerra e o país voltando à normalidade, as competições voltavam a acontecer e cada vez mais importantes iam se tornando as provas que cruzavam os estados do sul e sudeste brasileiro. Entre estas provas, Catharino venceu a prova Washington Luis – São Paulo, uma prova que tinha dois dias de duração. Naquela altura, um dos seus mais duros adversários era justamente o irmão, Julio. No inicio dos anos 50, além das provas de estrada nacionais, Catharino mostrava-se um dificílimo adversário a ser batido nas provas regionais, mesmo com adversários do gabarito de Aristides Bertuol, Aido Finardi, Diogo Ellwnger, José Asmuz, entre outros. Em 1953 o automobilismo e o futebol deram os braços no Rio Grande do Sul. Com a extinção da Associação Riograndense de volantes e foi fundado o Automóvel Clube do Rio Grande do Sul. O Grêmio de Football Portoalegrense fundou seu “Departamento de Automobilismo” e Catharino Andreatta foi convidado para ser seu diretor. Outros pilotos fizeram parte do departamento, como Diogo Ellwanger, José Rimoli e seu irmão, Julio. Nas corridas no Rio Grande do Sul (aqui, no circuito do Taquari, 1952), Catharino era sempre "o adversário a ser batido". Depois da guerra, a integração entre o automobilismo do sul do país e os dos países vizinhos aumentou, mas nas corridas realizadas fora do Brasil, nossos pilotos nunca conseguiam vencer. Esta realidade mudou no dia 6 de dezembro de 1953, na cidade uruguaia de Piriápolis. Catharino Andreatta venceu o GP Hector Supci Sedes, tornando-se o primeiro piloto brasileiro a vencer uma corrida no exterior com um carro de uma equipe nacional. Contudo, as coisas no automobilismo brasileiro estavam mudando e ainda sofreria uma grande guinada. Ao longo do ano de 1956, um publicitário e radialista de São Paulo chamado Wilson Fittipaldi e que tinha o apelido de “Barão”, percorreu os estados do sul do país, visitando pilotos e convidando-os para participar de uma prova de longa duração que seria realizada no autódromo de Interlagos: eram as Mil Milhas Brasileiras, que teriam sua primeira edição no final do mês de novembro daquele ano. Todos grandes pilotos do Rio Grande do Sul aceitaram o convite, que era quase um desafio, e partiram para a disputa da prova. Cada carro teria dois pilotos e estes, revezariam o volante em diversas oportunidades durante o evento. O mistério, era descobrir as duplas que seriam feitas. Pouco antes da largada da primeira edição das Mil Milhas Brasileiras, Catharino ao lado do parceiro que escolheu: Breno Fornari. Com tantos pilotos de alto nível, será que eles dividiram seus carros? Algumas duplas logos se formaram e eram duplas com grandes pilotos: Julio Andreatta e Alcides Schroeder, Aristides Bertuol e Valdir Rebeschini, Diogo Ellwanger e Osvaldinho Oliveira, Haroldo Dreux e Aldo Costa, José Asmuz e Raul Wigner, Aido Finardi e Orlando Menegaz, Camozzato e Dirceu Oliveira, Alfredo Daudt e Gustavo Costa, e Nicanor Ollé e José Otero. Catharino Andreatta, optou por uma composição diferente: ao invés de convidar seu irmão, por exemplo, chamou para ser seu parceiro um piloto novo, que corria na categoria standard (carros que não eram “mexidos” para correr, que eram carros de passeio utilizados em corrida): Breno Fornari. Isso fez com que a Scuderia Galgos Brancos, através dos Irmãos Andreatta e seus respectivos parceiros, ser a única equipe da competição, a colocar dois carros no grid de largada. Ao final de 201 voltas, a dupla gaúcha subia ao lugar mais alto do pódio. Catharino Andreatta "conquistava o Brasil". Duas semanas antes da realização do evento, os gaúchos foram para São Paulo. Com larga experiência em corridas de estrada e em circuitos semiurbanos, uma corrida num autódromo era algo desconhecido e certamente seria preciso