Ele conquistou quatro dos últimos seis campeonatos da Stock Car brasileira. Dono de uma personalidade forte e um discurso franco e direto, Cacá Bueno mostrou desde cedo que não é “apenas filho do seu pai”, mas que tem opiniões e brilho próprio. Durante a etapa da categoria em Curitiba, após os treinos livres da sexta-feira, enquanto desabava um verdadeiro dilúvio na cidade de Pinhais, o atual campeão da categoria conversou sobre sua carreira, suas lutas – dentro e fora da pista – sobre o futuro e não se fez de rogado na hora de ‘bater rodas’. NdG: Depois de um início, digamos, convencional no automobilismo – pelo kart – você, a certa altura cruzou a fronteira e foi correr na Argentina. Porque correr no país vizinho e não, por exemplo, seguir para a Europa ou os Estados Unidos? Cacá Bueno: Corri pouco de kart, conquistei um título paulista, mas logo passei para os carros e preferi seguir a carreira no turismo, nunca com carros de fórmula, sempre me especializando. Eu apostei em ter uma carreira como profissional de automobilismo ao invés de apostar num sonho que poderia dar certo ou não e a gente sabe quantas dificuldades se passa um piloto para trilhar um caminho neste meio de fórmulas. Não existe aquele piloto que fica anos e anos numa fórmula 3 ou 2. Ele quer ir para a F1 ou, de uns anos pra cá, para a Indy. Eu cheguei a correr aqui no Brasil na Stock, logo no começo da carreira, fui campeão da Stock B, ganhei algumas corridas na geral, pois corriam juntas a A e a B e teve uma coincidência na época que, quem tinha ajudado a projetar os carros da Stock na época foi um argentino, o Edgar Fernandes e ele inclusive continuou no projeto de desenvolvimento dos carros da Stock. Foi ele quem me incentivou a ir correr na Argentina e, na época, o automobilismo argentino estava num estágio muito superior ao automobilismo brasileiro. Isso me deu uma oportunidade de me desenvolver muito mais como piloto do que se eu estivesse aqui, principalmente pela quilometragem que eu fiz em treinos quando estava por lá, algo que aqui eu jamais conseguiria por aqui. 15 anos atrás era na Argentina que estava o dinheiro e não aqui. 2 anos de super turismo. TC2000 2002 e 2007 completas, além dos campeonatos sulamericanos de superturismo. Me desenvolvi muito como piloto correndo lá e eu gosto de correr lá. As vezes a gente faz as coisas por que precisa, as vezes fazemos por gostar e eu gostei muito de ter corrido lá por alguns anos, tanto que participei por muitos anos de diversas corridas por lá, não só nas provas que eles chamam de ‘endurance’, do TC 2000, mas também da Top Race, que é uma categoria parecida com a Stock, como com as Carreteras. Nós trabalhávamos o desenvolvimento de suspensões, freios, carro novos, era um trabalho não apenas de resultado, mas de desenvolvimento. Na época a NASCAR era uma coisa muito distante e a Europa exigiria, além de um investimento maior, uma preparação maior. Ir para a Argentina foi uma decisão acertada e que me proporcionou um grande aprendizado. NdG: É comum se falar sobre desenvolvimento como piloto, crescimento e aprimoramento técnico... ouvindo de um piloto bem sucedido como você, como foi o seu processo? Cacá Bueno: Eu sempre procurei aprender, comigo, com meus chefes de equipe e com meus adversários. Se um adversário tinha uma característica em que era melhor que eu, eu procurava observar, aprender e melhorar. Além disso é importante para qualquer piloto saber e tomar decisões certas. Está com o pacote técnico certo, com a equipe certa, com o patrocinador certo e isso não é só a questão do dinheiro, mas do projeto todo, da continuidade... tudo na hora certa. Eu estou com a Red Bull desde 2004 e eles acreditam em mim como eu neles. Eu passei por equipes fantásticas aqui na Stock como a Action