Especiais

Classificados

Administração

Patrocinadores

 Visitem os Patrocinadores
dos Nobres do Grid
Seja um Patrocinador
dos Nobres do Grid
Targa Florio - a "filha" de Vincenzo! PDF Print E-mail
Written by Administrator   
Sunday, 16 October 2011 02:59

 

Para contarmos a história da Targa Florio, que não se tratava de um circuito permanente, mas de um circuito formado por estradas num conceito que nos dias de hoje seria impossível de se fazer – ou ao menos de ser aceito – precisamos nos reportar a um destes visionários que tanto inspiraram o esporte a motor no início do século XX.

 

Vincenzo Florio era um dos descendentes de uma proeminente e tradicional família da Sicília, aquela ilha que fica a sudoeste da parte continental do território italiano (a “bola” que a “bota” chuta). Querendo abrir seus horizontes, Vicenzo desejava viajar pelo mundo para além da Sicília. Assim que conseguiu meios, viajou para a Alemanha e França. 

 

Durante sua estada em Paris ele se deparou com um showroom que continha uma máquina que nunca tinha visto antes. A máquina era um triciclo da Dion Motor, que ele prontamente comprou e despachou de navio em direção a Palermo. A nova engenhoca causou uma grande sensação quando foi descarregando cais. Infelizmente não houve como Vicenzo sair de lá pilotando seu “brinquedo”... não havia gasolina disponível em toda a Sicília! Não havia combustível mas havia o telégrafo e do porto mesmo foi enviada uma mensagem urgente de Paris. Dez dias depois, finalmente, chegou um carregamento do precioso combustível. 

 

Depois da emoção inicial de dirigir o seu novo brinquedo começou a se tornar enfadonho... e para “quebrar o marasmo”, ele pensou na realização de uma corrida. O único problema era que o seu triciclo era o único veiculo à motor na ilha... não dá pra fazer uma corrida de um carro só, certo? (Apesar do Nigel Mansel, do Alan Prost e do Michael Schumacher não terem nada contra isso). Então Vicenzo decidiu fazer uma “corrida de handicap” entre seu veículo, um ciclista e um cavaleiro. 

 

O ciclista foi o primeiro a deixar a estranha disputa – com cãibras – o que pôs Vincenzo e seu carro na liderança, mas a liderança foi de curta duração quando seu motor começou a superaquecer. Marcando – provavelmente – uma das últimas vitórias de um “conjunto do passado”, de cavalo e cavaleiro, contra a máquina. Ao invés de abater-se com a derrota Vicenzo prometeu voltar da França, com um carro “de verdade”. Ele tentou muitos carros diferentes, mas a paisagem montanhosa da Sicília foi demais para os carros frágeis. Finalmente ele virou-se para um novo fabricante italiano:a Fiat. 

 

Na virada do século, a Fiat era uma empresa que acreditava numa espécie de “serviço personalizado”, que funcionaria da seguinte forma: a fábrica enviaria um representante para cada cliente que comprasse um de seus veículos para garantir que o cliente seria devidamente treinado no cuidado e manutenção do seu carro novo. Para a Sicília, enviaram um jovem aprendiz chamado Felice Nazzaro, que logo “faria seu nome” como um dos primeiros grandes pilotos de carros de corridas. Nazzaro e Vincenzo se tornaram amigos. 

 

Florio acabou convencendo Nazzaro a ficar na Sicília para cuidar de sua crescente coleção de carros. Os amigos ricos de Vincenzo não admitiriam – claro – ficar “para trás” em termos de status e também passaram a importar carros que foram chegando à Sicília. Não demorou muito para que as primeiras corridas fossem organizadas no parque da favorita.

 

 

Em 1955, Vincenzo Florio ao lado de Juan Manuel Fangio, que em 1955 participou da mítica prova disputada na Sicília.  

 

Sentindo-se suficientemente experiente, Vicenzo Florio decidiu decidiu importar um carro de corrida “de verdade” com o qual ele poderia competir em corridas no resto da Europa. A Fiat, considerando que Vincenzo era ainda jovem e experiente, não aceitou vender-lhe um carro para competição. Depois de muito procurar, ele comprou um Panhard – desmontado – e o remontou em Palermo. Felice Nazzaro levou o carro novo até o local de partida da sua primeira competição. VicenzoFlorio ganhou um prova em estrada nos arredores da cidade de Pádua em 1902.

