Há algum tempo o número de pilotos brasileiros que estão indo correr no exterior vem diminuindo. Pior, é cada vez menor o número daqueles que conseguem se destacar nas categorias de base. A consequência disto é que está cada vez mais difícil chegar nas categorias Top do automobilismo mundial. Os custos para se correr estão cada vez mais altos e não dá mais para contar apenas com o “paitrocínio” ou a “ajuda dos amigos”. É preciso um esquema profissional para levar um piloto a se tornar um piloto de automóveis. O que está acontecendo no Brasil é um problema técnico ou financeiro? Está faltando dinheiro para nossos pilotos conseguirem correr ou estamos carecendo de um trabalho de formação, de base, se é que este trabalho algum dia existiu. A fonte de talentos secou? Será que a nossa perspectiva futura é a de ver o Brasil sair do cenário automobilístico internacional? José Cordova – Ex-associado da Jim Russel Drivers School. O Brasil há algum tempo está sem uma categoria de base, para onde o piloto recém saído do kart possa ter o seu primeiro contato com o automobilismo de monopostos a um preço acessível. Atualmente os pilotos estão chegando em condições de correr de carros cada vez mais cedo, com 15 anos, e para custear isso não pode ter um valor muito alto. Nesta época ainda é, na maioria dos casos, a família do garoto que paga a conta. Hoje em dia o ‘timing’ é fundamental. Quando eu fui para a Europa correr de F.Ford, eu tinha 21 anos. Já era tarde, mas deu tempo. Hoje, com 21 anos, o menino tem que estar na Fórmula 1. Aqui no Brasil, a única categoria de monoposto que temos é a Fórmula 3 sulamericana, que pra ser início de carreira tem um valor inviável, hoje na faixa de um milhão de reais por temporada. Mesmo que fosse a metade disso, ainda seria muito caro e aí o menino tem que ir muito cedo para a Europa se quiser tentar algo, mas isso também não é barato. Tem o câmbio, tem o custo de ter que se sustentar fora de casa. Eu acho que a CBA tinha que ter uma atuação direta neste processo, criando meios de viabilizar uma categoria de base para os pilotos recém saídos do kart para que eles tivessem a chance de dar este primeiro passo antes de partir para uma categoria mais forte como a Fórmula 3 aqui no Brasil ou ir para a Europa melhor preparado. Na Inglaterra ainda existem categorias que os carros são de estrutura tubular, que podem ser feitos na garagem de casa, pelo próprio piloto como é a Fórmula Ford, por exemplo e que aqui não tem mais. Esse tipo de coisa dá uma bagagem, dá um aprendizado que o piloto leva para a vida toda. E o problema de categoria de base não é só no caso de monopostos, é no turismo também! A gente não tem uma categoria de base no turismo, uma categoria com motores 1.6, pouco preparados, barata, viável, com um regulamento simples. Mesmo que fosse uma monomarca como a copa Corsa, ou a Copa Clio. O piloto hoje, para chegar na Stock Car, se for este o sonho dele vai correr de que antes? De Mercedes? De Mitsubishi? São categorias caras! Este campeonato novo, junto com a Stock é caro, não dá pra começar por ali. Tínhamos que ter uma categoria que custasse uns 150 mil, no máximo, por temporada para fazer um bom nacional de turismo para o piloto ter escola, para não chegar na Stock, como muitos chega, pagando, e passam a vida pagando porque a formação deles como pilotos foi precária. O regional aqui no Paraná, em São Paulo e em outros lugares consegue colocar 40, 50 carros no grid, porque o carro efeito em casa. Porque não fazer um brasileiro com custos acessíveis, com regulamento simples e unificado? Se unificar os regulamentos, fica viável, mas se o regulamento do regional daqui de Curitiba é diferente do de Cascavel, como é, não tem como. O Kart melhorou nos últimos anos, com as limitações que foram impostas e que baratearam o custo das categorias. Correr na Cadete ficou em conta, mas quando o piloto vai subindo, ainda aumenta e na graduados e depois, para passar para os carros... Com isso a gente perde o talento. O piloto que tem grana consegue sair do Brasil e correr lá fora, mas o talento, aquele que não tem a grana pra bancar, tem só sua habilidade, acaba ficando muito tempo no kart ou depois de uma tentativa ou outra, acabam voltando