Luiz Pereira Bueno: Meu Grande Professor de Como Guiar em Interlagos. Em 1967, como piloto da Equipe Colégio Arte e Instrução, fui correr as Mil Milhas em Interlagos, fazendo dupla com Wilson Marques Ferreira, com uma Alfa Giulia TI. Wilson e eu viajamos na frente para SP, depois iriam juntar-se a nós meu irmão Sérgio Cardoso e Aylton Varanda que iriam correr em dupla com um Karmann-Ghia Porsche 2.000cc, também pela mesma equipe. Como Wilson e eu ainda não havíamos corrido em Interlagos, Aylton Varanda nos aconselhou a assim que chegássemos à pista que procurássemos um piloto com experiência lá para nos dar algumas dicas. Ele que já havia ganho a primeira 24 horas de Interlagos em 1960, em dupla com Álvaro Varanda, e tinha, portanto, bastante experiência naquele circuito, nos disse: - Olha, Interlagos tem bastante macetes. Lá não é um circuito pequeno como o do Rio, portanto quando você pega os macetes em vez de descer 1 segundo como aqui, lá dá para descer uns 8 segundos e até mais. Bem, a primeira vez que fomos à pista – não era ainda dia de treinos – por conseguinte havia poucos pilotos lá. Encontramos um que havia corrido em uma grande equipe e pedimos se ele poderia dar uma volta conosco nos mostrando os macetes. Ele concordou e foi dirigindo a Mercedes de meu pai nos passando o que achávamos que seriam os macetes certos. (É bom lembrar aos novos, que, naquela época, infelizmente, havia uma boba discriminação regional dos paulistas com os cariocas. Coisa que, felizmente, tenho constatado que acabou). Bem, na sexta-feira, véspera da corrida, fui treinar com a Alfa, utilizando o traçado que me havia sido ensinado e meu tempo estava péssimo. Lembro-me que no Rio ele era bem próximo ao do piloto e amigo Emílio Zambello e lá havia uma disparidade muito grande. Procurava apertar mais – seguindo inocentemente o traçado que me havia sido ensinado – e o tempo não caía. Idem com meu co-piloto Wilson. No sábado fui o escolhido por nossa equipe para tirar o tempo oficial com a Alfa.Naquela época não era como hoje, ou seja, saiam apenas 3 carros de cada vez e davam 3 voltas. Valendo para classificação a melhor delas. Saí na primeira volta, portanto com o carro parado na linha de largada. Parece redundância esse termo grifado, porém vocês já entenderão porque o grifei.Saí e quando passei pelos boxes já em velocidade, ou seja, essa segunda volta e a terceira seriam as que teriam melhores tempos. Luiz Carlos Ferrari de Sá (à Esq.) Mecânico e (ao centro), o piloto Pedro Carvalho com o Mecânico "Passarinho" (à Dir) - atualmente trabalhando na equipe de Mauro Vogel (fotos: Pedro Carvalho). Bem, numa das curvas o Ubaldo Cesar Lolly ou Ciro Cayres, não me lembro bem, me ultrapassou e quando fez a tomada na curva seguinte subiu na zebra e por estar andando muito “quente”, saiu um pouco entrando na grama. Com isso seus pneus, para falta de sorte minha, levantaram pedras que atingiram meu pára-brisa quebrando-o todo. Vieram muitos pedaços de vidro em meu rosto e tive que parar para tirá-los. Voltei lentamente aos boxes, estava sem viseira no capacete, e dirigimo-nos à Equipe Jolly Gancia – que sempre nos vendia peças com muita presteza – explicamos o acontecido e solicitamos um novo pára-brisa. Acontece que nessa corrida teria 8 carros Alfa Romeo participando e 3 deles eram dessa equipe. Como eles estavam com muitos carros e a corrida era longa, portanto, sujeita a muitas quebras de equipamentos, eles preferiram não arriscar nos vendendo um. Diante do impasse, fomos ao diretor da prova e solicitamos para que pudéssemos retirar o vidro traseiro e voltar a marcar tempo sem os vidros. Ele, porém, nos disse que isso não era permitido pelo regulamento. Disse-nos que se isso acontecesse