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Os sobreviventes PDF Print E-mail
Written by Administrator   
Friday, 25 October 2013 15:20

Saudações D’Além Mar! Hoje, a minha crónica começa desta maneira:

 

Guy Edwards é inglês. Emilio de Villota é espanhol. E têm muita coisa em comum. Primeiro que tudo, tornaram-se pilotos e cresceram nos anos 70, uma altura em que era comum morrerem dois pilotos por ano, pelo menos na Formula 1, para além de mais de uma dezena nas várias competições de automóvel. Os chassis na altura eram de alumínio, os depósitos de gasolina eram vulneráveis, as barreiras de proteção eram escassas e pouco protegiam os pilotos, e os circuitos eram enormes e potencialmente perigosos em qualquer situação, ainda mais à chuva ou ao nevoeiro.

 

A estes dois, podemos juntar John Surtees. Ele teve uma carreira recheada: andou nas duas rodas nos anos 50, sendo campeão por três vezes, antes de saltar para as quatro rodas e ser campeão do mundo de Formula 1 em 1964, ao serviço da Ferrari. Pelo meio, teve passagens por Lola, Cooper e BRM, antes de em 1970, construir o seu próprio chassis, aventura que continuou até 1978.

 

 

 

 

Ao contrário de Surtees, as carreiras de Guy Edwards e Emilio de Villota na Formula 1 foram discretas. Nunca pontuaram e e em muitas das vezes, as suas tentativas resultavam em não-qualificações. Foram habituais ocupantes do fundo do pelotão, mas no caso de Edwards, por uma vez esteve nas manchetes dos jornais por um feito: a 1 de agosto de 1976, guiando um Hesketh, ele e mais três pilotos – Harald Ertl, Arturo Merzário e Brett Lunger - conseguiram salvar o austríaco Niki Lauda das chamas que consumiam o seu Ferrari. O austríaco sobreviveu a uma morte certa, mas não evitou ficar com a cara marcada para sempre, e voltou ao cockpit 40 dias depois. Pelos seus feitos, Edwards acabou o ano a ser condecorado pela Rainha, que lhe concedeu a “Queen’s Gallantry Medal”.

 

No inicio dos anos 80, Edwards e De Villota juntaram-se para correr no Mundial de Endurance, com um Lola T600, onde venceram duas corridas na parte final desse campeonato. Algum tempo depois, no final da década, decidiram abandonar as suas carreiras e fazer outras coisas ligadas ao automobilismo. Edwards andou a angariar publicidade a equipas nas categorias inferiores, enquanto que De Villota decidiu abrir uma escola de pilotagem, para além de uma equipa de Formula 3 na sua Espanha natal.

 

 

 

 

Os três acabaram por ter filhos, e quando eles decidiram que queriam ser pilotos, tal como eles tinham sido, eles ficaram aliviados pelo facto de os nossos tempos serem totalmente diferentes: a segurança dos carros e dos circuitos aumentou de tal forma que um acidente mortal tornou-se em algo tão raro que roça o impossível. É verdade, mas essa redução não chegou a zero. Toda a gente sabe que o automobilismo continua a ser um desporto perigoso, só que não lembramos muito disso porque, ao contrário do que acontecia nos anos 60 e 70, já não morrem tantos pilotos.

 

De Villota acabou por ter dois filhos: Emilio Jr. e Maria. Ambos foram pilotos, e mais incrível ainda, ela se tornou dos poucos a ter uma carreira como piloto de automóveis. Não foi uma grande carreira, mas em 2012, conseguiu algo que ambicionava: estar na Formula 1. Iria ser terceira piloto da Marussia, numa altura em que os testes tinha ficado reduzidos ao mínimo, o que resultou em alguns comentários jocosos, como alguém disse: o importante era estar lá. Só que na primeira oportunidade de testar um carro, em julho desse ano, no aeródromo de Duxbury, o azar acontece: pisou demasiado o acelerador e batei com o capacete no camião que estava parado.

 

 

O impacto foi enorme. O capacete rachou e ela teve graves traumatismos na cabeça, e perdeu o olho direito. A recuperação foi lenta, mas três meses depois, estava suficientemente boa para dizer numa entrevista que se lembrava de tudo.

Lembro-me de tudo, até mesmo do momento do impacto. Quando acordei, todos estavam à minha volta e ninguém sabia se eu iria falar, ou como iria falar. Comecei a falar em inglês, porque achei que estava nos exames da FIA e que o enfermeiro era um instrutor”.