para o kart. Ainda teremos alguns pilotos andando bem lá fora por algum tempo, mas as perspectivas não são boas. Átila Abreu – Correu na Fórmula BMW na Alemanha antes de retornar ao país. Eu acho que o problema é cultural. O país não tem uma cultura de apoio ao esporte de um modo geral. Quando eu falo isso não estou limitando apenas ao automobilismo, é algo que atinge a todos os esportes. Não há, na visão dos políticos e da sociedade, um entendimento da importância que o esporte tem na formação do indivíduo, na formação do ser humano. O esporte não forma apenas atletas, forma cidadãos de bem. Pessoas que vão respeitar valores como compromisso, seriedade, honestidade, que ficarão longe das drogas, que são coisas que o meio do esporte ensina. Quantos casos nós já vimos de atletas brasileiros que conseguiram se destacar fora do país e que só depois de conseguirem alguma projeção, na dificuldade, com o apoio apenas da família muitas vezes, é que as empresas e o governo vem para oferecer apoio (e aí querer aparecer)? Quer dar apoio, ótimo, vai ser bem vindo, mas precisa fazer isso para aquele que está começando tanto quanto para aquele que já teve um certo destaque. Isso aconteceu comigo. Quando eu comecei, que precisei de um suporte financeiro, procurei aqui na região onde vivo no interior paulista este apoio e eu não tive. Depois, quando consegui destaque na mídia e disputei várias provas contra o Sebastian Vettel, vencendo algumas e sagrando-me vice campeão da Fórmula BMW apareceu um monte de gente para querer tirar fotos, para querer aparecer. O automobilismo, em relação a outros esportes ainda tem o problema do custo de equipamento. Tudo é caro, peças ,equipamentos, combustível, pneu, diferente de outros esportes que tem seus custos, mas nada comparado aos do automobilismo. E isso sem falar que mesmo com todo o equipamento e investimento, não há garantia de que o piloto vá ter sucesso. A teoria é ter o material, a prática é atingir o sucesso. Quando a gente está começando, não tem jeito, tem que ser na base do “paitrocínio” mesmo para dar os primeiros passos no kart. Se as categorias de base fossem mais baratas, haveria como ter mais pilotos iniciando o trabalho, aumentaria a base e alguns mais poderiam se destacar e conseguir apoios para suas carreiras. Quando estive na Europa, pude ver como funcionavam alguns projetos de apoio à formação de pilotos. Como um garoto que mesmo sem ser filho de família rica conseguia dar os primeiros passos, chamar atenção de empresas, de patrocinadores e investirem neste garoto e ele se tornar um campeão. Este foi o caso do Sebastian Vettel, que conquistou o apoio da Red Bull ainda menino, depois conquistou o apoio da BMW e graças ao seu talento. Aqui no Brasil faltam empresas que invistam em um piloto com investiram nele e outras tantas investem em outros pilotos. E quando eu falo apoio, não é apenas a questão financeira, é a questão de formação de base, de preparação do piloto. No tempo em que eu estive na Fórmula BMW a gente ia a seminários, as vezes ficávamos duas semanas num hotel tendo palestras de formação, treinos específicos, tinha treino até para preparar a gente para saber como se portar numa entrevista e nisso estávamos junto com todos os pilotos da BMW, inclusive com os da F1. Hoje, para se formar um campeão, é preciso se dar muito mais do que apenas dinheiro para comprar o assento no carro de uma equipe. Se o piloto não for bem formado, mesmo com dinheiro, ele não vai muito longe. Com isso, dentro da realidade dos nossos pilotos que estão lá fora e que estão tentando subir nas categorias de fórmula, vai ser cada vez mais difícil a gente ter um ou mais pilotos brasileiros em categorias de ponta. No caso, é preciso ter as duas coisas: a preparação e o investimento. Veja o caso do Lucas Di Grassi. Um piloto super bem preparado, mas que faltou a ele o suporte financeiro. Temos aí, como perspectiva futura o Felipe Nasr, que tem um bom suporte financeiro e tem também um trabalho de preparação muito bom ao longo destes anos. Contudo, não há garantia nenhuma de que ele vá conseguir um lugar na fórmula 1 no ano que vem. O Felipe Massa já está na Fórmula 1 há mais de uma década e não sei por quanto tempo mais ele vai