Power, como a equipe do Meinha e agora com o Matheis. Cada uma teve uma influência fundamental na minha formação. Eu era um piloto muito agressivo quando cheguei na RC Eurofarma e o Meinha é aquele cara super calmo e isso me ajudou muito, eu dei uma acalmada e até hoje eu admiro muito a forma de trabalho deles. Depois eu vim trabalhar com o Andreas, que tem um padrão de trabalho bem rígido e isso também influiu no piloto que sou hoje. Todo este conjunto de decisões faz parte da estratégia do automobilismo também. O resultado está aí, são 7 títulos brasileiros e um sulamericano. NdG: Isso coloca você em que platamar no cenário automobilístico brasileiro? Cacá Bueno: Eu não me vejo como o melhor piloto das categorias onde corro, muito pelo contrário. Tenho muitos defeitos, coisas que eu trabalho para poder corrigir, para poder melhorar e digo isso sem falsa modéstia. Eu tenho confiança na minha capacidade, claro, mas eu ainda acho que estou aquém de onde eu poderia estar. Eu trabalho duro, todos os dias para me tornar um piloto melhor. Tem muita gente boa aqui no Brasil. A concorrência é muito dura e não se pode confiar demais num determinado estágio que se possa ter atingido. Tem que continuar trabalhando sempre. Eu posso não ser o melhor, mas em algum momento eu consegui ser o melhor. Posso não ser o mais rápido, mas em determinado momento eu fui o mais rápido. Posso não ser o mais experiente, mas em algum momento eu consegui ser experiente o suficiente. Não ser o mais estratégico, mas ser estratégico o suficiente. Juntar um pouco de cada coisa no momento certo, na dose certa. Eu acho que tem gente mais rápida e mais técnica do que eu. Tem coisas como frear com o pé esquerdo que é difícil pra mim. Andar com carros com muita carga aerodinâmica... eu tenho dificuldade em alguns momentos com coisas mais novas e assumo. Eu tento compensar com outras qualidades. Juan Manuel Fangio certa vez falou: “trate sempre de ser o melhor sem nunca acreditar ser o melhor”. Eu guardo este ensinamento comigo. NdG: Desde a sua infância, seu pai era narrador da F1. Podemos dizer que ele consolidou uma imagem como “a voz da F1 no Brasil”. O fato dele ter sido o narrador das corridas que certamente você assistia influenciou na decisão de se tornar um piloto? Cacá Bueno: Não houve uma influência direta pelo automobilismo. Havia sim, uma influência para a prática esportiva. Um incentivo à prática de todo e qualquer esporte. O importante era fazer algum esporte. Minha mãe ia até mais alem, ela cobrava que nós fizéssemos algum esporte. Assim teve de tudo. Volei, tênis, futebol, automobilismo... alguns eu gostava de fazer, outros nem tanto, em alguns eu era bom, em outros péssimo, mas foi no automobilismo que eu me identifiquei mais, que eu me dediquei mais e onde estou até hoje. É bom lembrar que o meu pai não narra só F1. Ele narra futebol, vôlei, basquete e até MMA ele está narrando agora. A convivência com o meio esportivo em casa foi muito grande, mas não a ponto disso direcionar minha carreira no automobilismo. Voltando a pergunta, no meu retorno ao Brasil, principalmente, houve sim esta associação, mas com o tempo ela foi se dissipando e hoje são muito poucas as pessoas que ainda fazem esta associação. Hoje, quando o Cacá ganha é elogiado, quando perde ou erra é criticado, mas o elogio e a crítica são feitas ao Cacá. NdG: Mas você há de convir que, por muitos anos e mesmo ainda hoje, bem menos, é verdade, sua imagem sempre foi associada à dele. Você até fez um comercial de um radiotelefone que usou esta associação que o público fazia e ainda faz entre vocês. Como foi lidar com isso ao longo dos anos e como fazer as pessoas verem o Cacá e não o filho do Galvão Bueno? Cacá Bueno: Apenas uma pequena parte do público sabe ou lembra que eu fui