Alexander Wurz disputou 69 GPs em seis temporadas na Fórmula 1. Austríaco como Jochen Rindt, Niki Lauda e Gerard Berger, mesmo depois de deixar de ser piloto titular de qualquer equipe na F1, manteve-se no ‘circo’ da categoria como piloto de teste e, posteriormente, como orientador de jovens valores. Atualmente pilotando para a Toyota no Mundial de Endurance, não perdeu o vínculo com a F1, trabalhando na Williams no aprimoramento de Pastor Maldonado e Bruno Senna. Após o primeiro dia de carros na pista em Interlagos pelo Mundial de Endurance, Alexander Wurz começou uma entrevista “em três pedaços”, que começou nos boxes, seguiu para sala de imprensa e terminou na sala dos pilotos da equipe, no paddock. NdG: Alexander, inicialmente nós gostaríamos de saber quem é Alexander Wurz. Não apenas o piloto, mas o ser humano. Alexander Wurz: Eu nasci numa pequena vila no norte da Áustria, um lugar de temperaturas muito baixas e mesmo no verão não faz calor por lá. Acho que deve ser por isso que gosto tanto de sol e praia! (risos) Sou casado, tenho duas filhas e faço de tudo para estar o máximo de tempo possível em companhia da minha família. Temos uma vida bem saudável, cuidando do corpo e da mente como deve ser. Eu sempre gostei de fazer esportes e atualmente pedalo, corro e faço kitesurf, o que me traz ao Brasil quase todos os anos para Fortaleza e Cumbuco. NdG: A vida de um piloto não é fácil. Sabemos que além dos compromissos de pista com a equipe o piloto tem uma série de compromissos com patrocinadores. E ainda assim você arranja tempo para vir ao Brasil? Como você faz isso? Uma coisa que possivelmente pouca gente sabe é que eu venho ao Brasil todos os anos fazer kitesurf em Fortaleza e Cumbuco. Alexander Wurz: O que você falou é verdade. A vida é mesmo muito corrida e com o envolvimento em mais de uma atividade fica mais corrida ainda. Além da Toyota eu tenho o compromisso com a Williams e o meu próprio negócio, de treinamento e preparação de motoristas. Atualmente a empresa está dando treinamento de direção defensiva a todos os motoristas de uma grande empresa de ônibus e isso requer dedicação. Também damos treinamento a motoristas de carros oficiais e autoridades, além de quem queira participar de um de nossos cursos. A nossa escola também possui um programa de treinamento e desenvolvimento de jovens talentos para as pistas. Faz algum tempo que não temos um piloto austríaco na F1 e precisamos fazer algo com relação a isto. Também tenho um outro negócio de importação e distribuição de comida italiana, mas este ainda está dando os primeiros passos. NdG: Depois desta aula de como gerenciar o tempo, gostaria de perguntar exatamente sobre estes novos talentos. A Áustria tem uma tradição na Fórmula 1 com uma dinastia de ótimos pilotos e 4 títulos mundiais. No seu caso, o que te levou para as pistas? Alexander Wurz: O meu pai era piloto de corridas, mas não de pistas ou monopostos. Ele corria de Rally. Nos anos 70 os Rallies ainda não tinham um campeonato mundial, mas tinham o europeu e não é porque era o meu pai, ele era muito rápido! Com o sucesso de Niki Lauda na fórmula 1, muitos jovens pilotos sonharam em seguir seus passos, eu inclusive, que era uma criança quando ele conquistou aquele fantástico título por meio ponto em 1984. Logo em seguida veio o Gerard [Berger] então seguir o caminho do kart foi algo bem natural para muitos garotos. Contudo, eu comecei minha vida de velocidade sem motor, no ciclismo. Em 1986 eu inclusive disputei um tornei internacional, que era uma espécie de mundial e meu adversário mais duro foi um brasileiro. Eu não lembro o nome dele, mas foi muito difícil superá-lo e vencer aquele campeonato. Só depois disso que eu fui para o kartismo. NdG: De uma forma geral, sabemos muito pouco ou quase nada sobre como se formam pilotos na Áustria. Você poderia nos dizer qual seria o ‘caminho das pedras’ que um jovem precisa percorrer e como ele faz isso em seu país? Meu pai era piloto de Rally, e muito rápido. Eu comecei com bicicletas, só depois fui para o Kart. Ser piloto na Áustria é difícil. Alexander Wurz: Atualmente a Red Bull investe muito na