continuar na categoria. Entre os pilotos com os quais corri, tem uns cinco que hoje estão na F1 que eu não achava que eles iriam tão longe. Foram porque tiveram o suporte e a preparação, enquanto os brasileiros continuam indo lá para a Europa quase que na base do “voo solo”. Toninho de Souza – Dono da Escola de Pilotagem Interlagos. O problema é complexo e tem diversos fatores. O início do meu envolvimento com o automobilismo se deu nos anos 60, junto com os Fittipaldi, com o Pedro Victor DeLamare. No final dos anos 60 o Emerson vai para a Europa, chega na F1 e é campeão do mundo. Vai para o projeto da equipe e logo em seguida surge o Nelson Piquet, no final dos anos 70 e, nos anos 80, tricampeão. Com o Nelson ainda em atividade surge o Ayrton Senna, que foi um divisor de águas na maneira de como se ver o automobilismo, com um comprometimento profissional absurdo, e ganha também três campeonatos do mundo. Em 20 anos nós ganhamos 8 mundiais de Fórmula 1 e a Fórmula 1 entrou na vida dos brasileiros. Com essa entrada e tudo que ela gerou, criou também o desejo e a expectativa de milhares de garotos e seus familiares de que era um grande negócio ser piloto e chegar na Fórmula 1. Todo mundo ia ganhar dinheiro com isso. Depois do Ayrton então, que foi fazendo contratos e contratos de milhões de dólares, todo mundo queria ser piloto. A Escola de Pilotagem Interlagos tem 45 anos de existência. Nesta época, entre os anos 70 e 90, nós formávamos uma média de 240 pilotos por ano. Nestes últimos anos, coloca aí os últimos 10, para conseguir formar 50 pilotos por ano em praticamente tenho que correr atrás dos alunos. O futebol sempre foi o primeiro esporte do Brasil e, de algumas décadas para cá, os salários dos jogadores cresceu enormemente e isso mudou o foco dos meninos de hoje e também dos pais. Para se tornar um jogador de futebol de sucesso o investimento na carreira é infinitamente menor para formar um jogador de futebol do que para formar um piloto de corridas. O tempo de formação de um jogador de futebol e sua projeção num grande time ou de um piloto de ponta numa categoria top é algo em torno de 10 anos. As vezes nós recebemos alunos que chegam na escola e dizem que querem fazer o curso para ser piloto da Stock Car. Aí quando a gente explica pra ele que, para chegar na Stock Car o curso é apenas o primeiro passo de uma longa caminhada, porque a gente tem que ser honesto, ninguém tirar o dinheiro do cara vendendo uma ilusão, o cara acha que estamos valorizando o produto e acaba desistindo. Eu pergunto para eles se eles tem ideia do que é a vida do Cacá Bueno, do Ricardo Maurício, do Átila Abreu... muito pouca gente tem ideia do que é a vida de um piloto de competição, tudo o que ele passou para chegar ali, tudo o que ele tem que fazer, na pista e fora dela. O cara acha que vai fazer o curso e vai disputar freada com o Cacá Bueno! Apesar do automobilismo ainda ser, talvez, o segundo esporte do país, o efeito dos desmandos das autoridades na administração do mesmo é muito maior do que os que vemos no futebol, apesar de lá os problemas serem maiores. Durante algum tempo nós colhemos os frutos do sucesso do Emerson, do Nelson e do Ayrton. Quando o Guga chegou ao topo do ranking no tênis, muita gente investiu no tênis, construiu quadras, escolinhas... Ayrton morreu tem 17 anos. Depois dele, não gamos mais o mundial. O Rubinho e o Massa não conseguiram o mesmo sucesso e a empolgação diminuiu. E isso acontece mesmo. Acho que, como tudo, vivemos um ciclo. Hoje o ciclo tá em baixa, mas a gente tem como retornar. O início de tudo é o kart. O kartismo está se reestruturando, encontrando um caminho e desta nova geração de kartistas é que vai surgir os novos pilotos. Se tivéssemos uma categoria de base no Brasil, seria melhor, mas os empresários estão de olho. Eles sabem que o brasileiro é bem vindo no meio do automobilismo. Contudo, acho que corremos sim um risco de ficar um tempo sem pilotos na F1. Danilo Dirani – Correu na Fórmula 3 Inglesa antes de voltar para o Brasil. O universo do automobilismo mudou muito nos últimos anos e vem mudando sempre, mais e mais e cada vez mais rápido. Aqui no Brasil ainda se pensa muito na “fórmula que deu certo” e que levou os pilotos