tempo para uma adaptação, treinos e tentar se adaptar, da melhor maneira possível, a um formato de prova que nunca havia sido disputada no Brasil anteriormente. Os gaúchos não economizaram: mandaram os carros em caminhões e os pilotos foram de avião. Entre os treinos no autódromo e a hospedagem em alguns hotéis da Av. São João, bem no centro da cidade, o clima era amistoso e amigo, com os churrascos diários e nem de longe se via a que viria a ser a dura disputa entre os gaúchos e paulistas. Catharino e Breno duelaram duramente contra a dupla Chico Landi e Jair Vianna, que liderou o primeiro quarto da prova, até quebrar. Depois do feito das Mil Milhas Brasileiras, não faltaram homenagens e premiações para o grande Catharino Andreatta. Apesar de assumir a liderança e ter liderado por boa parte das horas que duraram a prova, os gaúchos quase foram surpreendidos por um fantástico Volkswagen com motor Porsche, pilotado por Christian Heins e Eugênio Martins. Contudo, depois de um problema mecânico, os gaúchos retornaram à ponta e venceram a primeira edição daquela que é, até hoje, a mais importante prova nacional da nossa história nas pistas. Catharino Andreatta e Breno Fornari subiram ao pódio e receberam o troféu da Bardahl diante de uma multidão calculada em mais de 30 mil pessoas. Em seu retorno a Porto Alegre, os campeões da prova desfilaram em carro aberto oficial do governo riograndense pelas ruas da capital gaúcha, onde foram homenageados pelos porto-alegrenses que os aplaudiram pela grandiosa conquista. Não bastasse uma conquista, a dupla Catharino Andreatta e Breno Fornari voltaram a vencer as Mil Milhas por mais duas vezes. Nos anos seguintes, os gaúchos dominaram a prova realizada na capital paulista e Catharino Andreatta, sempre ao lado de Breno Fornari, venceram a prova novamente nos anos se 1958 e 1959, além de terem liderado boa parte da prova de 1957. Ao longo da segunda metade da década de 50 Catharino Andreatta continuou sendo o piloto a dominar as mais importante provas realizadas em seu estado natal, contudo, os anos começavam a pesar. Catharino tinha 45 anos de idade quando venceu as Mil Milhas Brasileiras em 1956, mesmo assim, os pilotos mais novos suavam para competir contra o decano líder da Scuderia Galgos Brancos. Nos anos 60, as vitórias ainda aconteciam, mas Catharino Andreatta já sofria com um câncer na laringe. Fumante enveterado desde a juventude, num tempo em que fumar era normal, charmoso. Mesmo participando de bem menos provas do que costumava fazer na década anterior, as provas de estrada como a Porto Alegre – Torres ou nas subidas de montanha. Catharino sagrou-se campeão gaúcho pela última vez em 1962, tendo seu filho, Vitório, como vicecampeão. A imagem de Catharino Andreatta ao volante de sua "Brigitte" será sempre uma lembrança muito viva para os fans do automobilismo. Foi em 1964, na 5ª edição dos 500 Km de Porto Alegre que Catharino Andreatta subiu ao alto do pódio pela última vez. Ele ainda participou de provas, esporadicamente, mas dedicava-se mais a acompanhar as carreiras do filho, Vitório, e do sobrinho, Luiz Fernando, filho de Julio Andreatta. Na segunda metade dos anos 60 começaram a surgir as idéias de se construir autódromos no estado. O primeiro a surgir foi Guaporé, no ano de 1969. No ano seguinte, começou a ser construído na cidade de Viamão, hoje região metropolitana da capital gaúcha, o segundo autódromo do estado. Catharino queria participar, mas a bandeirada final chegou antes, em 21 de outubro de 1970, em função das complicações da doença, há poucas semanas da inauguração do Autódromo Internacional de Tarumã. Fontes e agradecimentos: Jornal Correio do Povo; Jornal Zero Hora; Fotos e depoimentos dos familiares de Catharino Andreatta. |