vicecampeão e também campeão sulamericano correndo na Argentina, com uma equipe argentina, tive um 3º lugar no TC 2000, brigando pelo título... e quando eu voltei para o Brasil voltei um piloto pronto! Mas, para os brasileiros, para os outros pilotos, a mídia e tudo, eu era um novato e aí perguntavam como é que esse ‘novato’ conseguia estar andando na frente. Isso foi uma surpresa, pra eles. Para mim era fruto de um trabalho duro de anos e anos correndo num automobilismo de excelente nível. Lá eu era um brasileiro, não era filho de ninguém. Quando eu voltei para o Brasil esta associação com o nome do meu pai era algo que não me incomodava, mas me desagradava por não levar em consideração todo o trabalho que eu tinha feito e por as pessoas de um modo geral não conseguirem dissociar uma pessoa da outra. No final a gente pode dizer o que? Eu nunca narrei uma corrida e ele nunca pilotou um carro, não deveria haver esse tipo de associação. NdG: Mas este tipo de associação não foi exclusividade do público. Alguns anos atrás um piloto referiu-se à Stock Car como “Fórmula Cacá Bueno”... Cacá Bueno: É muito cômodo para um piloto quando perde uma corrida ou uma disputa arranjar uma desculpa para justificar a derrota. Teve um piloto que falou isso da “Fórmula Cacá” uma vez e depois veio me pedir desculpas. Eu até gostaria de ter este tipo de privilégio, mas o que eu vi até hoje na Stock Car foi justamente o contrário. Diversas vezes eu fui prejudicado. Aquela do excesso de velocidade em Campo Grande no ano passado foi um bom exemplo disso, que mesmo a gente mostrando a telemetria dos carros fomos ambos punidos. Meu carro passou por mais vistorias técnicas do que 90% do grid da Stock. É muito chato ver um colega de trabalho jogar a culpa do seu fracasso no sucesso de outro colega, seja ele quem for, mas, as vezes, o cara fala isso e se arrepende logo depois. Tem um amigo meu na Argentina que sempre fala: ‘Quem ganha comemora, quem perde, chora’. E é bem por aí. NdG: pouco depois deste episódio, você surgiu diante das câmeras e microfones como um crítico da CBA e da VICAR. Como é esta relação do Cacá dentro do carro para o Cacá fora do carro, na sala de briefing, no microfone da imprensa... isso também se desenvolveu na Argentina ou foi algo que você começou aqui? Cacá Bueno: Quanto ao ser crítico, eu sempre serei crítico. Eu sou um apaixonado pelo automobilismo e eu quero que o automobilismo cresça. Se tem coisas que não estão bem, que não estão de acordo, eu vou criticar. Primeiro internamente. Se não mudarem, aí eu torno público. Eu me recuso a ser coresponsável por algo que esteja errado. Esta sempre foi minha postura e tem gente que gosta de mim por isso e gente que não gosta de mim por isso. Eu não vou, por exemplo, correr com uma peça no carro que não seja segura porque se a gente não correr o organizador do evento vai perder o patrocínio daquele fornecedor daquela peça. Perder dinheiro no bolso ninguém gosta, mas antes perder dinheiro do que correr o risco de se perder uma vida. Eu me tornei um cara crítico no automobilismo por pensar muito neste aspecto de segurança, principalmente. E quando eu falo eu ponho meu nome, olho no olho e digo o que penso. Se isso no passado incomodou, não tem problema. O que eu vejo hoje é que diversos aspectos de segurança evoluíram e, pode ter certeza, se aparecer algo de errado, se pisarem no meu calo, eu vou falar. Eu não sou um cara político. Sou sincero e direto e acho que com isso eu contribuo para o crescimento do automobilismo como um todo. Isso tem a ver com minha vida. Quanto mais categorias houver, quanto mais o automobilismo crescer, mais emprego eu vou ter, mais dinheiro vou ganhar. Eu vivo disso e quero que as coisas cresçam como estão crescendo e que continuem crescendo. Eu tenho