 

Encorajados por uma vitória facilmente conquistada, ele decidiu alçar um vôo mais alto e começou a se preparar para uma prova de estrada entre Paris e Madrid que aconteceria em 1903. Seu irmão mais velho, Ignazio, ficou sabendo dos planos de Vicenzo e tratou de conspirar para impedir que seu irmão mais novo desse prosseguimento nos audaciosos planos. Vicenzo acabou não conseguindo ir... e isto pode ter-lhe salvo a vida! A corrida foi interrompida perto de seu final, depois de vários acidentes fatais que tiraram a vida não apenas de pilotos, mas também de espectadores, incluindo Marcel Renault, um dos irmãos dos criadores da hoje mundialmente famosa fabricante de carros. 

 

 

Nos últimos anos de vida, Vincenzo Florio viu a prova que ele idealizou e organizou tornar-se parte do Mundial de Carros Esporte. 

 

A próxima corrida do calendário era a corrida em Brescia, já em 1904, e Vincenzo – sem o conhecimentodos seus irmãos mais velhos – participou e finalizou-a num honroso 3º lugar, num percurso de 116 milhas (186 Km). Depois de ter sido definitivamente julgado “maior de idade” (a maioridade na época era dada aos 21 anos de idade) e não mais a responsabilidade de seu irmão, Vincenzo Florio passou a disputar cada corrida que ele pudesse ir, inclusive a “Kaiserpreis”, o primeiro Grande Prêmio da França e a Copa Gordon Bennett. 

 

Neste período em que disputou corridas pela Europa, Vicenzo Florio conheceu uma pessoa que viria a “abrir-lhe os olhos”: Henri Desgrange. Este distinto francês era o editor do l'Auto Desgrange, um periódico que falava sobre esta nova febre chamada automóvel. Em uma de suas conversas, Desgrange sugeriu a Vincenzo que ele deveria organizar uma corrida internacional na Sicília.

 

 

Depois da primeira edição, os cartazes da Targa Florio foram distribuídos a todos os Clubes da Itália, convidando-os para 1907. 

 

O Targa Florio – como foi idealizado – não era apenas uma corrida, era um desafio! A primeira edição, foi disputada em 1906, sendo a prova tendo um total de 3 voltas em um trajeto de pouco mais de 92 milhas (148 Km). Além do percurso, que atravessava estradas pelas montanhas, inalteradas desde as Guerras Púnicas (guerras entre Romanos e Cartágenos que aconteceram desde o século III antes de Cristo e que perduraram por cerca da 130 anos). Cada hairpin que o competidor contornava estava à margem de um abismo enorme e a atenção do piloto ao longo desta corrida de 277 milhas (445,7 Km) precisava ser total.

 

Inicialmente, existiam algumas regras e o evento foi aberto para os carros “standard” dos quais pelo menos dez modelos idênticos tinham sido construídos. A primeira corrida foi realizada no dia seis de maio. Apenas dez carros alinharam para a largada. A prova foi prejudicada por uma greve portuária em Gênova, que impediu o embarque de alguns outros competidores. A corrida foi uma verdadeira batalha... e toda batalha tem vítimas. No caso da primeira edição da Targa Florio, uma das vítimas foi o próprio Vicenzo.

 

 

Jean Porporato foi um dos muitos pilotos italianos que enfrentaram as estradas de terra entre as escarpas e abismos na Sicília. 

 

Um dos participantes corria em dupla com a própria esposa, que fazia a função de mecânico e em um dos reabastecimentos uma confusão foi feita e colocaram água em lugar de gasolina nos dois carros (o do casal e o do criador da prova). O erro exigiu a drenagem completa de tanques de combustível de cada carro. Depois de nove horas a corrida chegou ao final eo vencedor foi Alessandro Cagno, da “Equipe Itala”, com um carro de 35HP, a uma velocidade média de 29,06 mph. 