formação de novos pilotos, mas não especificamente na Áustria, patrocinando campeonatos, festivais, permitindo que garotos e garotas possam sonhar em se tornar pilotos no futuro. O programa deles é a nível mundial. Poderia ter algo mais também para o nosso país. No passado (oh, meu Deus... estou falando de mim assim, “no passado”... risos) não havia nada disso. Não havia nada mesmo. A Áustria não é um país grande, dono de indústrias que possam dar suporte a carreira de um piloto ou uma categoria. Tivemos durante algum tempo um excelente autódromo, Zeltweg, que foi ficando ultrapassado e foi reformado, nascendo o A1 Ring, que depois de alguns anos na F1 também fechou. Agora a Red Bull assumiu o circuito, reformou-o e rebatizou como “Red Bull Ring”. Quem sabe isso possa ajudar os nossos pilotos a ir mais longe. Quando eu comecei, logo tive que ir para a Alemanha, disputar campeonatos por lá uma vez que não existiam campeonatos na Áustria. Além de Zeltweg havia apenas mais um circuito no país, mas muito pequeno e mal cuidado. Era difícil correr lá. Como é preciso sair do país para correr em outro lugar da Europa e isso custa caro, está cada vez mais difícil formarmos um piloto austríaco para competir em alto nível. NdG: Mesmo com toda a dificuldade, acredite, para nós que moramos do outro lado do oceano é mais longe, mais complicado e mais caro ir para a Europa, nossos pilotos, em sua grande maioria, ainda começam a carreira sonhando com a F1. É assim também na Áustria, ou os pilotos por lá pensam no turismo ou no rally como opções interessantes? Alexander Wurz: Bem, a maioria dos jovens que procuram a nossa escola vem com a Fórmula 1 em mente. Queiramos ou não, é a grande vitrine, a grande categoria no mundo. Mas na Europa existe uma grande tradição no rally e alguns mostram interesse neste seguimento. Como estamos muito perto da Alemanha e falamos alemão, o automobilismo alemão tem forte influência e eles tem o DTM, que é uma categoria fantástica. Assim, também temos jovens que chegam lá pensando em uma carreira futura no turismo. NdG: Você correu seis temporadas na Fórmula 1. O que é mais difícil para um piloto: entrar para a Fórmula 1 ou sair da Fórmula 1? Na Áustria temos apenas um grande circuito, que agora é cuidado pela Red Bull. Eles tem programas para pilotos, mas nada local. Alexander Wurz: (Risos) esta pergunta foi muito boa... não me lembro de terem me perguntado isso, pelo menos desta maneira. Chegar à Fórmula 1 é chegar ao ápice da carreira, é estar com os melhores do mundo. É ser um dos melhores do mundo, pelo menos em teoria. Quando eu cheguei na Fórmula 1 eu vi que teria que pilotar melhor e mais rápido do que jamais pilotara na vida e que, mesmo assim, isso poderia não ser o suficiente. Na Fórmula 1 existe muito negócio e são poucos lugares para muitos excelentes pilotos. Se tivéssemos um grid com 50 carros ainda assim alguém muito bom ficaria de fora. Eu acho que o mais difícil mesmo é permanecer na Fórmula 1. Há também um outro lado. Certamente todos tem um momento em que passa a não conseguir crescer mais e começa a ser superado. Este é um momento muito difícil na carreira de um piloto e muitos não conseguem sair “por cima”. Eu acho que corri bem nos anos que disputei o campeonato mundial de Fórmula 1 e que saí do grid ainda pilotando em grande forma. Em 2007, quando disputei minha última corrida pela categoria, eu já me sentia dividido pelos interesses (atividades) que vinha desenvolvendo fora das pistas e assim sair, para mim, foi algo tranquilo, mesmo porque, continuei no meio do automobilismo e ligado à Fórmula 1. Naquele ano eu consegui um pódio no Canadá e foi quando tive uma reunião com o ministro dos transportes da Áustria sobre projetos interessantes para mim. Uma decisão precisava ser tomada e eu acho que tomei a decisão certa. NdG: Após pilotar por alguns vários anos monopostos e até 2010 carros de Fórmula 1, você passou a disputar corridas de protótipos,estando agora na disputa do mundial de endurance pela Toyota. Qual a diferença entre pilotar estes dois tipos de carros? Alexander Wurz: Em alguns aspectos, os protótipos como o nosso