pelo menos 10 anos de automobilismo pela frente e quero um automobilismo cada vez melhor, maior e mais competitivo. NdG: É, mas na época do acidente do Gustavo Sondermann, onde logo depois surgiu a associação dos pilotos você não foi uma das vozes ‘de frente’... Cacá Bueno: Eu não preciso fazer parte diretamente ou ser o líder de uma comissão de pilotos para buscar por questões de segurança. O Thiago [Camilo] foi quem ficou à frente da comissão de pilotos e agiu muito bem, representando bem a todos nós. Ele não agiu sozinho. Nós nos reuníamos e fazíamos as pautas de reivindicações. Algumas foram atendidas de imediato, outras precisavam mais tempo para serem feitas, mas foram feitas. Como houve um retorno muito bom por parte dos organizadores, a comissão, atualmente, não se vê presente, mas isso não quer dizer que não se discute coisas sobre segurança em reuniões. Podemos discutir estes assuntos entre nós por email, não precisamos nos reunir, por exemplo, toda semana para falar sobre segurança. Se houver necessidade, faremos isso, mas, hoje, as coisas tem caminhado bem neste sentido. Algumas coisas, claro, levam mais tempo para serem resolvidas, como a obra de Interlagos, que depende de política e de outros fatores que estão além da compreensão de muitas pessoas. NdG: Este ano você está voltando a correr de forma mais regular na Argentina. O que levou você a cruzar novamente a fronteira? Cacá Bueno: Eu gosto muito de correr na Argentina. Lá há um envolvimento, uma paixão maior pelo automobilismo. O público lota os autódromos, a indústria automobilística apóia as categorias, coisa que, infelizmente, aqui não tem o mesmo nível de participação e mesmo com todas as dificuldades que o país vem passando, com a falta de dinheiro para patrocínio que as equipes vem passando, com os autódromos mais precários apesar de tudo, a paixão deles pelo automobilismo é enorme e eu também sou um apaixonado por automobilismo. Além disso, Eu sempre evoluo quando vou para lá, eu volto melhor como piloto quando venho de lá. O nível dos pilotos lá é muito bom, mas não que sejam melhores que os daqui, pelo contrário. Digo isso porque, quando vou para lá eu participo de corridas contra adversários contra os quais eu não estou correndo sempre e em autódromos que eu não corro com frequência. Aqui, correndo no Brasil, eu estou mais acostumado com o que os meus adversários vão fazer, conheço melhor o estilo, as reações... dá para saber o que eles estão pensando, assim como eles sabem de mim. Aqui também conheço os carros que estou usando, quando vou para lá, chego na quinta-feira, vou para pista na sexta, classifico no sábado e corro no domingo num carro que não é o que eu corro aqui no Brasil. Lá são outros pilotos diferentes também e é preciso fazer a leitura de como eles agem em corrida. Nos autódromos daqui eu corro três, quatro vezes por ano em cada categoria que disputo então eu conheço melhor o que tenho aqui. Quando vou para lá, correr em Córdoba, em San Luis, em Buenos Aires, é sempre diferente, pois hoje vou pouco por lá. É mais difícil correr lá do que aqui por estes fatores e assim é preciso mais dedicação, mais estudo, mais treino e isso gera aprendizado. NdG: E como está sendo este retorno à Argentina e ao TC2000? Cacá Bueno: Este ano eu fui convidado para participar do campeonato por uma equipe particular, não é uma equipe oficial de fábrica, que carece de infraestrutura e dinheiro, tanto que eu não fui para lá com o propósito de ganhar dinheiro, foi para me desenvolver mais como piloto, com um projeto novo, de desenvolvimento e, por enquanto estamos colhendo bons resultados e em uma categoria que eu me identifiquei bastante. No ano passado recebi o mesmo convite, mas não tinha como aceitar. No ano retrasado, idem, com convites da