durante a corrida era permitido, mas nos tempos de classificação não. Chateados e sem recursos materiais para tirar tempo, só nos restou ficar torcendo para que aquele tempo cronometrado com o carro parado na linha de largada desse para se classificar e que pudéssemos correr. Parecia-nos quase impossível. Lembro-me do Wilson Marques com dois dedos cruzados quando estava sendo anunciado os carros classificados. Roberto Antônio Dias Machado (marcado na foto) com a equipe (Foto de Waldir Braga Estrela). De repente para alegria nossa, apesar disso tudo, ficamos classificados! Bem atrás, é verdade, mas entramos. Vocês não imaginam como pulamos de alegria! Só que os problemas que não eram poucos continuaram: não podíamos começar a corrida sem o pára-brisa; nosso alternador havia pifado nos treinos, não tínhamos mangueira de água e óleo de reserva, idem correia do ventilador, coisas essenciais para uma corrida longa. O saudoso mecânico de Petrópolis Luiz Carlos Ferrari que havia sido levado junto com “Passarinho” por Aylton e seu primo João Varanda Filho, “Jiquica”, para dar assistência aos 3 carros – “Jiquica correu em dupla com José Américo Veloso em outro Karman-Ghia Porsche 1.600cc. havia nos solicitado que fôssemos à sede da Equipe Jolly Gancia e que tentássemos adquirir esses equipamentos para possíveis emergências. Fomos lá com eles, encontramos os mecânicos e amigos Giuseppe e Manolo. Explicamos-lhes os fatos, mas Giuseppe logo de cara, com aquele sotaque de italiano nos disse: - Não temos nada! Hélvio Zanata ao volante de sua Alfa Giulia no autódromo do Rio de Janeiro (Foto: Vicente Domingues) Tentamos com todos os argumentos possíveis. Disse para Giuseppe: - Pô Giuseppe, não estou te reconhecendo. Você sempre foi tão solícito quando precisávamos de peças lá no Rio. Era só nos solicitarmos que você enviava logo. Ele respondeu: - Não é má vontade, mas nós estamos participando com 3 Alfas e somos representantes da fábrica. Chamei, então, Manolo num canto e tentei com ele. Percebi uma sincera tristeza em sua face e ele me disse: - Sidney se pudesse eu venderia, infelizmente, como você viu não posso. Bem, saímos dali desconsolados – bem irritados naquela hora, hoje, com o passar do tempo, entendi a situação deles – afinal eles eram representantes Alfa Romeo no Brasil e não poderiam fazer feio numa corrida tão importante. Para compensar quando retornamos aos boxes de Interlagos tivemos duas surpresas agradáveis: Foto da largada das Mil Milhas Brasileiras de 1967. Em primeiro plano, o Karmann-Ghia #78 de Sérgio Cardoso e Aylton Varanda. 1 - O saudoso Roberto Antonio Dias Machado, que era supervisor de nossa equipe, entrara em contato com o responsável pelas baterias Heliar, contou-lhes que nosso alternador havia pifado e ele prometeu nos fornecer quantas baterias fossem necessárias toda vez que uma acabasse. 2 – O piloto Petropolitano Hélvio Zanata, que tinha ido com sua Alfa Giulia TI assistir a corrida, vendo nossa agonia em não poder largar sem o pára-brisa, tirou o da dele e nos cedeu. Sou eternamente grato a essa atitude magnânima dele. Lembro-me que à noite no quarto do hotel, meu irmão Sérgio Cardoso que em dupla com Aylton Varanda haviam feito o 5º tempo, desenhou o traçado da pista e mandou que Wilson e eu que não pudemos gravá-lo, simulássemos como se estivéssemos pilotando lá, imaginando as marchas que iríamos trocar, etc. Vamos pular para a largada da corrida. Aylton largou com o Karman-Ghia e Wilson com a Alfa. Numa das voltas Wilson não passa com a Alfa. Olhávamos para o circuito tentando localizá-la, mas devido à escuridão não a víamos. Sérgio Cardoso ao volante do Karmann-Ghia em derrapagem controlada na curva do S durante os treinos para as MM de 1967. Depois