 

O sucesso da corrida e a divulgação após a mesma levou para a edição seguinte, disputada em 22 de abril de 1907, nada menos que 50 inscritos! Vieram pilotos da França e da Alemanha. Tal como uma outra prova que conquistaria um espaço tão grande quanto a Targa Florio – a Mille Miglia – esta corrida, com suas particularidades, só poderia ser vencida por alguém que conhecesse o terreno onde esta era disputada, ou seja, um principiante, alguém que não tivesse disputado ao menos uma prova, dificilmente teria chances reais de vitória, contudo haviam máquinas e máquinas... pilotos e pilotos.

 

 

 A imagem dos carros passando pelos vilarejos da ilha permaneceu, desde as primeiras até a última das edições da Targa Florio.

 

Entrada da Fiat, com carros conduzidos por Vincenzo Lancia e Felice Nazzaro, alçava tanto a fábrica como seus pilotos à uma inicial condição de favoritismo.  No final da primeira volta era Lancia na Fiat na liderança. Após um início lento de Louis Wagner e seu Darracq, o francês começou a ganhar terreno e assumiu a liderança, sendo seguido por Lancia e Nazzaro. As três posições permaneceram inalteradas por horas até que, infelizmente para Wagner, um eixo de de acionamento provocou o descompasso das rotações do motor, levando-o a abandonar. Nazzaro aproximava-se de Lancia e, na hora final da prova, conseguiu superá-lo e seguir para a vitória. Como ele era conhecido por muitos dos habitantes locais, sua vitória era muito popular com os fãs. 

 

O sucesso da segunda prova indicava um crescimento, mas a inscrição de apenas 13 carros para a edição de 1908 foi desapontador para Vicenzo Florio, sendo que não houve presença de competidores não italianos. A prova foi vencida por Vincenzo Trucco, ao volante de um Isotta Fraschini.

 

 

Em 1907, a prova teve um surpreendente número de 50 inscritos. Apesar de algumas dificuldades, a Targa Florio foi um sucesso.  

 

A quarta edição da Targa Florio quase foi cancelada devido ao grande terremoto ao longo da costa leste italiana e com epicentro próximo à cidade de Messina causou a morte de mais de 155 mil pessoas. Vincenzo Florio ainda foi capaz de realizar a prova, mas o as perspectivas para os anos seguintes não eram as melhores.

 

A corrida ficou com a fama de extremamente acidentada, perigosa, desgastante para carros, pilotos e mecânicos, para além da distância geográfica dos grandes centros. Se em 1909 houve o terremoto, em 1911 a prova foi disputada sob uma chuva torrencial. Antes que o evento se esvaziasse por completo, Vincenzo Florio mudou o circuito para uma volta pela ilha, com aproximadamente 628 milhas (alguns historiadores falam em 652), mais de 1000 Km! 

 

 

Antes de se tornar um dos grande fabricantes de veículos italianos, Vincenzo Lancia disputou - como piloto - a Targa Florio. 

 

Lentamente a corrida voltou a ganhar em número de participantes até vir a ser interrompida durante a Primeira Guerra Mundial. Neste ínterim, aconteceu a primeira vitória de um não italiano: em 1912, o britânico Cyril Snipe conquistou a prova ao volante de um SCAT, um modelo produzido na Itália.

 

Depois de terminada a guerra, Vincenzo Florio não demorou para voltar a organizar a corrida e em novembro de 1919, uma nova edição da Targa Florio seria disputada.  O circuito foi encurtado para 67 milhas (107,8 Km), mas a corrida foi aumentada para quatro voltas, tendo um total de 268 milhas (431,2 Km). 

 

 

Felice Nazzaro, que muito ajudou Vincenzo Florio na organização da prova, também participou como piloto em algumas disputas. 

 

A guerra havia privado o Targa Florio de um grande piloto que dispontava em território francês: Georges Boillot, que faleceu durante os combates, abatido em um duelo com um esquadrão de caças alemães. André Boillot, irmão de Georges,acabou assumindo seu lugar ao volante de um Peugeot dirigindo um 2 ½ litro Peugeot originalmente construído antes da guerra. 

 

Outro participante que, algumas décadas mais tarde teria seu nome definitivamente registrado na história do automobilismo mundial era um piloto de 21 anos de idade: Enzo Ferrari. pilotando um Lancia (uma Alfa Romeo segundo outros historiadores) em sua primeira corrida importante.

