O mundo do esporte a motor não é feito apenas de Fórmula 1 e o dinamarquês Tom Kristensen é a maior prova disso. Aos 45 anos de idade, é um expoente deste esporte que tanto amamos não apenas na Dinamarca, mas em todo o mundo. Maior vencedor das 24 Horas de Le Mans, com oito conquistas (até agora), Tom veio pela primeira vez ao Brasil para as 6 Horas de Interlagos, pelo Campeonato Mundial de Endurance, retornando no encerramento da temporada de Fórmula 1, como piloto convidado para juntar-se aos comissários desportivos. Na primeira passagem pelo Brasil, o piloto da Audi nos deu esta entrevista exclusiva. NdG: Tom, você é uma celebridade do mundo do automobilismo, mas a gente gostaria de conhecer um pouco do Tom Kristensen ser humano, do Tom Kristensen fora dos carros de corrida. Você se importa em falar sobre isso? Meu pai era mecânico e piloto de corrida nas "horas vagas". Cresci em uma oficina mecânica: não tinha como não ter "gasolina nas veias". Tom Kristensen: Absolutamente, mas vai ser impossível dissociar minha vida do meio automobilístico uma vez que eu já “nasci com gasolina nas veias” como dizemos lá na Dinamarca. Meu pai e minha mãe moravam em cima de um posto de combustível e oficina mecânica da Shell em Aalborgvej uma pequena localidade em Hobro, região entre Aalborg e Århus. Não sei se você é familiarizado com a nossa geografia, isso fica na região noroeste da Dinamarca, há mais de 300 Km de Kopenhagen. Meu pai era mecânico e, nas horas vagas, piloto. Ele não fez uma carreira como os pilotos de hoje em dia, que normalmente começam no kart. Ele começou a correr depois de adulto, mas foi campeão dinamarquês em varias categorias como competições com Hot Roads e Rallycross. Então o meio e o ambiente de competição era algo da minha vida desde que comecei a andar e falar. NdG: Mas no seu caso você começou no kart, certo? Tom Kristensen: Na verdade não. Antes do kart, quando tinha 10 anos de idade, corri numa categoria chamada “Minipop”, que era feito para pré-adolescentes. Os pilotos tinham entre 13 e 14 anos e eu era bem pequeno perto deles. Era um início, era para aprender, mas eu consegui me impor e ver que eu “levava jeito pra coisa”. Daí sim eu fui para o kart. NdG: Você é um expoente do automobilismo em seu país, mas aqui no Brasil o que sabemos sobre Tom Kristensen é que você é o maior vencedor das 24 horas de Le Mans. Não sabemos praticamente nada sobre o automobilismo dinamarquês. Como é a formação de um piloto por lá? Na Dinamarca não temos os recursos que vocês tem aqui no Brasil. Temos três circuitos e os três, juntos, cabem dentro de Interlagos. Tom Kristensen: A Dinamarca é um país pequeno e com uma população pequena. No país temos três pequenos circuitos permanentes que, juntos, caberiam aqui dentro de Interlagos, mas temos um kartismo bem forte e muito competitivo. Muitas crianças, bem, muitas dentro de uma população do tamanho da nossa, se interessam em correr. Foi assim comigo, com o nosso amigo em comum, Jacob Zeeman e muitos outros que ano após ano se iniciam no automobilismo. Contudo, dar o salto do kart para o processo de profissionalização é complicado uma vez que não temos categorias regulares e campeonatos profissionais. Em todos estes anos podemos contar nas mãos os pilotos que conseguiram se estabelecer profissionalmente como pilotos. NdG: Então para dar continuidade à um projeto como piloto você e os outros Pilotos dinamarqueses tiveram que buscar categorias escola fora de seu país. Qual costuma ser o caminho escolhido? Tom Kristensen: É um processo semelhante ao que acontece aqui no Brasil onde os pilotos buscam outros países para dar seguimento às suas carreiras. No caso dos Dinamarqueses, temos a vantagem da proximidade geográfica e talvez justamente por ela a Alemanha costuma ser o destino da maioria dos que saem do país. Alguns também tentam a Inglaterra por conta da tradição de automobilismo de formação que existe por lá, mas seja qual for o destino escolhido ou pretendido, é