de algum tempo veio uma pessoa, correndo com o coração na boca, para nos avisar que a bateria havia pifado no final da reta na curva 3, e que Wilson havia pedido para levar outra. Joaquim, motorista de nossa Kombi de apoio, correu a pé para lá carregando a bateria com o mecânico Ferrari ao seu lado para trocar. Essa parada até a troca da bateria nos custou 40 minutos. Em determinada hora, antes do combinado para a troca de pilotos, para surpresa nossa Wilson para com a Alfa no boxe com o pára-brisa quebrado. Disse-nos que pessoas que estavam nos barrancos haviam jogado uma pedra. O mesmo fato aconteceu com vários carros, inclusive com um dos visitantes portugueses. Os mecânicos rapidamente arrancaram o vidro de trás e ele saiu novamente. Mais tarde, um pouco antes da hora da troca de pilotos, ele pára novamente e desliga bem rápido a ignição, pois o acelerador havia prendido no fundo. Ferrari tentou soltá-lo por diversas vezes e não estava conseguindo. Os minutos iam passando e nossa ansiedade aumentando. Meu pai dando-lhe força, mas nada. Na pressa Ferrari acabou deixando cair um pedaço de estopa dentro do carburador.Tentou diversas vezes tirá-lo dali, mas nada. Até que ele nos falou: - Olha, vai levar muito mais tempo, porém será preciso desmontar o carburador para resolver o problema. Aquilo foi como se tivessem jogado uma ducha de água fria em nós. Mas sabíamos da competência do Ferrari, ele já havia nos mostrado antes em outras situações, e sabíamos que ele vestia a camisa da equipe. Concordamos e ele teve que desmontar o carburador. Perdemos 1 hora nisso. Enquanto ele desmontava meu pai achou melhor para não se perder mais tempo ainda que “Passarinho” fosse colocando outra bateria, que abastecêssemos a Alfa com Gasolina, completássemos o óleo e que eu assumisse o volante um pouco antes da hora, a fim de evitar outra parada a seguir. Joaquim tomando conta do Karmann-Ghia após o acidente e consequente abandono de Aylton Varanda e Sérgio Cardoso. Saí com ela e numa dessas voltas, numa rara situação, pois havia muitos carros na pista, me vi sozinho no final do retão. Tinha dado uma olhadela no retrovisor e não vi luz alguma atrás. Fiz a tomada e quando jogo o carro para a esquerda para entrar na curva 3, de repente acende-se um monte de faróis e sou cortado por dentro pela carretera 18 de Camilo Christófaro com aquele barulho ensurdecedor, ouvindo mais alto ainda devido estar sem os vidros da frente e de trás da Alfa e com os outros abaixados. Esse foi o maior susto que passei em minha vida de piloto. Creio que o Camilo quis fazer aquilo de brincadeira mesmo. Bem, teria muito mais coisa para contar sobre essa corrida. Como, por exemplo, quando o acelerador do KG do Aylton Varanda prendeu no fundo quando ele estava em quinto lugar, ainda com bastante concorrentes na corrida, e ele se abaixou para tentar soltá-lo na curva do Lago e acabou capotando e finalizando sua corrida aí. Mas vamos ao que interessa, porque já me alonguei demais. Dei todos esses detalhes para você, leitor, sentir como eram as Mil Milhas da “Era Romântica”. Época em que não havia rádios de comunicação de pilotos com boxes, etc.etc. Vamos a grande aula do Luizinho. Chovia, era final de madrugada, o dia já estava clareando. Olho pelo retrovisor e vejo dois Marks I se aproximando de mim para botar uma volta em cima. Como na maioria das vezes andei na frente e ficava irritado quando um retardatário me atrapalhava na ultrapassagem, sempre que não estava nessa situação fazia questão de ser cortês com quem tivesse. Momento em que os dois Bino Mark I se aproximaram para ultrapassar a Alfa Giulia TI (Foto: Revista Autoesporte). Abri, dei passagem e fui seguindo atrás. De imediato percebi que o traçado