 

 

As paradas de boxes para o reabastecimento eram um momento tão crítico quanto as derrapagens controladas nas curvas. 

 

As condições climáticas para a prova não eram as mais favoráveis. Era quase inverno e o tempo encoberto e alguns pontos com nevoa faziam os pilotos se perder na distância... ou num abismo, como foi o caso de Antônio Ascari (pai de Alberto Ascari, que veio a ser bicampeão de F1), que não rolou abismo abaixo e foi resgatado com vida. 

 

Com a chuva que caiu a partir da segunda volta, circuito transformou-se numa pista de lama escorregadia. Os italianos, que tinham vencido todas – menos uma – edições da prova estavam tomando um banho – de técnica e de lama – dos franceses. René Thomas, dirigindo um Ballot, seguia tranquilamente na liderança e dava a vitória como certa, mas na metade final da última volta a sua equipe conseguiu avisar de que a corrida estava em risco com a aproximação de outro competidor: Andre Boillot. 

 

 

Em 1919, um nome que viria a tornar-se um mito, também participou da Targa Florio. Era o comendador Enzo Ferrari. 

 

Thomas tentou apertar o ritmo, mas não foi o suficiente para deter o Peugeot de Boillot. Apenas um erro de Boillot poderia devolver Rene Thomas à liderança. Ele não poderia desistir e assim aumentou sua velocidade. Para Boillot, a vitória que parecia certa virou drama na reta final (e Fangio ainda nem tinha dito que “Carreras son Carreras”...). Correndo para o contorno da última curva, fisicamente esgotado, as rodas travaram e no piso enlameado o carro deslizou, saiu de traseira e bateu na tribuna a cerca de 30 metros da linha de chegada. 

 

Grogues e sangrando, Boillot e seu mecânico puseram-se a empurrar o carro... de ré! As pessoas que assistiam a corrida apupavam os dois, que ignoraram os protestos e cruzaram a linha de chegada. Ernest Ballot, o proprietário do carro foi até os dois e disse que aquilo não era uma chegada digna. Mesmo comprometendo uma possível vitória, pediu que Boillot e seu mecânico retornassem ao local do acidente e cruzassem a linha de chegada na “direção certa”. Os dois fizeram o que o dono do carro pediu e ainda conseguiram cruzar a linha de chegada antes do concorrente seguinte. Sob aplausos dos presentes, André Boillot foi aclamado vencedor e, em seguida, o piloto – exausto – desmaiou. Aquela foi a primeira vitória de um carro não fabricado na Italia na Targa Florio.

 

 

 Giulio Masetti foi um dos grandes vencedores da Targa Florio. Sempre um piloto muito difícil de ser superado nas curvas sicilianas.

 

A corrida ganhava em importância no cenário automobilístico e em 1921 a Targa Florio começou a ter a participação de equipes de competição estruturadas e não mais apenas corredores independentes. A Alfa Romeo inscreveu quatro carros especialmente preparados, enquanto a Fiat inscreveu dois carros novos. 

 

Mas foram os amadores Conde Giulio Masetti, ao volante de um Fiat 451 e Max Sailor, dirigindo um Mercedes que dominaram a corrida. A Mercedes foi uma verdadeira equipe de fábrica, exceto no nome. A batalha entre os dois foi finalmente vencida por Masetti em uma disputa sensacional. No ano seguinte, desta feita com um Mercedes GP14, Giulio Masetti repetiu o feito, tornando-se o primeiro bicampeão da prova.

 

 

Eram escarpas e muros de um lado, abismos do outro. Apesar disso, apenas duas mortes ocorreram. Aqui, Antônio Ascari escapou. 

 

Em 1924, mais um grande personagem passou pelas estradas da Sicília. Alfred Neubauer terminou a prova apenas em uma modesta décima terceira posição, acompanhado de seu mecânico... Ferdinand Porsche. A corrida foi vencida por Christian Werner, o primeiro piloto alemão a registrar este feito e ao volante de um Mercedes PP em um final dramático, com Antônio Ascari empurrando o carro para chegar em segundo.

