Alguns pilotos tem a qualidade de serem carismáticos ao extremo. Este é o caso de Gabrielle Tarquini. Um cinquentão (completados em março deste ano) que saiu de uma pequena vila nas margens do Mar Adriático para vencer no mundo da velocidade. Sim, vencer! Não é só quem se torna campeão de fórmula 1 que pode ser considerado vencedor. Tarquini também é um campeão do mundo da FIA (WTCC, 2009) e é um campeão de simpatia, de humildade e de tenacidade. Afinal, ele não pensa em parar tão cedo. Acompanhe a exclusiva que o piloto da Lukoil dos deu durante o final de semana do WTCC em Curitiba. NdG: A Itália é um pais que respira velocidade, seja em duas ou quatro rodas. Quando você começou a crescer e balbuceou as primeiras palavras, ao falar “mama”, estava tentando chamar sua mãe ou falar “macchina”? Minha família cultivava a terra na vila onde nasci. Não tinha nenhum histórico de pilotos na família, mesmo assim lá fui eu! Gabrielle Tarquini: (gargalhadas) Eu nasci numa pequena vila, chamada Giulianova, numa região chamada Arbuzos, na província de Téramo. Um lugar com menos de 20 mil habitantes... isso é bem pequeno, não? Minha família é simples, de agricultores, cultivávamos a terra e o mundo do esporte a motor era algo que, claro, se via, se acompanhava, mas era algo distante. Sendo assim, eu devia estar mesmo chamando minha mãe (risos). NdG: Sendo assim, de uma família simples, como foi que você conseguiu abrir caminhos para se tornar um dos astros do automobilismo mundial. Se tornar piloto custa caro, como tudo começou? Gabrielle Tarquini: Como você mesmo disse, os italianos são apaixonados por velocidade e eu sempre assistia as corridas que passavam na televisão e Pescara, a cidade grande mais próxima tinha uma tradição de corridas no passado. Eu tive a chance, na adolescência, de conhecer o kartismo e, acho que por um dom natural, me saí muito bem e logo me destaquei. Corri cinco anos de kart e fui campeão, o que me abriu muitas portas. Como minha família não tinha dinheiro para investir numa carreira, meus resultados conseguiram atrair algumas pessoas que me apoiaram. NdG: Estas pessoas também o apoiaram para ir do kart para os carros? Gabrielle Tarquini: De certa forma sim, mas eu entrei para uma escola de pilotagem que promovia um campeonato interno e o vencedor ganhava o lugar no carro para disputar o campeonato italiano da categoria, que era abaixo da Fórmula 3 italiana. Eu venci o campeonato interno e disputei o campeonato da categoria, onde venci também e isso abriu algumas portas. No ano seguinte, disputei o campeonato italiano de Fórmula 3 e me destaquei também. Isso possibilitou a minha ida para a Fórmula 3 européia e posteriormente para a Fórmula 3000, que era, então, o que seria a GP2 nos dias de hoje. NdG: Praticamente todos os especialistas consideravam e ainda o consideram um piloto muito rápido. Contudo, mesmo com este aval você nunca teve a chance em seus anos de Fórmula 1 de pilotar um carro de ponta. De alguma maneira isso te frustrou na época? Quando passei pela Fórmula 1 foi uma época difícil. Já precisava ter patrocinadores para ajudar e haviam muitas equipes pequenas. Gabrielle Tarquini: Eu não diria frustração. É uma palavra que pode ser considerada muito dura em alguns idiomas, não sei o quanto no português. Mas é claro que quando se chega a maior categoria do mundo, o piloto já deve se sentir um vencedor, antes de tudo. Não importa onde ele vai pilotar, se numa Ferrari ou se numa Osella, como eu pilotei. Chegar lá já é a realização de um sonho. Quanto a sentar num carro de ponta, não basta apenas talento. Talento todos tem. Tem que ter a sorte de estar no lugar certo na hora certa, de receber a proposta que possa fazer com que você consiga dar este passo a mais. Todos os pilotos buscam este lugar especial, mas nem todos conseguem. Eu não consegui na Fórmula 1, mas consegui aqui no WTCC. NdG: Aqui no WTCC você é uma espécie de referência na categoria. Já disputou campeonatos por algumas marcas, sagrou-se campeão em 2009 e é um daqueles, que se costuma dizer, “pilotos a serem batidos”. Isso traz o quanto mais de