brasileiros para o exterior e a ter sucesso até os anos 90, seguindo os passos dos campeões que tivemos e em especial do Ayrton [Senna] que era o exemplo recente para eles e que continua sendo usado como espelho ainda hoje... e as coisas não são mais como eram. Hoje os pilotos que saem do kart para as categorias de fórmula já saem com um esquema de apoio montado. Não acho que tecnicamente os pilotos que correm lá fora sejam melhores que os pilotos que correm aqui e vão para lá. O problema é que quando o piloto brasileiro chega lá encontra um ambiente onde todos tem uma estrutura por trás que ele não tem e no automobilismo de hoje, o todo se reflete no cronômetro. Se você é bom e o outro também. Ele tem um suporte melhor que o seu, provavelmente ele vai andar mais rápido. Um outro fator que precisa ser considerado é o fortalecimento do nosso automobilismo. Hoje um piloto consegue ser profissional no Brasil. Ganhar dinheiro, ter uma família, um conforto, pagar suas contas, sem ter que pensar em ir correr na Europa ou ter que chegar em uma Fórmula 1. É uma coisa extremamente positiva e que acontece, há um bom tempo, aqui do lado, na Argentina. Eles tem um automobilismo muito bem estruturado, com várias categorias fortes, onde há uma grande quantidade de pilotos profissionais que correm lá e nenhum ou praticamente nenhum tem interesse em sair do país para tentar uma carreira internacional. Tivemos aqui no Brasil, agora, os casos do Gabriel Casagrande e do Felipe Fraga que foram correr na Europa, que são dois excelentes pilotos, mas que chegaram a conclusão que não valia a pena ficar tentando correr la fora, com um esquema que nunca era igual aos dos pilotos com esquemas mais estruturados e que isso não os levaria a lugar nenhum, que eles iam gastar e gastar dinheiro e não iriam conseguir se estabelecer por lá. Voltaram para o Brasil e estão investindo em suas carreiras nas categorias de turismo, que é o que temos de mais forte no Brasil, no momento. Outro caso é o do Felipe Fraga. Outro piloto com enorme potencial e que decidiu investir em uma carreira profissional aqui no Brasil e voltou da Europa após algumas corridas. Não dá pra gente dizer ou isolar um único motivo para explicar o que está acontecendo com os pilotos mais novos. É um conjunto de fatores e o crescimento do automobilismo brasileiro é um forte estímulo para que o piloto fique aqui no Brasil. Queira ou não queira fazer as coisas perto de casa é melhor, é mais fácil. Eu quis tentar. Fui para a Europa, corri na Fórmula 3 inglesa, ganhei corridas, fiz meu trabalho, mas nem sempre é só isso. Quase nunca é só isso. Muitas vezes não basta só competência e talento para se seguir em frente. Tem gente que tem menos talento e consegue ir mais longe que você. É a hora em que o dinheiro fala mais alto. Equipamento bom é caro e hoje as categorias de base tem programas com as equipes de Fórmula 1 e que se entra nestes programas logo cedo. Uma coisa que não existia 20 anos atrás. A perspectiva depende do que o piloto quer. Se ele quer focar numa carreira de monopostos,tem que ir embora e investir para tentar chegar na F1 ou na Indy nos EUA, mas hoje pode-se correr no Brasil. Ser piloto no Brasil e ser reconhecido e remunerado pra isso. Suzane Carvalho – Proprietária do Centro de Treinamento de Pilotos Suzane Carvalho O problema é grande e o problema é sério: nós não temos uma formação de pilotos no Brasil. As categorias Top e as “classe A”, onde correm os empresários que tem dinheiro estão relativamente bem, assim como a F. Truck, pois estas tem patrocinadores fortes ou pilotos que pagam a conta pra correr. O problema está na base. Você pode aprender de duas formas: por tentativa e erro, onde você vai tentar e errar várias vezes até acertar ou você pode acelerar este processo de aprendizado, estudando e treinando com quem tem a experiência de vida e de pista para mostrar os caminhos e o piloto por em prática o que aprendeu. É isso o que fazemos aqui no CTPSC e que não tem apoio nenhum da Confederação Brasileira de Automobilismo, que deveria ser a maior interessada em ter cada vez mais pilotos, cada vez pilotos melhores, cada vez mais categorias, cada vez mais campeonatos. Ter uma escola é quase um investimento