 

Para a segunda metade dos anos 20 a corrida ganhou mais uma volta, passando a ter 335 milhas (cerca de 540 Km). Neste período, viu-se um completo domínio da italiana Bugatti, que consagrou mais dois bi campeões consecutivos (Bartolomeo Constantini, em 1925 e 1926 e o francês Alvert Divo, em 1928 e 1929). O modelo T35 foi o primeiro a superar a casa dos 70 Km/h de média para os vencedores da prova, que já estava mais que consolidada no calendário internacional.

 

 

Pit stop para reabastecimento em 1929. Fernando Minoia e seu Bugatti 35C sob os olhares dos fiscais de prova. 

 

Nos anos 30, a era dourada das disputas mundiais, onde muitos historiadores consideram como o verdadeiro berço da Fórmula 1, que veio depois da II guerra mundial, teve nas estradas sicilianas a repetição das disputas que ocorriam em circuitos pelo restante da Europa. Durante seis anos a Alfa Romeo levou seus melhores carros e pilotos para a disputa e isso incluía Achille Varzi, Tazio Nuvolari e Antonio Brivio. Cada um deles venceu duas edições da prova, sendo que apenas entre eles, apenas Nuvolari conseguiu vencer duas seguidas (1931 e 1932).

 

Dentre todas, a mais épica foi justamente a primeira. Achille Varzi e Tazio Nuvolari pilotavam as Alfas P2 e, no início, Varzi pulou na liderança. Entre as sinuosas curvas nas escarpas sicilianas, ele acabou perdendo seu pneu sobressalente, que soltou-se e acabou fazendo um furo no tanque de combustível, obrigando-o a reabastecimentos mais constantes. Na última destas paradas, o mecânico pegou um galão extra de gasolina e, durante um trecho em declive, tentou fazer o abastecimento com o carro em movimento... isso não poderia resultar em boa coisa... e não deu mesmo.

 

 

Nos anos 30, a Alfa Romeo conquistou seis provas seguidas. Duas vitórias para cas um de seus pilotos. Acima, Tazio Nuvolari. 

 

Ele deixou cair algum combustível sobre o escapamento – aquecido – causando a imediata combustão. Com o carro em chamas e com Achille Varzi nem um pouco disposto a perder a liderança – e consequentemente a prova – para o “rival de equipe”, recusou-se a parar e o que se viu foi o mecânico usando o seu assento para bater nas partes em chamas da Alfa P2, tentando apagar o fogo.

 

Depois de seis anos de domínio da Alfa Romeo, em 1936 um novo fabricante de carros entrava para o Hall dos vencedores. Vincenzo Lancia não conseguiu vencer a prova como piloto, mas seu modelo – Lancia Augusta – foi o primeiro colocado nas mãos de Constantino Magistri, na mais curta edição da prova, com apenas duas voltas no circuito menor.

 

Entre os anos de 1937 e 1940 (sim, houve corrida mesmo depois do início da II guerra mundial), a corrida foi realizada no Parque Favorita, na cidade de Palermo, com um percurso total de 195 milhas (313.7 Km) em um circuito de 3,5 milhas (5.7 Km). Uma nova marca viria a dominar a prova – a Maserati – e consagrar mais um bicampeão: Luigi Villoresi. Mesmo tendo sido o último dos grandes eventos automobilísticos a ter sua trajetória interrompida, a violência da II guerra mundial também parou a Targa Florio, que só voltou a ser disputada em 1948.

 

Depois dos quatro anos de corridas no Parque Favorita e do domínio da Maserati, a Targa Florio retornou ao circuito de Maldonie, nas sinuosas estradas da ilha e, pelo menos nos três primeiros anos correu-se no circuito que praticamente circundava a ilha, com seus mais de 1000 Km, em apenas uma volta. Na prova de retorno, mais um expiloto que tornou-se construtor viu seu carro cruzar a linha de chegada em primeiro lugar. Clemente Biondetti venceu ao volante de uma Ferrari 166. No ano seguinte, repetiu o feito. Em ambas, dividiu o carro, com Igor troubetzkoy em 48 e com Aldo Benedetti em 49. Em 1950, os irmãos Mario e Giancarlo Bornigia venceram a última das edições disputada no circuito longo ao volante de uma Alfa Romeo 2500, de 6 cilindros.