responsabilidade? Gabrielle Tarquini: A responsabilidade está com o piloto desde quando ele senta no kart pela primeira vez. Responsabilidade de ser rápido, responsabilidade de ser leal, responsabilidade de não provocar acidentes e de tentar evitá-los ao máximo. Ela apenas cresce quanto mais rápido e maior é o carro que você pilota. Quanto a ser “o piloto a ser batido”, é uma grande honra para mim, com mais de 30 anos de automobilismo, ainda ser visto assim, o que prova que ainda sou competitivo. NdG: Justamente sobre isso, você está completando este ano 50 anos de idade e continua rápido e competitivo. Aqui no Box do lado temos o seu compatriota, o Alberto Cerqui, que tem apenas 20 anos de idade, ou seja, poderia ser seu filho. O que você acha que deve passar na cabeça de um piloto que provavelmente o teve como ídolo quando ele coloca o carro ao lado do seu? Gabrielle Tarquini: O que ele pensa eu não sei... a gente pode ir lá perguntar pra ele (risos), mas o que eu penso eu posso dizer: se for para tirar uma foto, sem problemas, mas se for durante uma corrida, meu pensamento será um só: você não vai me passar! E isso é o que eu penso com relação a qualquer um. O piloto na corrida tem que estar motivado e focado para fazer o seu melhor. Passar a todos que possam estar na sua frente e não dar oportunidade aos que o perseguem de ultrapassá-lo. NdG: Você tem quantos filhos? Qual a idade deles? Você os vê ou imagina-os pilotando como você? Eu continuo rápido e competitivo. Se não fosse assim, a Honda não teria me contratado. Correr é minha vida e eu amo o que faço. Gabrielle Tarquini: Meus filhos, tenho dois, ainda são muito pequenos. O mais velho está com apenas seis anos de idade. Não sei se eles vão querer se tornar pilotos um dia. Se quiserem, vai ter que partir deles. Eu não vou forçar ou sugerir. A iniciativa tem que ser do garoto ou da garota. Tem muitos filhos de pilotos da minha geração ou um pouco antes correndo por aí. Se eles estão lá porque sentiram vontade, ótimo. Se estão porque se sentiram na obrigação de seguir os passos do pai ou se acharam que era o único caminho a seguir, é ruim. Basta ver o quanto alguns de pilotos que foram campeões tentaram e não conseguiram chegar à Fórmula 1 apenas com o sobrenome. Tem que ter talento. Sem talento não tem como vencer. NdG: Não sei se você tem acompanhado o automobilismo local na Itália, mas soube recentemente que na F3 italiana, que o projetou para a Europa, este ano tem apenas 11 carros no grid. No restante da Europa está assim também, com 13/15 carros. O que estaria acontecendo, na sua opinião? Gabrielle Tarquini: O automobilismo nunca foi um esporte barato e atualmente é menos ainda. O que vejo é a necessidade de alguém arcar com a maior parte dos custos de uma categoria, como fazem algumas montadoras. As categorias que elas dão suporte tem conseguido manter seus grids cheios. Outra coisa foi a criação da uma espécie de escadinha, com a GP3 assumindo um papel de degrau antes GP2, mas o maior problema a meu ver é o excesso de categorias. Isso, se por um lado é bom, no sentido de dar mais opções aos pilotos, por outro é ruim, pois pulveriza os pilotos que tem algum orçamento para disputar uma categoria de base e aí ficam poucos pilotos para várias delas. NdG: Desde que a Fórmula 1 começou, em 1950, o ano de 2012 é o primeiro em que não há um piloto italiano no grid? Estão faltando talentos na Itália ou o problema é outro? A situação econômica, a crise que se instalou em 2008, atingiu diretamente o mundo do automobilismo, mas estamos recuperando. Gabrielle Tarquini: Temos alguns pilotos correndo na Europa, na GP2 e na World Series que poderiam estar na Fórmula 1. Hoje está mais difícil. Nos anos em que corri, algumas vezes tive que disputar um pré-qualifying, haviam 30 ou 32 carros inscritos e 26 largariam. Hoje temos 24 carros no grid. Houve tempos que tivemos 7 pilotos italianos na Fórmula 1. Houve tempos em que a França teve 8 pilotos na Fórmula 1. A França ficou alguns anos sem pilotos na categoria. Este ano, depois da saída do Jarno [Trulli], ficamos sem nenhum. Pode ser que consigamos no