Renault e da Ford. Este ano eles vieram com outra proposta. Não se tratava mais de uma equipe oficial de fábrica e a proposta era trabalhar no desenvolvimento de um projeto novo de suspensão. Mesmo sendo para correr apenas seis das 12 etapas do campeonato, eles queriam que eu fosse para lá, uma vez que já me conheciam por serem quase todos da Honda em 2007 quando corri com eles e a aposta seria desenvolver este carro para 2013. Deu até uma tristeza saber que o projeto pode vingar em 2012. Tivemos dois bons resultados nas duas primeiras provas e estamos liderando o campeonato depois destas etapas. Teríamos equipamento para disputar o título, talvez, se eu não fosse ficar de fora de metade das provas. NdG: A gente vê corridas dos argentinos muito raramente por aqui. Quando muito recebemos os resultados. Mas como temos contato com algumas pessoas que trabalham lá, nomeadamente do Grupo Berta, temos uma ideia de quão apaixonados são os argentinos por automobilismo. Seria uma coisa exagerada esta informação ou você, que viveu e voltou a viver a experiência de correr lá vê assim também? Cacá Bueno: É algo realmente impressionante. O argentino adora automobilismo. A última etapa que eu corri da TC2000 este ano foi uma corrida de rua em Buenos Aires, apesar deles terem um circuito na cidade. A capital argentina é a única metrópole do país. Todas as demais cidades que poderiam ser chamadas de grande são pequenas perto de Buenos Aires e o que se viu foi uma verdadeira loucura. Para você ter uma ideia, eles tem um programa de TV – Carburando – onde são transmitidas as corridas. No final de semana inteiro da prova, eles tiveram a maior audiência na televisão, e sem que lá exista uma rede dominante como aqui. Eles atingiram 19 pontos de audiência. Foi mais que novela, futebol, programa de auditório... e nas ruas, assistindo a corrida, a polícia estimou-se algo em torno de 1 milhão de pessoas nas ruas. Eu já corri em preliminar da F1 aqui no Brasil e na Argentina e nunca vi nada igual. Foi algo impressionante e que não vou esquecer. Era um mar de gente que a gente teve que ir num carro de bombeiros do pódio para a sala de imprensa porque, depois da prova, a “pista” foi invadida pela multidão. NdG: O que é que o automobilismo brasileiro poderia ‘trazer de bom’ do automobilismo argentino e ‘levar de bom’ do que é feito aqui? Cacá Bueno: Trocar informação é sempre bom. A estrutura do espetáculo aqui no Brasil é fantástica, com o envolvimento dos patrocinadores, com os HCs, isso a gente faz melhor que eles. Lá a coisa não tem uma estrutura como a que vemos aqui, é até meio bagunçado. Em compensação, sente-se o público mais de perto, o argentino é apaixonado por corrida, por carro por velocidade mais do que aqui. Eles não tem F1 e parece não fazer falta. Além disso, a imprensa cobre mais e as montadoras estão envolvidas. Lá elas exploram o automobilismo para alavancar vendas e aqui no Brasil, usando o automobilismo como comercial na televisão, algo que me parece tão óbvio. No Brasileiro de Marcas o envolvimento das montadoras é com o campeonato, na TC 2000, é também com as equipes. É diferente. Elas participam do desenvolvimento técnico e fazem uma ligação entre seus parceiros comerciais e as equipes. A montadora nem precisa colocar dinheiro, os parceiros podem fazer isso. Ela entra só com o trabalho. Na Argentina as equipes tem os patrocinadores e contratam os pilotos. Se o piloto não for bem, sai da equipe. No Brasil, em muitas categorias, o piloto leva patrocínio para a equipe e estes patrocinadores é quem pagam o salário do piloto. A forma como a coisa funciona na Argentina é algo mais firme. Pode ser que se ganhe menos por lá que aqui, mas tem-se uma estrutura mais forte. NdG: Entre as críticas que você já fez ao longo destes anos, a