 

Em 1951 a corrida voltou a ser disputada no “Piccolo Circuito” onde vinha sendo disputadas as provas desde 1931. O número de inscritos crescia ano a ano e passou a ser necessário se dividir os competidores em classes, pela potência dos motores. Até 1954, o domínio da prova continuou sendo dos pilotos italianos e a Lancia, de Vincenzo Lancia, conquistou três provas em sequência, com Felice Bonetto, Umberto Maglioli e Piero Taruffi. A partir de 1955, a Targa Florio passou a fazer parte do campeonato mundial de carros esporte... e aí a concorrência aumentou violentamente para os italianos.

 

 

Depois do fim da II guerra mundial, a Targa Florio voltou a ser disputada. Em 1954, Piero Taruffi vencia a edição de 1954. 

 

A Mercedes tinha decidido parar de competir após a temporada 1955, depois da tragédia acontecida em Le Mans (veja na história do autódromo), mas uma última tentativa importante foi feita para arrancar o campeonato de carros esporte da Ferrari. Essa tentativa seria feita na Targa Florio. Liderados por Alfred Neubauer e sua equipe que tinha entre os pilotos “apenas” Juan Manuel Fangio, Karl Kling, Stirling Moss, Peter Collins, John Fitch e Desmond Titterington.  

 

A equipe da estrela de três pontas levou para a Sicilia cinco modelos 300SLR, mais de uma dúzia de carros particulares, 45 mecânicos e sete caminhões. Por conta do fato da prova ser disputada em estradas e o “fechamento” das mesmas ser uma coisa “meio que à italiana”, e “italiana do sul da Itália”. Em outras palavras: os pilotos e seus carros precisavam lidar com as subidas, descidas, curvas, abismos e eventualmente. pedestres, carroças e animais que “insistiam” em cruzar o seus caminhos!

 

 

Em 1955, a disputa valia o título mundial e a Mercedes precisava vencer para superar a Ferrari. Moss e Collins passaram da conta. 

 

Assim como nos últimos anos, a seria disputada no “Piccolo circuito”, com suas 44,64 milhas (71.9 Km). A prova teria treze voltas e 580,32 milhas (933.7 Km). Seria uma prova bem mais longa que as provas anteriores e, que pelo regulamento do mundial de carros esporte, teria que haver o revezamento de pilotos. Afinal, o organizadores estimaram uma prova com cerca de 10 horas de duração, com mais de 10 mil curvas a serem contornadas e um desgaste absurdo para qualquer piloto.

 

Alfred Neubauer, o chefe da equipe de competições da Mercedes e que disputara a Targa Florio no início dos anos 20, estava pensando em cada piloto ser capaz de fazer “stints” de quatro voltas cada. Antes de fazer a toca de pilotos. Dada a largada, Stirling Moss imprimiu um ritmo alucinante e quebrou o recorde do percurso por dois minutos e meio. Apesar de seu carro ter sido um dos últimos a ter a partida autorizada (os carros não largavam em um grid como em corridas de autódromo, mas um a um, como em provas de rally), ele tinha passado todos até o final da primeira volta. A Ferrari de Castellotti vinha em segundo, separando as Mercedes de Moss e Fangio. 

 

 

Apesar de dois pequenos acidentes, Stirling Moss e Peter Collins voaram nos 72 Km do circuito, venceram e conquistaram o mundial. 

 

No final da quarta volta Castellotti assumiu a ponta após Stirling Moss ter saído da pista e caído dentro de uma valeta. O Mercedes 300SLR ficou avariado, mas ainda em condições de funcionamento. Com a ajuda de alguns espectadores Moss estava de volta na estrada, mas agora em quarto lugar. Na parada para troca de pilotos, Peter Collins assumiu o lugar de Stirling Moss e assumiu a perseguição. Fangio passou a Ferrari e assumiu a liderança antes de passar o carro para Karl Kling. 

 

As Mercedes estavam agora em primeiro, terceiro e quarto, mas o traiçoeiro e sinuoso traçado nas estradas da Sicilia eram um perigo constante e Peter Collins passou reto em uma curva e foi dar direto em um muro de pedras. O carro rodou no ar e ficou ao contrário na pista. Collins, com habilidade, deu um “pião” e voltou à prova. Numa sensacional recuperação, devolveu o carro a Stirling Moss na liderança. Moss acelerou fundo, no seu estilo, e levou a Mercedes à vitória e à conquista do campeonato mundial de carros esportes (por apenas um ponto) antes de retirar-se das pistas pela segunda vez.