preciso montar um bom esquema de suporte e patrocínio. Algo que tenha continuidade e não um projeto de uma temporada apenas. Pelo menos duas e, se possível, três. No meu caso eu fui até mais longe, indo correr no Japão e tendo ficado lá por 5 anos, embora minha carreira tenha alcançado maior projeção com a passagem pela Alemanha. Mesmo sem ter um patrocinador forte como hoje parece ser algo imperativo, consegui vencer o campeonato alemão de F3 logo na minha primeira temporada, em 1991, e isso abriu portas, certamente. NdG: Durante praticamente 10 anos você trilhou ou ao menos buscou trilhar os caminhos que o levariam até a Fórmula 1. O que faltou para você chegar lá? Um jovem piloto na Dinamarca precisa sair do país e ir para a Alemanha, Inglaterra ou outro país para dar seguimento a carreira. Isso é Caro! Tom Kristensen: É claro que a Fórmula 1 é um ponto a se ambicionar quando se abraça uma carreira de piloto e como todo piloto eu tinha o desejo de chegar lá, mas não de uma forma assim, focada naquilo, do tipo chegar na Fórmula 1 ou ser um piloto frustrado. Trabalhei sempre para ser um bom piloto e chegar lá seria algo fantástico, mas talvez, justamente por não ter focado neste objetivo como o único a se ambicionar eu não tenha chegado lá. Mas posso dizer, seguramente em sem hipocrisia que sou um profissional realizado. Tenho uma grande relação com a Audi, onde trabalho há muitos anos, venci Le Mans 8 vezes, correndo também pela Bentley e pela Porsche, sou conhecido e respeitado no mundo inteiro e conseguir isso sem ter um grande esquema de patrocínio por trás é algo muito difícil de se conseguir. NdG: Você teve sua carreira projetada internacionalmente correndo em carros de turismo e endurance, mas você “insistiu” durante praticamente uma década nos monopostos. Hoje, mais vivido, mais experiente, você não acha que poderia ter direcionado a carreira neste seguimento mais cedo? Tom Kristensen: Não sei. Isso é algo discutível. Por exemplo, como eu venci na minha primeira temporada na Fórmula 3 alemã, com um monoposto, será que eu não deveria ter insistido ou mesmo ainda estar insistindo em correr de monopostos? Eu acho que fiz as coisas certas nas horas certas na maioria das vezes. No automobilismo tem muito disso de estar no lugar certo na hora certa, isso já é uma outra coisa. Talvez se eu estivesse em outros lugares em determinados momentos da minha vida eu tivesse um outro destino, tanto positiva quanto negativamente. Estar em um determinado lugar, em uma determinada situação sem estar pronto para enfrentá-la certamente não algo bom. Talvez eu tivesse conseguido outras coisas, talvez melhores, talvez não. Se eu levar em conta que estou correndo profissionalmente desde 1991, sem nenhum patrocinador de peso investindo em minha carreira e me colocando em equipes e categorias, acho que tive mais acertos do que erros. NdG: Você já havia vindo ao Brasil, mesmo que como turista? O que você conhecia de Interlagos antes de chegar aqui na quarta-feira? Eu fui campeão na minha primeira temporada na Alemanha e corri profissionalmante no Japão por vários anos, sem ter grande suporte. Tom Kristensen: Eu nunca havia estado no Brasil antes e o que eu conheço de Interlagos é o que vemos quando é transmitido o GP do Brasil de Fórmula 1. Saber previamente é apenas o que se vê e se supõe. Que sendo um circuito no sentido anti-horário vai exigir muito da parte física, uma vez que a maioria dos circuitos que corri até hoje são no sentido horário e isso afeta a musculatura, especialmente a do pescoço, que as subidas e descidas também vão exigir muito de todos nós. Neste aspecto é bom ter o Lucas [Di Grassi] no mesmo carro, pois ele conhece bem a pista e pode nos dar boas referências de acerto. NdG: Você sabia que seu chefe [Reinhold Joest] correu e venceu aqui, 40 anos atrás? Tom Kristensen: Ele falou sim, mas disse que era uma corrida em uma espécie de oval, de muita velocidade. Ontem ele mostrou para mim as curvas que havia antes do circuito