Automobilismo é algo presente em praticamente 70% de meus 27 anos de vida. Mas confesso que não entendo muitas situações nesse esporte. Por exemplo: a forma como algumas pessoas julgam o rendimento de um piloto. É comum ler ou escutar, de fãs de automobilismo a jornalistas do segmento, que sujeito fez “corridaça” quando teve pilotagem arrojada, contornou as curvas com o carro quase “atravessado” e ultrapassou vários adversários. Contudo o termo é menos empregado quando um piloto, por exemplo, larga na pole, faz uma prova sem erros e vence. Tudo bem. É natural que pilotos envolvidos em disputa e ultrapassagens sejam elogiados, pois esses dois pontos são grandes atrativos do automobilismo. Mas, além do espetáculo, o esporte a motor possui muito espaço a pontos como regularidade, estratégia e inteligência. Aliás, lembro-me de situações interessantes protagonizadas por três dos maiores pilotos da história do automobilismo mundial: Nelson Piquet, Ayrton Senna e Michael Schumacher. Instantes que, se não tiveram o brilho de uma participação marcada por grandes ultrapassagens, mostraram quão completos eram esses pilotos. Em 1999, Schumacher buscava seu primeiro título pela Ferrari. O maior adversário era Mika Hakkinen, da McLaren. Entretanto, no GP da Inglaterra, ‘Schumy’ fraturou a perna direita. Após acidente, quando o alemão se recuperou, apenas três meses mais tarde, a disputa pelo caneco se limitava ao seu parceiro de Ferrari, Eddie Irvine, e a Hakkinen. O retorno de Schumacher ocorreu no final de semana do GP da Malásia. Era a primeira vez que o país asiático sediava uma prova de Fórmula-1, no circuito de Sepang. Não havia muitos parâmetros para ajustes aerodinâmicos. Ainda assim, Michael barbarizou a concorrência no treino oficial. Em uma volta incrível, cravou a pole position com 1m39s688, volta praticamente um segundo mais veloz que a de Irvine, o segundo colocado. Na corrida, ‘Schumy’ bancou algo que muitos de seus companheiros de time fizeram por ele: o papel de escudeiro. Entregou a liderança ao britânico na quarta volta, suportou a pressão exercida por Hakkinen e chegou na segunda posição. A vitória ficou com Irvine, algo que permitiu ao norte-irlandês chegar à etapa seguinte, de encerramento da temporada, quatro pontos à frente de Hakkinen no Mundial de Pilotos. Como Schumacher na Malásia, Ayrton Senna também teve de ceder posição ao companheiro de equipe. Nos metros finais do GP do Japão de 1991, por ordens de Ron Dennis, Senna abriu espaço à vitória do parceiro de McLaren, Gerhard Berger. Não é preciso ser profundo conhecedor da personalidade do brasileiro para saber o quanto aquilo chateou-lhe. Mas o objetivo de Ayrton fora atingido naquele dia: o título da temporada. Senna chegou a Suzuka com chances de faturar o caneco de 1991 com uma prova de antecipação. Bastava que Nigel Mansell, da Williams, não vencesse. Logo, manter o inglês distante da liderança da prova seria opção inteligente. Após o treino, tudo parecia bem encaminhado à conquista do tri. Berger e Senna dividiam a primeira fila – com o austríaco na pole. Mansell era o terceiro. Na corrida, a estratégia traçada pelo staff da McLaren e por Senna se concretizou. Ayrton passou a controlar Mansell na terceira colocação, enquanto Berger disparava na liderança. No décimo giro, o Leão, sob a ânsia de querer manter-se o mais próximo possível de Ayrton, perdeu o ponto de freada. Naquela curva logo após a reta dos boxes, no primeiro setor de cronometragem do circuito japonês. Com sua Williams presa à brita, Mansell deu adeus às chances de continuar na briga pelo título. Claro que essa participação de Ayrton não teve o mesmo “impacto”, por exemplo, daquela em Donington Park (1993). Mas foi suficiente para desestabilizar um adversário e garantir-lhe seu terceiro título de Fórmula-1. Sobre Piquet não me refiro a uma corrida apenas, mas sim a toda temporada de 1987. Aliás, deixo esse assunto para a próxima coluna Papo Ligeiro. Abraços, Rafael Ligeiro |