segurança nos autódromo foi um ponto forte, e nem Interlagos escapou. Nós conhecemos alguns autódromos argentinos: Buenos Aires, Córdoba e San Luis (Potrero de lós Funes). Como estão os autódromos argentinos onde a TC 2000 costuma correr de uma forma geral? Há críticas por partes dos pilotos de lá? Dá pra fazer um parâmetro entre a administração e o cuidado com os autódromos entre os dois países? Cacá Bueno: Lá a coisa está pior. Os autódromos argentinos são mais antigos que os nossos e a administração deles tem deixado os autódromos de lá numa situação muito ruim. Pior que os nossos. Termas de Rio Hondo, Potrero de lós Funes e Buenos Aires ainda em uma boa condição. Os outros estão numa condição bem precária e lá também se fala mal de autódromo. Eu quando vou lá, critico os autódromos de lá também. Tanto eu como os pilotos argentinos também. Não é só a pista. O autódromo tem que oferecer condições de trabalho para todos. Tem que ter água, tem que ter luz, tem que ter espaço para os mecânicos trabalharem, tem que ter limpeza... eles estão vivendo um momento complicado há alguns anos e isso interfere diretamente na administração de um autódromo. Sem dinheiro não tem como fazer as coisas. NdG: Como é que você faz o planejamento do seu calendário de trabalho para conciliar as corridas, os eventos com os patrocinadores, as viagens e sobrar algum tempo para a vida pessoal? Cacá Bueno: (Risos) este ano a coisa foi meio complicada. Vou correr 4 categorias (Stock Car; GT Brasil; Copa Fiat e TC2000). Não era o planejado, mas acabou acontecendo. A Stock e a Copa Fiat eu corri o ano passado e seriam categorias que seriam um prosseguimento natural. A Copa Fiat é muito legal, é uma categoria muito bem organizada e lá eu corro com o meu irmão [Popó Bueno] que muito bom. Daí que veio um convite muito interessante que foi o da GTBrasil para participar da GT3. Eu já tinha sido convidado outras vezes, mas desta vez o conjunto da proposta foi algo que me atraiu. Muitas vezes me ligaram e disseram: “você vai correr num carro espetacular”. Não é isso que eu busco. Eu quero correr num carro que seja competitivo. Se ele vai ser espetacular ou não é outra coisa. O bom é você participar de um campeonato onde se possa “bater roda” com os melhores, que o campeonato seja bem organizado. Como todo profissional eu quero ser pago pelo meu trabalho, pela qualidade do meu trabalho. Eu terminei 2011 achando que iria correr apenas duas categorias e agora estou correndo quatro. Além das corridas, dos treinos, das viagens, tenho os compromissos com eventos dos patrocinadores e isso consome muito tempo. Daqui até o final do ano eu só terei quatro finais de semana livres e no caso, recém casado, precisei conversar bem isso com a Talita, explicar que a hora de trabalhar muito e ganhar dinheiro é essa, que estou no auge da carreira e que é preciso aproveitar o momento. Ela não reclamou. Quanto eu tinha 15/16 anos se alguém viesse me dizer que seria isso o que eu teria pela frente é claro que eu toparia. Na GT3 eu sou novato. O Valdeno é bicampeão e é o favorito ao título. No final do ano vamos pesar o que foi bom e o que foi ruim, quem sabe fazer 3 ao invés de 4 campeonatos... mas a Stock é o carro chefe. NdG: Na GTBrasil você vai dividir o carro com outro piloto, como determina o regulamento, e isso já inclui um outro fator que é conciliar características, acertos, estratégias... isso não pode ser um complicador? Cacá Bueno: O que eu espero que ele também tenha o comprometimento do trabalho do piloto. Eu nunca aceitei correr em esquemas assim para ter que dividir o carro com alguém e ter que ‘ficar dando aulinha para empresário para ganhar duas balas Juquinha e um chocolate porque vou pilotar um carro espetacular’. Nunca foi isso o que eu busquei na