ter sido modificado para a fórmula 1, mas ele não se alongou muito na conversa. Na verdade, ele nem falou que venceu, mas nós sabemos que ele tem uma grande história como piloto e todos nós respeitamos muito isso. NdG: Sem ter um conhecimento prévio da pista e com o campeonato vindo pela primeira vez para o Brasil, como fazer? Vocês treinaram em simulador? Tom Kristensen: Treinamos um pouco, sim. Os simuladores atuais dão uma noção bem real do que se vai encontrar quando se chega em um autódromo novo, mas eu confesso que faço parte da “velha guarda”, que prefere “aprender” o circuito andando na própria pista, sentindo as curvas, como é o grip do asfalto, sentindo as variações de quando o pneu ainda está mais frio depois que saímos dos boxes ou se a temperatura muda e eu vi pelas corridas de Fórmula 1 que o clima aqui em Interlagos é muito instável, sujeito a variações bruscas e chuvas bem fortes, que eu espero que não aconteçam, então eu hoje andei bastante e pude ter uma ideia boa do que poderemos enfrentar na corrida. NdG: No Campeonato Mundial de Endurance existem provas de 6, 12 e as 24 horas de Le Mans. Os pilotos precisam passar muitas horas dentro do carro e isso deve exigir uma preparação física muito grande. Você e os outros pilotos da equipe passam por algum programa de condicionamento físico especial para pilotar? Os simuladores atuais dão uma grande percepção ao piloto do que é a pista de verdade. Contudo, eu ainda prefiro sentir a pista de verdade. Tom Kristensen: Aqui no Brasil iremos correr em três pilotos no carro, o que dará duas horas de pilotagem, aproximadamente, para cada piloto, o que é mais do que uma corrida de Fórmula 1. Em outras provas, corremos apenas em dois, e aí são três horas para cada um, o que exige muito da parte física. Le Mans é um caso à parte, exige demais do piloto, mesmo sendo três pilotos por carro e o protótipo é um carro que exige muito, quase tanto quanto um Fórmula 1. Não dá para descuidar da parte física. Eu faço muita corrida e ciclismo além trabalho físico na academia, principalmente para a musculatura das costas e do pescoço. NdG: E em termos de alimentação, alguma dieta especial? Tom Kristensen: Não, pelo menos eu não faço nenhuma dieta especial. Apenas procuro balancear o que como e não comer demais. Quem tem que ter lastro é o carro, não o piloto (risos)! NdG: Aqui no Brasil nós temos um campeonato de endurance, com carros GT e alguns protótipos, nada tão sofisticado quanto os Audi E-Tron, claro, mas que correm em outros circuitos além de Interlagos. Se alguém quisesse convidar o Tom Kristensen para disputar uma corrida aqui no Brasil, isto seria possível? Você aceitaria o convite? Convidar pilotos experientes para trabalhar juntamente com os comissários nas corridas de F1 foi uma grande ideia e é bom para nós também. Tom Kristensen: Primeiro eu teria que conseguir a permissão da Audi para guiar em um carro que não fosse um Audi. Se for um carro de um fabricante concorrente isso certamente seria mais difícil, claro. Num protótipo, digamos, sem ser de um fabricante talvez até, quem sabe. Seria interessante conhecer outras pistas e conhecer um pouco mais do Brasil. NdG: Mesmo sem ter corrido na Fórmula 1 você é um dos pilotos que são convidados para ser o “piloto comissário” desde que a categoria passou a adotar esta prática. Como você vê isso? Um reconhecimento? Tom Kristensen: Foi uma excelente ideia por parte da FIA e da Fórmula 1 convidar pilotos experientes para fazer parte do grupo de comissários que analisam os incidentes e acidentes que acontecem durante as corridas. É um ponto de vista de quem passou muito tempo dentro dos carros e que tem a sensibilidade de, pelas imagens, expor uma idéiapara os comissários, ajudando-os a tomar decisões que podem mudar o resultado de uma corrida e até mesmo de um campeonato. Mas PE importante que as pessoas saibam que somos uma espécie de conselheiro, não somos nós que tomamos as decisões, são os comissários desportivos. |