dos dois Marks eram bem diferentes daquele que estava fazendo. Procurei fazer o mesmo traçado e com isso senti aumentar em muito minha velocidade a ponto de acompanhá-los. (Verdade seja dita, eles já estavam nos dois primeiros lugares e o Greco havia sinalizado para que eles moderassem). À medida que os ia seguindo meu tempo ia caindo barbaramente. Deu até para ultrapassá-los, mas preferi ficar mais tempo colado neles para fixar bem aquele novo traçado. Fiquei umas 4 voltas atrás do segundo e aí resolvi passá-lo e fiquei atrás do Luizinho. Interessante, meu irmão, antes de irmos para SP, conhecendo o relevê das curvas 1 e 2 por fotografias de revistas, havia me dito: - Olha, o relevê é tão alto que penso ser o ideal fazer essas curvas no meio do relevê, pois assim a força centrífuga tentará te jogar pra fora, mas a força da gravidade deverá neutralizá-la. Eloy Gogliano dando a bandeirada para Luiz Pereira Bueno e Luiz Fernando Terra Smith (que estava ao volante no momento). E não era exatamente isso que o Luizinho estava fazendo!!! Bem, segui-o por mais 4 voltas, peguei todo seu macete em todas as curvas, inclusive na do Mergulho que dava para fazer acelerando com o pé embaixo. E como ele não estava acelerando tudo, pois já estava com a corrida praticamente ganha. Após eu ter assimilado sua técnica e estando com o motor sobrando, resolvi ultrapassá-lo para correr atrás do imenso tempo perdido com as paradas e as dicas erradas que havia recebido conforme narrei no início. Levantei o braço pra ele agradecendo e fui embora. Para você, leitor, ter uma idéia de quão preciosa foi essa aula do Mestre Luiz Pereira Bueno, antes na chuva, meu tempo era de 4m e 45 s. Agora, com a mesma chuva, meu tempo passou para 4m e 15 s. Sabe quantos segundo consegui abaixar com essa aula de pilotagem do Mestre? 30 SEGUNDOS!!!! Da Esq. p/ Dir: Marivaldo Fernandes, Luiz Pereira Bueno, Luiz Fernando Terra Smith, Luiz Antônio Greco e Bird Clemente. Eu sentia que estava andando bem melhor, porém não sabia o quanto. Quando passei defronte aos boxes vi pulos, saltos de alegria, dedos indicando positivo e a placa me mostrando o tempo. Na volta seguinte vi Giuseppe, Manolo e quase todos da Equipe Jolly-Gancia acenando pra mim com satisfação. Quando parei para reabastecer a Alfa, Roberto, nosso supervisor, com um sorriso maior que seu rosto, falou pra mim: - Todas as Alfas quebraram só ficou a nossa. A turma da Jolly se ofereceu para nos dar toda assistência que quiséssemos como peças, sinalização, etc. E continuou, falei pra eles: - Muito obrigado, mas os frutos são nossos. Depois contei isso ao meu grande Mestre de Interlagos Luizinho. Obs. Após a corrida a turma da Jolly nos deu todas as peças que precisávamos, inclusive o pára-brisa para nossa Alfa e para a do Hélvio Zanata. Quero deixar claro que na hora dos treinos com a negativa das peças me senti magoado com aquela turma, mas depois refleti com mais calma e entendi a posição deles. Tanto que duas semanas depois estávamos juntos de novo correndo no Rio na Corrida Internacional Luso-Brasileira – Prova Almirante Tamandaré e Giuseppe e Manolo nos deram tudo que precisamos. Carros na quadra do Colégio antes de seguirem para a corrida Almirante Tamandaré - Luso-Brasileira (Foto: Ernayde Cardoso) Fica aqui registrada minha sincera homenagem a esse grande piloto e grande amigo que foi o inspirador desse site. A próxima narrativa será dos dois dias em que passei na companhia do Luizinho em nosso colégio, quando fomos anfitriões da Equipe Willys, dos Portugueses, de Aylton Varanda, de seu primo João Varanda Filho, “Jiquica”, e os mecânicos e chefes dessas equipes. Aconteceram muitas coisas interessantes nesses dois dias. Abraços, Sidney Cardoso |