à fundo perdido. É preciso ter um local adequado, equipamento homologado, e a CBA homologar escolas, haver escolas oficiais de formação de pilotos. Hoje é muito fácil para qualquer pessoa tirar uma carteira de piloto. Você pode ir em qualquer federação do país e tirar uma carteira de piloto novato e participar de um campeonato de novatos. Pra tirar uma carteira de pilotos “B” é que é preciso passar por uma escola de pilotagem. Só que se o candidato que concluiu o curso tira uma carteira de piloto “B” sem nunca ter competido em coisa alguma e vai disputar um campeonato, ele vai ser um novato, certo? Isso está errado! Como também está errado a ideia, a forma como são homologadas as escolas de pilotagem. No Brasil ainda existe a ideia de que piloto é uma pessoa rica, que está fazendo um lazer, que está se divertindo e não fazendo um esporte, ou que está fazendo um “esporte de rico”. O automobilismo é um esporte completo, que ajuda na formação tanto do físico quanto da mente da criança que começa a praticá-lo ainda cedo, quanto do adulto que o pratica. Raciocínio, reflexo, trabalho em equipe, de buscar o aperfeiçoamento, desenvolve o impulso de melhoria constante e nada disso é visto. Pior, é visto com discriminação! Projetos que poderiam alavancar o número de praticantes de automobilismo no Brasil não são aprovados sob a lei de incentivo ao esporte. Isso precisa ser mudado e quem tem que fazer esta ação são as federações e a confederação brasileira de automobilismo. De ter uma atuação política junto as esferas governamentais para que haja investimento no esporte a motor. Quanto ao futuro, acho que vai ter sempre um que vai conseguir chegar nas categorias top. Se vai ser o melhor ou se vai ser o que tem mais dinheiro para ir mais longe, aí é outra conversa. O bom seria que fosse sempre o melhor. Ricardo Sperafico – Correu na F3000 Italiana antes de retornar para o Brasil Dez anos atrás, existia um cenário bem diferente do que vemos hoje, tanto no automobilismo na Europa como o que vemos aqui no Brasil. Ainda havia um espaço muito grande para um piloto sair do país e tentar uma carreira no exterior e o automobilismo brasileiro ainda estava num estágio distante do profissionalismo que vemos hoje em dia. Ainda era viável investir em tentar fazer uma carreira no exterior. Ao longo destes dez anos a situação foi se invertendo. O automobilismo aqui no Brasil teve alguns progressos, com a estruturação e profissionalização de alguns seguimentos no turismo, mesmo com as perdas que tivemos com a extinção das categorias de Fórmula, tendo restado apenas a Fórmula 3 sulamericana, que é uma categoria cara para um garoto que sai do kart começar a correr. A opção para correr de fórmula, passou a ser ir para o exterior, mas, como disse antes, as coisas mudaram lá fora, principalmente na Europa, onde passou a existir esquemas mais bem estruturados e planos de formação de pilotos que não existiam há dez anos. Quando eu fui pra lá o piloto chegava com seu patrocínio daqui do Brasil, ia para as equipes, testava, mostrava serviço e ficava. A equipe te abraçava e se partia para a disputa do campeonato. Agora o caminho é muito mais difícil. Apenas as pequenas equipes trabalham assim e se o piloto não tem um grande suporte, não anda na frente, mesmo sendo bom. O caminho lá fora ficou mais longo e mais difícil do que já era. Com o que vem acontecendo aqui no Brasil, dos pilotos poderem se profissionalizar e ganhar dinheiro correndo no Brasil, aquela coisa que tínhamos no passado de ter 10 ou 15 pilotos nas melhores categorias da Europa e dos Estados Unidos, com projeção, sendo pilotos de teste na Fórmula 1 e na Indy não vai mais se repetir. Hoje o pessoal que está correndo de kart já está com o foco voltado para o turismo. No futuro, se tivermos pilotos nas categorias top, será um, no máximo dois. Ter quatro, cinco, como já tivemos, não teremos mais. Roberto Manzini – Dono do Centro de Pilotagem Roberto Manzini Com relação aos números, eu fico numa situação, de momento, que eu não tenho como contabilizar o tamanho desta diminuição, já que nunca fiz um estudo sobre isso. Mas, por exemplo, se há uma situação de dificuldade econômica, como este recente aumento do valor do dólar, fica