 

 

Grandes nomes da Fórmula 1 participaram da Targa Florio e venceram, como Wolfgang Von Trips, em 1961, ao volante da Ferrari. 

 

Um ano após a aposentadoria de seus compatriotas de automobilismo, eis que num novo “imperador alemão das pistas” surgia no mundo do esporte a motor: A Porsche conquistou uma grande vitória com os seu novo Spyder550A, pilotado por Umberto Maglioli e Huschke Hanstein, naquela que era então uma das mais longas e mais desafiadoras corridas de estrada do mundo.

 

A marca ganhou reconhecimento mundial instantâneo e grande credibilidade com essa vitória, pois foi a primeira vez que um piloto em um veículo menor corridas da classe (o Spyder era da classe de motores de até dois litros) conseguiu bater veículos com maior cilindrada. A uma velocidade média de 90,9 m / h e uma vantagem de quase 15 minutos para o segundo colocado. O italiano Umberto Maglioli, já havia vencido anteriormente, em 1953, ao volante de um Lancia, pilotando por mais de sete horas, quando as trocas ainda não eram exigidas. 

 

 

Depois da saída da Mercedes, a Porsche passou a ser o carro a ser vencido na Targa Florio. Ao longo de 17 disputas, 11 vitórias. 

 

Nos anos que se seguiram, tirando raras exceções, como a vitória de Fabio Colona, com um Fiat 600 em 1957 – em uma prova que teve apenas cinco voltas das as suas circunstâncias – e a vitória de Nino Vaccarella e Tonie Hezemans, com uma Alfa Romeo P33/3 em 1971, as disputas ficaram polarizadas entre a alemã Porsche e a italiana Ferrari pela glória de vencer a Targa Florio.

 

A prova de 1957, como mencionamos há pouco, foi especialmente conturbada. Primeiro, ela quase não aconteceu, devido à tragédia ocorrida na Mille Miglia e a pressão da opinião pública foi grande. Um acordo foi costurado e a disputa foi substituída pelo que foi chamado de “prova de regularidade”, onde o controle do tempo substituiu a velocidade total. 

 

 

Bons tempos aqueles dos anos 60/70... não havia paddock, credencial, controle trânsito das pessoas, cordões de isolamento... 

 

Ao longo das décadas de disputa da Targa Florio, o piso foi mudando, desde as estradas de terra batida, para os revestimentos de pedras e por fim, o betume asfáltico. Quando a prova voltou “ao normal, em 1958, foi vencida por Luigi Musso e Olivier Gendebien, ao volante de uma Ferrari 250TR. Vincenzo Florio pode ver assim, pela última vez em que esteve presente à corrida que criou, a vitória de um piloto e um carro italianos. Vincenzo Florio veio a falecer alguns meses depois, em 6 de janeiro de 1959.

 

Apesar das crescentes preocupações com os aspectos de segurança a Targa Florio continuou sendo realizada ao longo de toda a década de 60 e início dos anos 70, comos fãs em estreita proximidade com os carros testemunhado tremendas batalhas entre Ferrari, Alfa Romeo e Porsche. Como no Mille Miglia os fãs locais parecia alheio ao perigo representado por estar dentro do raio de ação que uma simples escapada de curva de um poderoso carro de corrida, sem qualquer barreira, muro ou guardrail estivesse ali para separá-lo de uma tragédia.

 

 

Em 1970,  Jo Siffert levou a Porsche a mais uma vitória, com um modelo 908, participando em dupla com Brian Redman.