carreira. Todo profissional tem seu valor e eu tenho meu valor e eu sempre deixei isso muito claro. Quando veio este último convite, a proposta foi outra: havia o envolvimento de uma montadora, algo que eu sempre quis aqui no Brasil e nunca tive, tive só na Argentina. Para você ter uma idéia, no ano passado eu ganhei o campeonato da Stock com a Peugeot e no outro dia ou nos dias seguintes nenhum diretor da marca ao menos ligou para me dar os parabéns. Ou seja, não há envolvimento. Com a BMW é diferente: eu fui à Alemanha para uma reunião com o presidente da BMW, falou-se sobre aspectos técnicos, comerciais, sobre o comprometimento da montadora com o projeto e com os pilotos [além de Cacá, estão na equipe Valdeno Brito, Costantino Jr. e Claudio Dahruj]. Como o calendário não teria coincidência de datas, correr não seria problema. NdG:Em 2010 durante a etapa do WTCC nós seguimos você aqui dentro por 36 horas aqui dentro do AIC com aquela desconfiança do “aí tem coisa”. Vimos suas conversas com algumas pessoas e, do lado de fora, vimos a reunião entre você, o presidente da CBA e o Marcelo Lotti, diretor da categoria. Algumas horas depois, nos boxes da Chevrolet, acompanhamos sua conversa com o José Cordova, quando você nos informou dos planos para uma equipe sulamericana para a temporada de 2011. Do meio do ano pra frente, o assunto esfriou. O que deu errado? Cacá Bueno: É verdade. Estava tudo bem encaminhado para termos uma equipe sulamericana na categoria. Seria uma equipe argentina, na verdade, mas eu seria um dos pilotos, o outro seria o ‘Pechito’ Lopez. A montadora, que era a Honda, ia fazer os motores e estava tudo certo. Até o dinheiro para levar o projeto adiante nós já tínhamos... mas aí a montadora desistiu do projeto. Foi um balde de água fria na gente. Depois teve outra tentativa, com a Chevrolet, onde estávamos encaminhando o processo para fazer a temporada inteira, com a equipe de ponta da categoria, mas não houve acordo com a televisão brasileira. Era preciso ter um retorno maior para conseguir ter patrocinadores brasileiros na categoria e sem a televisão não há como viabilizar um projeto destes. Caso tivéssemos fechado, daí partiríamos para tentar negociar datas dos calendários para acomodar tudo e viabiliza a participação integral, Stock e WTCC. Na época o [Augusto] Farfus ainda estava na categoria, então era algo para ter dois, quem sabe mais, pilotos na categoria. Mas o negócio é não desistir. Uma carreira internacional ainda está nos planos. NdG: E quais seriam as possibilidades? Cacá Bueno: Conquistar um campeonato mundial sempre foi um sonho, mais que isso, um objetivo. É um projeto que eu não abandonei e que mesmo tendo alguns planos sido adiados, as aspirações e possibilidades estão aí. A FIA tem dois campeonatos mundiais com carros de turismo: o WTCC e o FIA GT. No momento tenho dois caminhos que podem ser seguidos. A disputa do TC2000, que tem carros com uma configuração similar a dos carros do WTCC e agora o GTBrasil, com carros da GT3, que é uma categoria homologada pela FIA. Aí a gente une o agradável ao útil, tendo o prazer de correr em carros e categorias interessantes, mas também fazendo uma preparação, uma adaptação para poder estar melhor preparado quando for a hora e poder conquistar um feito pessoal, que vai muito além da conquista financeira. É algo para se poder falar que ‘no mundo, ninguém é melhor que eu’. Mas este projeto precisa andar porque não posso esperar muito para na ficar velho demais para conseguir isso. Fazer uma tentativa, hoje, de correr um destes campeonatos não seria viável. Primeiro por terem datas que coincidem com o calendário da Stock Car, categoria da qual não posso abrir mão. Segundo por falta de condições financeiras. Para correr um campeonato como o WTCC ou o FIA