TS030 se assemelha muito a um carro de Fórmula. Ele é muito rápido, tem uma capacidade de aceleração e frenagem muito grande. Ele é um carro muito estável. A grande diferença está no peso e na relação peso/potência. Um protótipo como este tem cerca de 350 Kg a mais que um carro de Fórmula 1. Se você for calcular quantos cavalos de força no motor você tem por quilo que pesa o carro, a relação comparada a não só um fórmula 1, mas a alguns outros carros de fórmula é pior. Por isso os tempos de volta sejam mais altos. Estes carros tem muita tecnologia embarcada e isso se aproxima bastante de um Fórmula 1. Você teve oportunidade de ver o volante e o painel do carro e o nosso volante não é muito diferente do que se vê em um carro de F1. NdG: Para chegar ao nível de desenvolvimento que estes carros atingem, muito investimento em estudo é feito, certamente não apenas pela engenharia, mas também pelos pilotos. Como é a rotina dos pilotos, e a sua em particular, no trabalho entre uma corrida e outra, entre uma temporada e outra? Eu gostava mais na F1 quando os pilotos iam para pista testar novas coisas entre uma corrida e outra. no WEC fazemos isso. Alexander Wurz: Uma coisa boa que o mundial de endurance propicia é que podemos treinar com os carros e testar novos componentes, novos materiais, novas configurações, o que é proibido por regulamento na Fórmula 1. Se bem que nos dias de hoje muito do desenvolvimento é feito por simulações em computador e mesmo em simuladores nos quais o piloto atua como se estivesse na pista. Eu sinto falta do tempo em que o desenvolvimento tecnológico era muito mais na pista do que em outro lugar. Em 2005, por exemplo, íamos todas as semanas para pista testar. Depois disso começaram as restrições de regulamento e esta forma de desenvolvimento foi diminuindo. Aqui no endurance ainda temos isto. NdG: Endurance é uma palavra que quer dizer resistência em português. Para pilotar numa prova como Le Mans, onde o piloto fica no carro praticamente oito horas no total, requer muita resistência física. Aqui mesmo, em Interlagos, com um carro pesado, você e o Nicolas [Lapierre] ficarão três horas ao volante. Como é a sua preparação física e a sua alimentação para suportar o esforço? Alexander Wurz: O piloto de corridas é, antes de tudo, um atleta. Estar bem condicionado fisicamente é o primeiro passo para o sucesso na corrida. Eu tenho um preparador físico e um programa de treinamento rigoroso, além de uma alimentação balanceada para poder estar corretamente alimentado e bem alimentado. Uma prova com esta aqui em Interlagos eu vou pilotar praticamente o dobro do tempo que pilotei aqui na última vez nos tempos da Fórmula 1. Tenho uma pessoa que prepara a minha dieta com base no que vou ser submetido e faço isso há bastante tempo. Posso dizer que está funcionando. NdG: No Mundial de Endurance temos corridas de 6 horas, de 12 horas e de 24 horas (nota dos NdG: para a temporada de 2013, exceto pelas 24 horas de Le Mans, todas as provas terão 6 horas). Certamente não é uma conta matemática simples para se definir uma estratégia para diferentes tipos de corrida. Você poderia dizer como é feito este planejamento? As corridas do WEC exigem muito mais dos pilotos. Aqui vou ficar no carro praticamente o dobro do tempoque fiquei no GP de F1. Alexander Wurz: Por um lado sim, por outro não. Em uma prova de endurance o piloto tem que pensar o consumo de combustível e pneu, andando o mais rápido possível. Nas corridas o abastecimento é parte da estratégia e gerenciar o quanto você gasta sem perder tempo. Quanto mais longa for a prova e melhor sua estratégia de corrida, pode se economizar pit stops, que no mundial de endurance não são tão rápidos quanto na Fórmula 1. A outra coisa que difere é o desgaste durante uma prova mais longa, onde temos mais trocas de pilotos, temos os períodos de descanso onde o descanso as vezes é relativo, mas no calor da corrida, a gente nem sente. O endurance tem umas coisas que só ele tem. NdG: Você correu em Interlagos algumas vezes nos tempos de Fórmula 1. Até onde isso pode ser uma vantagem para você e para a Toyota em relação a Audi? Alexander