Com apenas 11 anos de idade, Mateus é um garoto que rendeu um dos acontecimentos mais sinceros e engraçados que pude acompanhar no automobilismo. Ele não é filho de piloto famoso; tampouco kartista já repleto de patrocinadores. Trata-se de um fã incondicional de Fórmula-1. Desses que acordam por conta própria ou madrugam para acompanhar os GPs. Atributo herdado do pai, Ricardinho. Grande amigo que tenho desde a infância, o sujeito adora corrida de qualquer coisa motorizada. Um desses que sonhou ser piloto, Ricardinho ficou pelo caminho por conta da falta de grana, talento e, porque não, da dificuldade em alcançar os pedais do carro. Aliás, consta-me contra ele o péssimo hábito de mentir sobre a altura. Diz a todos que tem um metro e 68 centímetros - dos quais, segundo me confessou, algo entre "quatro e sete centímetros" é fruto, digamos, de "imaginação". Nesse sentido, me leva a crer que, de fato, ele tenha menos que um metro e 55. Em 2008, recebi valioso convite de Ricardinho para acompanhar, da casa dele, o GP do Canadá. Sem hesitar, aceitei o convite. Além da agradável companhia de pai e filho e da televisão super moderna de 40 e tantas polegadas com 1001 funções, o rango oferecido por lá durante as corridas costuma ser de altíssimo nível. Coisas de Ricardinho que, se jamais pilotou bem um carro, ao menos, no fogão merece vaga na elite. Durante a prova, Mateus se mostrou um garoto de pouco papo. Porém articulado e muito inteligente. Bastava um piloto surgir na tela da televisão para ele exibir seus conhecimentos. "Fulano correu aqui", "Ele correu acolá", "Esse foi campeão em 2003"... Algum tempo após aquele memorável strike de Lewis Hamilton em Kimi Räikkönen na saída dos boxes, o menino trocou o papo didático por um pedido. Disse que gostaria de receber alguma lembrança, especialmente uma FOTO COM AUTÓGRAFO, do piloto predileto dele. "Mas quem é o seu piloto favorito?", perguntei. "Timo Glock", respondeu. Fiquei surpreso, por não dizer assustado. Nada contra o alemão da Toyota. Mas fato é que apostava numa resposta óbvia como Felipe Massa ou Nelsinho Piquet. Numa mais arrojada, diria Fernando Alonso ou Kimi Räikkönen. E, embora espantado, encarei o pedido como desafio. Tinha alguma perspectiva para conseguir a tal foto. Mas como alimentar esperança em criança sem certeza de corresponder é estupidez, aliviei. "Vou tentar, Mateus... Vou tentar". No dia seguinte à prova, logo pela manhã, entrei em contato com colegas na busca pelas bendita foto autografada. Semanas depois, recebi quatro cards do germânico. Primeiro, dois enviados pela Toyota; depois, outros dois de um patrocinador de Glock. Mas dançou quem pensava que liquidaria o adversário por nocaute, no primeiro round. Afinal, cadê o autógrafo?! É verdade que tinha uma rubrica impressa no cartão. Talvez suficiente para contentar Mateus. Contudo, como achei isso algo gélido, preferi correr atrás do original, do punho do alemão. Nesse sentido, a alternativa passou a ser o GP Brasil. Aliás, meses antes da corrida, recebi convite de um veículo para reportar, em Interlagos, aquela que logo se confirmaria como etapa decisiva do campeonato 2008. Já estava quase tudo definido, até a grana que receberia, mas, com essa maldita crise econômica iniciada lá nos States e que se impregnou mundo afora, quatro patrocinadores puxaram o carro da publicação. "E o quinto está balançando", afirmou o editor-chefe, com evidente tom de desanimo. Alegou que sem dinheiro, sem cobertura. E assim foi. Como fui pego sem tempo hábil para tentar algum "Plano B", tratei de enfiar a mão no bolso - na conta bancária e no porquinho, para comprar um VIP. Escolhi o tal de Orange Tree Club, que segundo informações, me deixava numa área próxima à curva do Laranjinha, cheia de monitores de TV e paparicos, com a oportunidade de poder visitar os boxes de Interlagos. O dia tão esperado chegou e, após o treino, dei uma passadinha nos boxes. Tive a impressão de estar numa feira livre, repleta de gente; contudo, nem sinal de um bendito piloto ou de qualquer dirigente. Apenas um ou outro mecânico fuçando nos carros; até mesmo uns bebericando Red Bull, outros comendo maças ou bananas. Parava em frente a cada box para tentar analisar alguma coisa da aerodinâmica dos carros de cada equipe. Repeti o ritual até o da Toyota, quando tive uma surpresa. Grande surpresa. Jarno Trulli e Timo Glock estavam no maior bate-papo no box do time nipo-alemão! Pensei no Mateus e tratei de arriscar. Chamei por Glock e apontei o card que levara a Interlagos, com tanto esmero. Fiz isso três vezes, até que o cara olhou. E veio. Claro que o povo percebeu que um piloto estava a caminho. Alguns talvez nem soubessem quem era, mas, como bons brasileiros, trataram de se aglomerar "para ver de perto um famoso". Mesmo na muvuca, fiz valer minha condição de número um da desordenada fila. Logo que ele chegou, enfiei em inglês: "Please, could you give me your autograph?" "Where?", perguntou Glock que, pela altura, me lembrou Ricardinho. "Here", respondi apontando ao card que passei a ele posteriormente, com minha caneta. Justamente nesse instante, escutei alguns assovios. Olhei para trás e vi que passava uma belíssima modelo da Red Bull - equipe que, se nas pistas ainda não venceu, é aclamada como campeã na escolha da mulherada que embeleza o paddock. Muita gente perdeu o rumo com a morena, inclusive eu que nem percebi se Glock escreve com a destra ou a canhota. Logo que voltei atenção (?!) ao germânico, ele já tinha assinado. Entregou a caneta e o card, me agradeceu e foi logo atender aos pedidos dos colegas. Enfim, com o card autografado pedido pelo Mateus em mãos, pensei em presentear logo o garoto. Mas a preguiça bateu e decidi faze-lo na segunda-feira. Acredite, foi meu erro. Na corrida, Hamilton faturou o título sobre Massa por conta da ultrapassagem sobre Glock, praticamente na última curva da corrida. Claro, não tratou-se de maracutaia. Porém, não estranhei o fato de Mateus negar-se a ficar com o suado presente - apesar de Ricardinho quase esbofetea-lo para que aceitasse. "O Glock não é mais meu herói", alegou. "Meu herói agora é o Massa, que ganha na chuva e no Brasil". Claro, não descarto outra recaída do moleque. Por isso, o card está guardado. Agora, curioso é pensar que tudo começou num GP em que Timo Glock segurou Felipe Massa na unha e chegou em quarto lugar. Imediatamente à frente do novo herói de Mateus. Abraços, Rafael Ligeiro |