Então, meu pai me disse ‘por favor, Maria, fale em espanhol, porque sua mãe não está entendendo metade das coisas’. Foi quando fiquei ciente de tudo, do que tinha acontecido, de onde eu estava e o porquê de eu estar lá. No começo, a lesão estava coberta, então eu não podia vê-la. A primeira vez que me vi no espelho, eu tinha 140 pontos no rosto, que pareciam costurados com corda de barco. Fiquei horrorizada”.

 

 

De Villota disse que o acidente lhe tinha deixado sequelas: “Tenho dores de cabeça que ninguém sabe quanto tempo irão durar. Talvez anos. Tenho que evitar me esforçar por causa da pressão craniana. Também perdi paladar e olfato – agora, gosto das coisas com o gosto bem forte”, referiu.

 

Agora já sabemos: na passada sexta-feira, Maria de Villota estava em Sevilha quando teve um derrame cerbral fatal. Tinha 33 anos de idade.

 

Também Guy Edwards teve um filho que quis ser corredor. Sean Edwards cedo entrou nos carros, mas escolheu correr em Turismos em vez dos monolugares, e deu-se muito bem com isso. Era um excelente piloto a guiar em Porsches e este ano, até era o líder da Porsche Supercup, uma competição que existe há mais de vinte anos, como uma das corridas de suporte da Formula 1. E em 2012, Sean homenageou o pai no filme “Rush” ao fazer o papel do pai nas cenas em que salva Niki Lauda do seu acidente em Nurburgring.

 

Contudo, no dia 15 de outubro, no Queensland Raceway, na Austrália, Edwards era o instrutor de condução de um aprendiz de vinte anos quando o Porsche se descontrolou e embateu violentamente nas barreiras de proteção, tendo morte imediata. Tinha apenas 26 anos de idade.

 

 

 

De Villota e Edwards sofreram o pior das tragédias: perder um filho. Maria de Villota morreu em sequência do acidente do ano anterior, enquanto que Sean Edwards estava a instruir um piloto. Não estavam em competição, diferente de Henry Surtees, morto aos 18 anos a 19 de julho de 2009, quando levou com um pneu na cabeça de outro concorrente, Jack Clarke, que se tinha despistado. No caso do filho de John Srutees, lembrei de algo que escrevi no meu blog no dia seguinte ao acidente, e que pode ser aplicado a Edwards e De Villota:

 

É irónico que o seu pai tenha sido um dos sobreviventes de uma era onde a cada fim de semana, os pilotos estavam pairando sobre um fino fio de navalha, desconhecendo se aquele seria a sua última corrida das suas vidas, antes que um furo, uma suspensão quebrada ou um excesso deles os embatesse contra uma árvore e ceifasse a sua vida. É irónico que John Surtees, que foi dos poucos que se tornou construtor e teve uma equipa de Formula 1 - e que teve um dos seus pilotos a morrer, o austríaco Helmut Koinnigg - sobreviveu a Jim Clark, Lorenzo Bandini, Jochen Rindt ou Bruce McLaren, para depois passar pela pior das tragédias: perder um filho em competição.

 

 

E a ironia é que acontece numa era onde os acidentes mortais em competição são, agora, um acontecimento raro. Muito raro mesmo. Mas acontece. E no final, Henry Surtees teve o mesmo destino que Mike Spence, nas 500 Milhas de Indianápolis de 1968, ou de outro austríaco, Markus Hottinger, numa corrida de Formula 2 em Hockenheim, em 1980. E não teve a sorte do italiano Vittorio Brambilla, no GP de Itália de 1978”.

 

Um dia depois, o seu pai homenageou o filho que tinha perdido, afirmando o seguinte:

 

O Henry seguiu o seu coração desde o momento em que se sentou num kart pela primeira vez. Ele conseguiu equilibrar de forma séria a vida escolar com o automobilismo, tendo recentemente terminado os seus exames. O mundo acenava-lhe e ele estava a ter sucesso na liberdade para se concentrar no automobilismo.

 

Apesar do azar na carreira, ele revelou ser um dos [jovens] com maiores possibilidades de chegar ao topo. Apesar da sua idade, ele mostrou maturidade, perspicácia técnica e rapidez. Mais importante do que tudo isso, ele era uma boa pessoa e um filho e irmão carinhoso. A sua perda será sentida profundamente”.

 

 

 

Certo dia, Graham Hill filosofou sobre a sua profissão e as possíveis conseguências. Ele afirmou: “Se algum dia o pior acontecer, é porque pagamos o preço da felicidade em vida”. A nós, agora, só nos resta honrar a memória de Maria de Villota e Sean Edwards, como honramos a memória de Henry Surtees. E também homenagear os seus pais, que conseguiram sobreviver a uma era bem mais perigosa que a atual, e contar as suas histórias.

 

Abraços,

 

Paulo Alexandre Teixeira