GT eu precisaria levar patrocínios e estas categorias não tem exposição no Brasil. As corridas não passam na televisão e isso é uma dificuldade extra para se conseguir patrocinadores. O retorno é praticamente zero. Quando muito, alguns sites dão o resultado das provas e isso é muito pouco. Sem a televisão para dar este retorno, é praticamente impossível se conseguir alguns milhões, porque são milhões mesmo, para encaminhar este projeto. NdG: A NASCAR ou o DTM não atraem você? Cacá Bueno: O DTM e a NASCAR são as categorias mais conhecidas no turismo, mas o DTM seria o máximo em tecnologia de carros de turismo, mais que a NASCAR que mesmo sendo uma categoria maior que o DTM, é uma categoria bem americana, por assim dizer. Se for para comparar o desenvolvimento como piloto, o retorno para patrocinadores, o envolvimento com as montadoras, o DTM é um campeonato mais interessante que a NASCAR. Inclusive porque é muito difícil se chegar e se estabelecer na NASCAR. Quem está buscando isso, do jeito certo são o Nelsinho [Piquet] e o [Miguel] Paludo, que foram para a Truck Series, aprender como é a categoria. O planejamento do Nelsinho é algo que passa por um projeto de 5 anos, onde ele conheceu a Truck no primeiro ano, agora está numa equipe mais forte e vai fazer umas provas na Nationwide, para no ano que vem, dando tudo certo ir para lá e no segundo ano de categoria correr por uma equipe mais forte e fazer umas provas na categoria principal para então, dando tudo certo, chegar na Sprint Cup. Ou seja, seriam 5 anos dando tudo certo. Eu estou com 35 anos, não é o caso de se começar um projeto novo como esse. Alguns anos atrás me ofereceram este projeto e a resposta que eu dei foi que, se eu tivesse 23/24 anos, eu iria com certeza. Fazer isso hoje seria abandonar uma carreira consolidada aqui na América do Sul para começar uma nova carreira nos Estados Unidos. No DTM seria algo um pouco parecido. Dificilmente eu conseguiria entrar numa equipe de ponta logo de cara e também levaria anos para, quem sabe, chegar numa. No WTCC, o cenário é outro. Eu tenho uma relação boa com a equipe que vem dominando a categoria há alguns anos e isso seria um atalho para se chegar a uma condição de disputar o título. Os campeonatos são mais curtos, com 10 ou 12 etapas, diferente de uma NASCAR onde se corre o ano inteiro. Sendo bem negociado, dá pra conciliar com uma Stock, por exemplo, e não deixar para trás tudo o que eu fiz no Brasil e na Argentina até hoje. NdG: Esta manhã (Isso não é verdade, amigo leitor. Fizemos uma ‘pegadinha’ com o Cacá, mas não entregamos que era piada, ok?) nosso correspondente no Rio de Janeiro nos informou de uma, digamos, ‘bomba’. Talvez até você já esteja sabendo: a Patrícia Amorim, presidente do Flamengo, que no ano passado colocou dois caminhões na F. Truck com as cores do clube está aguardando a volta da equipe para reunir-se com o Andreas Matheis para negociar a colocação de pelo menos um carro com as cores do Flamengo na Stock... Cacá Bueno: Desde que não seja o meu (risos), tudo bem. Eu sou profissional, mas tem certas coisas que não dá pra encarar. Se alguém for usar o carro, vai ser o Serrinha (risos gerais). Nota do Editor: Esta entrevista foi feita em parceria com a brilhante jornalista do site Grande Prêmio, Evelyn Guimarães. Ela chegou nos boxes da equipe Red Bull pouco depois de mim e esperamos juntos pelo Cacá. Cavalherescamente, como deve se fazer com as mulheres, ofereci a ela a possibilidade de fazer as primeiras perguntas. Algumas delas coincidentes com as havíamos elaborado. por isso, as entrevistas saíram com algumas perguntas e respostas em comum. Com sua competência profissional e seu sorriso encantador, ela "amoleceu" o campeão que falou, somando o tempo com ela e comigo, por mais de uma hora! |