Saudações d’além mar! No passado dia 22 de janeiro, o jornal espanhol “Marca” publicou um vídeo onde mostrava as atuais condições do circuito citadino de Valencia, construído na orla marítima da terceira maior cidade espanhola e que recebeu a Formula 1 de 2008 até 2012. E para quem sete meses antes se viu todo o glamour e a vitória de Fernando Alonso, o contraste é chocante: vários cabos arrancados, deixando postes sem iluminação, pontes que servem de casa a alguns sem-abrigo, um túnel de acesso inundado… tudo com um ar de abandono, do qual os moradores da zona fazem queixa às autoridades locais. Em suma: é um traçado fantasma. Ainda existe a esperança de que o circuito de Valencia possa alternar com Barcelona para a realização do GP de Espanha, a partir de 2014, mas até agora, tudo isso não passa de meros rumores, e muito provavelmente a sua concretização será difícil.
O caso do circuito urbano de Valencia revela o absurdo que foi construir um segundo circuito numa cidade de mais de um milhão de habitantes, a terceira maior de Espanha, e revela também a megalomania que certos dirigentes de certas regiões autonómicas tiveram durante o “boom” e a bolha imobiliária da década passada, que fez com que se construíssem dezenas de projetos que simplesmente não vão a lugar algum, gastando dezenas, senão centenas de milhões de euros para o fazer. Um bom exemplo que se fala por lá é o aeroporto de Jaén, um projeto que custou mais de cem milhões de euros e… está vazio. Quem vê as belas imagens das provas de Fórmula 1 no circuito de valência, não faz ideia do que se passa durante o ano. Quando se têm um circuito que serve exclusivamente para a Formula 1, deixando o outro circuito (Ricardo Tormo) para as outras competições como o DTM, WTCC ou o Moto GP, para além de alguns testes de Formula 1 de pré-época, ironicamente, quem sai a ganhar é o outro circuito, pela quantidade de provas que realiza e pelo facto de ter os dias preenchidos por testes e “track days”, rentabilizando-o. Por estes dias, quem quiser fazer parte do circo da Formula 1, quase tem de ser como Fausto, a personagem da história de Goethe: fazer um pacto com o Diabo, com o papel de Lúcifer a ser atribuído – quer queiramos, quer não - a Bernie Ecclestone. As suas exigências muitas das vezes quase levam os promotores à falência – construção de um circuito, normalmente desenhado pelo mesmo arquitecto, o alemão Hermann Tilke – e depois um contrato milionário, assinado pelos governos locais, na ordem dos 30 milhões de euros por ano. É certo e sabido que o governo do Bahrein paga 40 milhões de euros, e quando quis ser a prova de abertura do ano, em 2010, pagou vinte milhões de euros extra, o contrato mais caro de sempre. Não admira que Ecclestone queria ficar com o pequeno emirado do Golfo Pérsico no calendário a todo e qualquer custo, mesmo com a agitação social que se vive por estes dias. Lixo, sujeira, abandono, mato crescendo... sem atividade durante o ano, o custo de manutenção torna-se proibitivo. Mas tudo isto tem um preço: neste momento, muitos circuitos do atual calendário da Formula 1, principalmente os que se encontram fora da Europa, são verdadeiros “circuitos fantasma”. Um exemplo? Posso começar pelo circuito que alberga o GP da Coreia, em Yeongam. Construído em 2010, fica situado “no meio de nenhures”, muito longe de centros urbanos como Seoul, a capital do país. Apesar de ter boas ligações rodoviárias e ferroviárias, a sua capacidade hoteleira é tão diminuta que quando os jornalistas chegam lá, por alturas do Grande Prémio, são obrigados a dormir numa das dezenas de… motéis existentes na pequena cidade de Mopko, a mais próxima do circuito. E nos restantes dias do ano, quase nenhumas corridas são disputadas por lá, chegando ao extremo de, em 2011, as equipas que estiveram lá terem sido confrontados com os caixotes do lixo cheios de coisas que tinham consumido… em 2010! É que pelo meio, tinha havido uma ação judicial entre os organizadores do circuito e outra entidade, do qual o tribunal ordenou que as instalações fossem seladas por algum tempo, no qual só se foi resolvido por alturas da corrida do ano seguinte.
Na própria Valência existe um circuito, o Ricardo Tormo. Com atividade durante todo o ano, testes da F1, inclusive. Um segundo caso chegou há algumas semanas de Austin, o circuito que albergou o GP dos Estados Unidos. A corrida foi um sucesso local e a formula 1 foi calorosamente acolhida pelos locais. Contudo, muitos esperavam usufruir do circuito num dos imensos “track days” que já estavam marcados na agenda para o ano de 2013. Contudo, em dezembro, a apenas alguns dias antes de começarem os primeiros, a organização do circuito decidiu pura e simplesmente cancelá-los, sem uma explicação lógica, que fez zangar as organizações que já tinham tudo preparado para explorar o circuito. Não sei como é que as coisas foram resolvidas – se é que foram resolvidas – mas isto é mais um mau exemplo que mancha a reputação desta Formula 1. É esta a Formula 1 dos nossos dias. É certo que Bernie Ecclestone pode ter elevado a uma categoria de espetáculo apetecível e atraente para os nossos olhos, mas quando os circuitos ou os países saem do calendário, quem paga os prejuízos são os organizadores. Usam e abusam, e quando não lhes serve mais, deita-se fora. Provavelmente, num futuro próximo, iremos ver outros circuitos como Valencia, provavelmente como sinal dos tempos megalomaníacos que certos países vivem agora. Um abraço do outro lado do Atlântico, Paulo A. Teixeira |