No passado dia 10, escrevi no meu blog (Continental Circus) sobre uma matéria que li acerca dos circuitos construídos por Hermann Tilke nos últimos quinze anos e como é que, depois da passagem da Formula 1, são abandonados à sua sorte, e que passam por uma decadência lenta e profunda, do qual os organizadores são obrigados a carregar o fardo. Os exemplos que apontei eram os de Istambul, na Turquia; Yeongam, na Coreia do Sul, e Buddh, na India. Todos estes circuitos foram o resultado das ambições destes países em ascensão no panorama mundial em receber a Formula 1. Várias corporações e os estados em questão queriam ter, quer por razões comerciais, quer por razões politicas, a categoria máxima do automobilismo, e dali ganhar centenas de milhões de euros vindas dos fãs, dos patrocinadores e outras entidades. Só que passados mais de dez anos, estes três circuitos estão fora do calendário da Formula 1, e tirando eventos locais, não receberam mais eventos significativos dos mundiais da FIA, como por exemplo, a Endurance, os GT’s ou outros. Em suma, são elefantes brancos, edifícios inúteis que correm o risco de serem abandonados à sua sorte. As razões pra isso são diversas. As más localizações, no caso coreano, ou os problemas políticos, no caso turco, e os referentes ao financiamento e aos impostos, no caso indiano, explicam porque é que Bernie Ecclestone quis sair fora dali o mais depressa possível, pois as autoridades locais não quiseram ir ao ritmo dele. E passados três ou quatro anos, os contratos são rasgados, os prejuízos são elevados e ninguém quer pagar isso. Um bom exemplo foi no final da semana passada, quando a FOM mandou uma carta aos organizadores do GP coreano, exigindo cerca de 86 milhões de dólares de compensações pelos prejuízos causados pelo cancelamento do GP coreano de 2015, quando na realidade, a sua colocação no calendário é das coisas mais inexplicáveis até ao momento, pois toda a gente sabia que tal aventura era impraticável. Geograficamente mal localizado, construído para a Fórmula 1, o circuito de Yeongam recebeu apenas quatro etapas. No passado dia 16, o sitio Motorsport.com falou que o equivalente coreano ao Tribunal de Contas está a investigar se houve má apropriação de dinheiros públicos na construção do circuito, inaugurado em 2010. Ativistas locais querem saber porque é que o projeto foi construído tão longe dos centros urbanos do país (o circuito situa-se perto de uma vila piscatória na província de South Jeolla, com escassas unidades hoteleiras e a maior parte delas são… motéis) e se não houve uma tentativa de desvio de fundos, através de superfaturações por parte das construtoras. O inquérito vai já a meio, mas ativistas locais não querem deixar morrer o caso. No caso indiano, desde o inicio que a empreitada foi um pesadelo. Construido no sul da capital, Nova Delhi, o empreendimento, construído pelo Jaypee Group, custou à volta de 150 milhões de dólares e desde o inicio que se enredou nas burocracias indianas, conhecidas por serem mesquinhas e corruptas. Primeiro, as autoridades queriam colocar o Grande Prémio como entretenimento, e como tal, obrigada a pagar os impostos referentes. Elogiado pelos pilotos, o circuito de Istanbul saiu do calendário após 7 etapas em 2011... e sem previsão de volta. No caso em particular, eles teriam de pagar 1/20 anos dos lucros totais… de toda a temporada de Formula 1, e não do Grande Prémio em si. Para piorar as coisas, a burocracia dos vistos, entre outras coisas, é lendariamente lenta e sujeita a corrupção. Em muitos aspectos, fala-se que foi por causa disso que Ecclestone, a FOM e todo o pelotão da Formula 1 rapidamente se desinteressou pelo subcontinente indiano. Para piorar as coisas, a Formula 1 foi para terrenos virgens, esperando sacar dinheiro de novos públicos. Contudo, ter uma atitude europeia, onde a competição está enraizada há mais de 60 anos, não serve em mercados novos, onde ela é vista como um divertimento de uma elite. Poderá servir para o Golfo Pérsico, onde os emires e os sheiks não se importam de cobrir os prejuízos, pois o petróleo caro poderia cobrir isso tudo, mas para nações como Coreia do Sul e India, as coisas funcionam de outra forma, e conquistar um público é uma tarefa a longo prazo, coisa que Ecclestone, a CVC Capital Partners e as equipas de Formula 1 não tem. Buddh, na Índia, teve duas etapas cercadas de ameaças judiciais, nuvens de poluição e falsas promessas de retorno. Se Qatar, Bahrein e Abu Dhabi poderão colocar juntos 180 milhões de dólares para terem corridas nos seus países, isso só demonstra que a Formula 1 está dependente do Golfo Pérsico para manter o estilo de vida super-caro que têm, e que toda a gente está a avisar crescentemente de que não é sustentável. Com as equipas a sentirem a corda na garganta de forma mais forte, com os dinheiros mal distribuídos dentro no Grupo de Estratégia, onde só a Ferrari recebe cem milhões de dólares da FOM ainda antes de fazer o seu primeiro parafuso, e as restantes cinco equipas recebem mais 125 milhões de dólares, deixando nada para Sauber, Force India e Lotus, e deixando falir Marussia e Caterham, numa espécie de darwinismo autofágico – não admira porque chamam aos construtores de Clube Piranha – pode-se ver, por inúmeros exemplos, de que o rei da Formula 1 vai nu. O circuito de Doha, no Qatar, é candidato a sediar a F1... com a oferta de fazer uma corrida noturna e em bom horário para a Europa. E para piorar as coisas, as soluções que são apresentadas, como a tentativa de reintroduzir os motores V8 e as propostas de elevar a potência para os mil cavalos, causando em consequência uma nova “corrida às armas”, logo, mais despesas, demonstra que todos caminham para o lado errado. E as consequências disso estão à vista: equipas falidas, circuitos abandonados. É um legado decadente, este da Formula 1 atual. Saudações D’além Mar, Paulo Alexandre Teixeira
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