mais difícil investir na carreira do piloto. Os equipamentos são importados, o custo das equipes é maior, para mandar o piloto para correr no exterior fica mais caro. O que poderia ser uma parte da solução deste problema seria termos mais categorias de base no país para o piloto recém formado, recém saído do kart poder correr com um custo acessível e que esta categoria proporcione um aprendizado no qual ele vai poder correr fora do país. Hoje esta categoria não existe no Brasil. É isso que tem levado os garotos que tem uma melhor condição financeira a partir para correr nas categorias de base que existem na Europa que antecedem a Fórmula 3 e que aqui não existem. Não dá pra colocar o garoto recém saído do kart pra correr num fórmula 3. Ele precisa aprender o que é um monoposto antes de sentar em um e a Fórmula 3 não pode ser o primeiro passo. Nem tecnicamente, nem financeiramente, uma vez que é uma categoria cara. Daí ele, se quer investir na carreira como piloto de Fórmula, tem que seguir para o exterior para fazer esta formação e depois ir para as categorias maiores. O cenário que eu vejo é o de termos cada vez menos pilotos brasileiros na Fórmula 1 ou na Fórmula Indy. Aqui na escola não vejo mais pilotos saindo do kart procurando fazer um curso de pilotagem. A escola tem ido bem, mas a média de idade das pessoas que nos procuram para fazer um curso para pilotar está na faixa dos 30 anos de idade. Seja para vir a ser um piloto para disputar suas corridas nos finais de semana ou mesmo para melhorar sua direção. Sergio Jimenez – Correu na F. Renault inglesa, F3 espanhola, A1GP e GP2. São diversos fatores que, juntos criam esta dificuldade toda que os pilotos que pensam em fazer uma carreira no exterior tem que enfrentar. Todos os esquemas das equipes no exterior estão muito profissionalizados. Mesmo que o piloto tenha algum dinheiro, atualmente não dá pra simplesmente chegar, levar o dinheiro e correr pra ganhar. Todos os pilotos que vemos hoje crescendo na carreira, subindo nas categorias e chegando na Fórmula 1 são pilotos que tem uma estrutura muito grande e forte por trás, exemplo do Pastor Maldonado, do Sergio Perez, do Esteban Gutierrez e outros nas categorias mais abaixo. Era preciso que aqui no Brasil tivéssemos empresas como as que dão o apoio e a tranquilidade para o piloto focar no que tem que focar que é aprender e pilotar ao invés de ter que ficar batendo de porta em porta pedindo patrocínio. Isso continua acontecendo aqui no Brasil. Outro problema é o passo seguinte em relação ao kart. No Brasil não tem uma categoria de Fórmula para servir de passagem entre o kart e a Fórmula 3, que vem passando por um trabalho de reestruturação e que todos torcem para que dê certo, mas que é um passo muito grande para ser dado de uma só vez. É uma categoria cara, o carro tem muita tecnologia e o piloto acaba queimando etapas. Quando eu estava passando do kart para os fórmulas foi quando surgiu no Brasil a Fórmula Renault, com apoio de fábrica dos franceses. No primeiro ano tinham 34 carros no grid e durante três anos. Antes dela teve Fórmula Chevrolet e a Fórmula Ford que formou muitos pilotos aqui no Brasil para irem para a Europa já com uma base. Era preciso que uma ou mais montadoras visse isso e investisse para termos novamente uma categoria de base aqui no Brasil. Uma estrutura com uma boa categoria de base, que não seja 100% subsidiada, mas que tenha incentivos para se tornar viável, com uma boa cobertura de mídia e com uma empresa para investir no desenvolvimento da carreira de quem se destacar nesta categoria e fazer um projeto de carreira para ele no exterior. Hoje o piloto sai do kart e não tem uma opção de carreira, de seguimento, de fórmula, tem só aquilo que ele vê, que são as categorias de turismo, que vieram se estruturando ao longo dos últimos anos e que hoje dão a possibilidade do piloto se profissionalizar sem ter que sair do Brasil. A consequência disso é que vai diminuir cada vez mais o número de pilotos que vai tentar uma carreira profissional fora do pais, uma vez que ele vai poder ser profissional e ganhar dinheiro aqui no Brasil e com isso vamos ter chances cada vez menores de ver um piloto brasileiro na Fórmula 1 ou na fórmula Indy. |