Wurz: Isto já foi uma grande vantagem no passado. Nos dias de hoje não é mais. Atualmente existem simuladores com todos os principais circuitos do mundo e que são tão realísticos que o piloto acaba vindo super preparado para uma etapa num circuito onde ele nunca correu. Tenho certeza absoluta de que todos os pilotos da Audi treinaram bastante antes de vir pra cá e ainda contaram com as observações do Lucas Di Grassi, que é um excelente piloto. Não acredito que vamos ter alguma vantagem aqui ou em outra corrida neste aspecto. NdG: Atualmente, você tem um trabalho de “coaching” com os pilotos da Williams, Pastor Maldonado, Bruno Senna e Valtteri Bottas. Como é este trabalho? Bruno Senna ainda é um tanto inexperiente, mas é inteligente e aprende rápido. Ele tem feito algumas boas corridas neste ano. Alexander Wurz: Ele envolve diversos aspectos técnicos. Nós observamos o desempenho dos pilotos nos treinos e corridas, levamos as filmagens, juntamos com a telemetria e analisamos como ele se comportou, pontos que precisam melhorar e isso tem dado resultado. Nestes tempos de pneus Pirelli aprender a lidar com os pneus tem sido muito importante. Não basta ser rápido, é preciso ser constante e suave, caso contrário o piloto consegue dar algumas voltas rápidas e depois, mal conseguirá ficar na pista. NdG: E como você vê esta dupla da equipe, com Pastor Maldonado e Bruno Senna? Alexander Wurz: O pastor [Maldonado] é um piloto muito rápido e voluntarioso. Muitos dos incidentes nos quais ele se envolveu foram circunstâncias de corrida. Quase todos os grandes pilotos precisaram aprender, da maneira mais difícil, a encontrar os seus limites. Pastor está buscando isso. Este ano teve muitos problemas, mas conseguiu vencer uma corrida e levar a Williams de volta ao alto do pódio. Bruno [Senna] é um caso diferente. Apesar da idade, ele tem pouco tempo de automobilismo, mas é muito inteligente e aprende rápido. Ele vem progredindo bastante e a equipe gosta muito do trabalho dele. Ele poderia aprender mais se não tivesse que ceder o carro em um dos treinos das sextas-feiras para o Valtteri [Bottas], mas isso está no contrato e nada se pode fazer a respeito. Valtteri é um piloto muito promissor. Tem pessoas que apostam muito nele, mas ele ainda está em formação. O potencial é grande, mas o caminho até se chegar no nível de competitividade que a fórmula 1 exige também é longo. Pastor está num nível acima de Bruno, por conta da experiência acumulada, mas Bruno tem melhorado muito. Valtteri, por sua vez, vem fazendo um ótimo trabalho na equipe e ele é muito preceptivo ao que acontece no carro. A equipe está realmente bem servida de pilotos. NdG: Voltando ao Alexander das pistas, no Brasil, tivemos durante anos importantes provas de endurance e há um movimento de retorno deste tipo de provas, até mesmo, quem sabe, de um campeonato. Caso uma equipe quisesse convidar ou contratar Alexander Wurz para participar de uma outra corrida aqui no Brasil, o que esta equipe precisaria fazer? Alexander Wurz: Seria algo muito bom, eu gostaria sim de participar de outras corridas aqui no Brasil. O problema é conseguir tempo para conciliar tudo. Eu tenho meu compromisso com a Toyota, tenho um compromisso com a Williams, tenho meus negócios na Áustria e tenho minha família também. Mas, conseguindo uma data que pudesse vir, claro que viria. Eu gosto muito de vir ao Brasil e se pudesse conhecer um pouco mais do automobilismo daqui seria muito bom. NdG: Você vem ao Brasil praticar Kitesurf no Ceará. Como é que você chega lá? As pessoas reconhecem você, se aproximam, pedem autógrafo... ou você passa desapercebido? Se houver um convite para correr aqui uma prova de endurance e eu conseguir encaixar na agenda, seria um prazer voltar ao Brasil. Alexander Wurz: Para a maioria das pessoas eu sou mais um daqueles gringos branquelos que vem para o Brasil pegar sol, ficar vermelho e tomar caipirinha. Poucas pessoas me reconhecem e se aproximam. Eu procuro conversar, apesar de não saber muitas palavras em português, tiro fotos, dou autógrafos. As pessoas no Brasil são muito amáveis, eu gosto muito de vir aqui. |