futuro voltar a ter um piloto no grid, mas agora, muito mais que antes, sabemos que é preciso mais que apenas talento para se conseguir um lugar no grid. NdG: Voltando para o WTCC, há praticamente três anos a Chevrolet vem dominando a categoria. Eles são, atualmente a única equipe oficial de fábrica. Em 2009, quando você conquistou o título, corria por uma equipe de fábrica, a SEAT. O que seria melhor para o equilíbrio da categoria: todas as equipes serem oficiais de fábrica ou todas não serem? Gabrielle Tarquini: Seria muito bom se as fábricas ficassem o tempo todo envolvidas com o campeonato. A injeção de dinheiro em pesquisa e desenvolvimento sempre é maior se há mais investimento. Por melhor estruturada que seja uma equipe não oficial, como é o caso da Lukoil, que é uma grande equipe, ter um orçamento maior pode ser uma enorme vantagem, difícil de ser tirada. Mas o automobilismo é assim. No ano que vem vamos ter novas equipes de fábrica chegando, entre elas a Honda, onde vou correr, teremos a Chevrolet saindo como um dia saiu a SEAT e a BMW... em todo o automobilismo mundial é assim. O importante é que a categoria está forte, com novos times entrando, com uma perspectiva de termos mais carros no grid em 2013 e um campeonato ainda mais interessante. NdG: Você completou 50 anos este ano e tem o título de piloto mais experiente a sagrar-se campeão do mundo (aos 47 anos, campeão do WTCC em 2009). Para o ano que vem você assinou contrato com a Honda, que volta ao WTCC como equipe de fábrica. O que mantém você tão motivado para continuar pilotando? Gabrielle Tarquini:Obrigado pelo “piloto mais experiente” ao invés de “o piloto mais velho” (risos). Mas a verdade é que eu nunca me senti velho para pensar em parar de correr. Eu cuido muito da minha saúde, tenho um ótimo programa de condicionamento físico, mas, mais que isso, eu adoro fazer o que faço. Corridas são a minha vida e eu percebi isso desde as primeiras voltas que dei em um kart. É muito mais difícil para mim me ver fora das pistas do que continuar dentro delas. Na verdade, eu nem consigo me ver fora das pistas e por isso, os meus adversários aqui no WTCC podem ter certeza que eu estarei aqui ainda por muito tempo, dando tudo de mim e buscando mais títulos. NdG: Andamos fazendo uma pesquisa antes desta entrevista e constatamos que você nunca participou de uma destas famosas corridas famosas de longa duração como as 24 Horas de Le Mans. Você nunca se interessou por este tipo de provas? Os fãs de Tarquini no autódromo levaram esta cabeleira pra ele e ele não se fez de rogado. Tiago Monteiro e todo o box curtiu! Gabrielle Tarquini: Eu nunca participei, mas até hoje isso foi um problema de conciliar os compromisso mais do que qualquer coisa. Já tive alguns convites para disputar as 24 Horas de Le Mans, mas não tive como aceitar. Tive também convites para disputar as 12 Horas de Sebring e as 24 Horas de Daytona. Pode ter certeza que ainda pretendo disputar este tipo de corrida, mas não quero apenas participar, quero poder entrar num esquema em que eu tenha chances reais de vitória. Não que seja necessariamente na categoria principal, a LPM1, ir na categoria GT PRO também seria atraente. O importante é ter condições de brigar por uma posição digna, de poder vencer. Participar só por participar, para fazer número, melhor ver pela televisão. No dia em que eu não mais condições de competir, vai ser chegada a hora de parar. NdG: O que Gabrielle Tarquini pode dizer para um jovem que queira entrar para esta vida, ser piloto, mergulhar no mundo da velocidade? Gabrielle Tarquini: Tenha paixão! Qualquer coisa que você vai fazer na vida, precisa ter paixão. Seja dedicado, treine, aprenda, aprimore-se, mas faça com que seja algo natural e prazeroso. Um piloto não pode forçar a sua natureza. Se ele não tiver a ‘mão’ para a coisa, melhor não insistir, mas se tiver, vá com tudo, não desista diante das dificuldades e, quem sabe, você pode um dia alinhar num grid e correr contra o Gabrielle Tarquini! Tem umas pessoas que cativam mesmo a gente. Foi o caso do Gabrielle. Quem dera todos os pilotos fossem como ele! |