 

A Porsche terminou a saga da Targa Florio como a equipe que mais vitórias conquistou, 11 em menos de 20 anos de participações. A Alfa Romeo foi a segunda maior vencedora com 10 conquistas. Um detalhe interessante é que apenas um piloto conseguiu vencer mais de duas vezes a Targa Florio (o belga Olivier Gendebien venceu em 1958, 1961 e 1962), e poucos foram os que venceram duas vezes consecutivamente, mesmo tendo a prova contado com pilotos como Wolfgang Von Trips, Ricardo Rodrigues, Arturo Merzario, Nino Vacarella, Stirling Moss, Peter Colins, Jo Bonnier, Jo Siffert, Lorenzo Brandini (todos pilotos da Fórmula 1) no período pós guerra e com Tazio Nuvolari, Achille Varzi e Antônio Brivio antes dela.

 

 

A foto acima, na edição de 1973, mostra bem o espírito da Targa Florio. Entre os carros, uma villa com a vida normal da ilha. 

 

Raras foram as vitórias que não ficaram nas mãos da Porsche ou da Ferrari nos anos 60/70. Em 1971 a Alfa Romeo foi mais uma vez ao degrau mais alto do pódio com Nino Vaccarella e Toine Hezemans dividindo o volante. Para 1972 a Ferrari voltou ao Targa com um 312P único a ser dirigido por Arturo Merzario e Sandro Munari. Alfa Romeo voltou com força total com a P33/3, com carros para Nino Vaccarella, Rolf Stommelen, Gijs Van Lennep, Andrea de Adamich , Tonie Hezemans, Galli, Helmut Marko e Elford. Elford largou na frente, mas danificou o carro durante a primeira volta e teve que abandonar. 

 

 

 

Acima, cenas do que hoje resta das instalações dos pits, do paddock e da torre de cronometragem da fase final da Targa Florio.

 

Merzario, em seguida, assumiu a liderança seguido por Vaccarella. Helmut Marko apanhou a luta quando o motor Vaccarella falhou. Marko foi capaz de ultrapassar os Ferrari cravando a volta mais rápida, com 33 minutos e 41 segundo a uma velocidade média de 128,253 quilômetros por a hora, estabelecendo o recorde que continuou de pé até o final das atividades na pista. 

 

Em uma troca que foi muito criticada posteriormente, Galli substituiu Helmut Marko e acabou perdendo a liderança depois de rodar e atrasar-se mais de um minuto. Marko, quando voltou para a Alfa, ele estava muito atrás da Ferrari, mas foi capaz de recuperar todos, mas 17 segundos, mas não o suficiente para alcançar Vacarella e Hezemans. 

 

 

 

De cima da passarela de pedestres e na vista aérea de uma foto de satélite, como está atualmente o ponto de largada da prova. 

 

A corrida continuaria como parte do Campeonato Mundial de Carros Esporte até 1973, quando a FIA decidiu finalmente que não havia mais a menor condição de segurança, nem para os pilotos e nem para o público para que a prova pudesse ser realizada sob sua chancela. Ainda assim, por mais 4 anos, a Targa Florio continuou sendo realizada como um evento nacional até que um acidente fatal envolvendo um espectador finalmente fez com que a prova deixasse de ser realizada. A prova foi vencida por  Herbert Müller e Gijs van Lennep com um Porsche 911 Carrera RSR.

 

Apesar de toda a celeuma que este acidente causou e dos inerentes riscos da corrida - o que ninguém pode negar - pela configuração de seu percurso, o fato é que, ao longo de mais de cinquenta edições da Targa Florio, apenas dois pilotos perderam a vida em suas curvas e mesmo com os espectadores à beira da pista, apenas um veio a falecer, justamente na última das edições.

 

 

 

Quem for a Sicilia, não pode deixar de passar por este lugar, tão cheio de história e nem de visitar o museu da Targa Florio. 

 

Quem hoje puder visitar a Sicilia e seus encantos, pode passar por onde ficava a linha de chegada e os pits da fantástica Targa Florio. O local poderia estar melhor conservado, afinal, um capítulo importante da história siciliana foi escrita por bravos guerreiros em suas máquinas, serpenteando suas estradas, desafiando suas escarpas e mobilizando toda uma população que, por longas horas, deixavam seus afazeres e arriscavam a vida tanto quanto os pilotos para vê-los passar. 

 

Till förhandsmöte (Até breve), 

 

Willy Möller 

 

 

Agradecimantos: Ao Targa Florio Museo, pela atenção e hospitalidade. 

 

Last Updated ( Saturday, 22 October 2011 16:24 )