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Anatomia de um Grande Prémio: Grã Bretanha 1976 PDF Print E-mail
Written by Administrator   
Saturday, 25 June 2016 23:48

No próximo dia 18, fará 40 anos sobre uma das corridas mais marcantes da história da Formula 1, especialmente numa temporada marcante como foi a de 1976, o duelo entre Niki Lauda e James Hunt, que deu filme de Hollywood e tudo. Muitos, quando falam dessa temporada, referem especialmente dos eventos na Alemanha ou na corrida final, no Japão, mas poucos não referem sobre o GP britânico de 1976, que decorreu em Brands Hatch, que foi também muito agitado.

 
Aliás, como é uma prova que até foi muito pouco abordada no “Rush”, acho por bem fazer um relato detalhado desta corrida, que só conheceu um vencedor… dois meses depois.

 

O VERÃO QUENTE DE 1976

 

Era um dos verões mais quentes de que havia memória na Europa. Os Jogos Olímpicos tinham acabado de começar na cidade canadiana de Montreal, mas em Paris, Berlim ou Madrid, os europeus derretiam-se nas fontes, praias e rios, desesperadamente procurando por sombra e água fresca.

 

O campeonato de Formula 1 parecia ser a demanda de um homem só: Niki Lauda e a sua Ferrari. Antes do GP de França, que tinha decorrido duas semanas antes, em Paul Ricard, o austríaco tinha tido a sua primeira grande quebra mecânica no seu carro, permitindo que James Hunt pudesse ganhar a sua segunda corrida do ano, depois de ter conseguido em abril no circuito de Jarama, palco do GP de Espanha. Mas os comissários tinham o desclassificado por causa de uma asa traseira fora do regulamento, algo que a McLaren tinha recorrido à FIA. Antes de França, a diferença entre Lauda e Hunt era de… 47 pontos, pois Lauda tinha 55, e Hunt… oito.

 

 

Mas em poucos dias, o britânico tinha conseguido dezoito pontos, pois para além dos nove alcançados em terras francesas, recuperou os outros nove da vitória espanhola. E com Lauda com menos três pontos – tinha sido segundo em Jarama – a diferença tinha sido reduzida em 21 pontos. Assim, o britânico da McLaren era um destacado segundo classificado, conseguindo superar o sul-africano da Tyrrell, Jody Scheckter.

 

Com esse resultado, o interesse pelo GP britânico foi renovado, especialmente quando se sabia que a BBC não iria transmitir a corrida pela televisão. Assim sendo, mais de 120 mil pessoas acorreram à pista, situada no sul inglês, não muito longe de Londres, esperando que Hunt pudesse opor-se mais uma vez a Lauda.

 

CALOR NO AR… E NO ASFALTO

 

A lista de inscritos do GP da Grã-Bretanha de 1976 tinha ao todo 30 carros, dos quais 26 estavam autorizados a correr. Para além dos pilotos que corriam a temporada toda, havia os que faziam uma participação periódica, e entre elas havia duas mulheres: a britânica Divina Galica, uma ex-esquiadora, num Surtees, e a italiana Lella Lombardi, a bordo de um Brabham BT44 da RAM Racing, equipa de John McDonald. O britânico Mike Wilds também fazia uma participação pontual, com um Shadow DN3 privado, como Bob Evans, noutro Brabham BT44 da RAM Racing. Desses todos, apenas Evans se classificou, enquanto que entre os não qualificados, o mais surpreendente foi o do belga Jacky Ickx, que não se qualificou no seu Wolf-Williams. Aliás, após essa corrida, ele foi despedido da Wolf, aparecendo depois na Ensign, como substituto de Chris Amon.

 

Entre os estreantes da prova, uma mulher: Divina Gálica.

 

Em termos de qualificação, na frente, Lauda tinha levado a melhor sobre Hunt, com Mario Andretti a ser o terceiro, na frente do segundo Ferrari de Clay Regazzoni. Patrick Depailler era o quinto, com o seu Tyrrell, seguido pelo Ensign do veterano Chris Amon, com Ronnie Peterson e Jody Scheckter a ficaram com a quarta fila. A fechar o “top tem” estavam os March de Arturo Merzário e de Vittorio Brambilla.

 

O dia da corrida estava quente e abafado, com mais de cem mil pessoas a povoarem as bancadas de Brands Hatch, esperando por um bom resultado por parte do seu herói local.

 

Contudo, no momento em que foi dada a partida… houve confusão. Hunt largou mal e Lauda foi para a frente, seguido por Regazzoni. Ambos disputavam a liderança na primeira curva do circuito, a temível Paddock Hill Bend. Essa era uma das mais desafiantes do curcuito, pois obrigava os pilotos a fazer uma autêntica montanha russa, descendo pela direita de modo vertiginoso, para depois subir na direção da curva Druids, também feita à direita, a baixa velocidade, quase em 180 graus.

 

Debaixo de um calor atípico, foi dada a largada... a primeira delas, pelo menos. Depois a temperatura subiu!

 

Na largada, Lauda e Regazzoni disputavam o primeiro lugar na Paddock Hill Bend, quando ambos se tocaram, com consequências para o suíço, que fez um pião e ficou de frente… a Hunt. Este, para evitar o Ferrari, guinou para a esquerda, mas não evitou o toque com o carro numero dois, danificando a sua suspensão traseira direita. Quem também foi atingido fora o Ligier do francês Jacques Laffite, que também tentava evitar os destroços do carro de Regazzoni, danificando o seu. A pista ficou coberta de detritos e o carro de Regazzoni estava numa posição perigosa, e os comissários de pista não tiveram outro remédio senão agitar a bandeira vermelha e interromper a corrida no final da primeira volta. 

 

“NÓS QUEREMOS O HUNT, NÓS QUEREMOS O HUNT!”

 

Tempos antes, os comissários da Royal Automobile Club (RAC) decidiram que os pilotos estavam proibidos de recorrer aos seus carros de reserva, sob pena de desclassificação. Nesse tempo, os organizadores tinha poder de decidir em mais alguns itens do regulamento, deixando à FIA os regulamentos mais gerais, flexibilizando as regras em favor de estas ou aquelas equipas, que muitas das vezes aproveitavam.

 

Para além disso, disseram que, mesmo em caso de acidente, os pilotos só poderiam entrar na corrida se tivessem de cumprir uma volta inteira no circuito. Ora, Hunt estava com danos na sua suspensão, e se fizesse tudo, corria o risco de destruir o seu carro. Assim, depois da Druids, deu meia volta e enfiou o carro nas traseiras das boxes, para cortar caminho e poupar o carro. Algo que a Ferrari aproveitou e decidiu protestar.

 

Confusão na primeira curva. A batida múltipla gerou outra largada... e James Hunt não largaria!

 

Os comissários também viram aquilo que Hunt tinha feito e decidiram que Laffite, Regazzoni e Hunt não iriam participar na segunda partida, por várias razões. No caso dos dois primeiros, foi por causa do carro de reserva, e no caso do britânico, foi por ele não ter completado a volta.

 

Quando a decisão de excluir Hunt foi publicitada nos megafones do circuito, esta foi muito mal recebida nas bancadas. Primeiro, a multidão assobiou para os comissários, mas as coisas pioraram nos minutos a seguir, com cânticos e reações negativas, atirando com tudo o que tinham à mão. Primeiro, baixinho, mas depois de modo mais estridente nas bancadas na zona da meta e da curva seguinte, a Paddock Hill Bend, os espectadores gritavam: “nós queremos o Hunt, nós queremos o Hunt”. O cântico continuou, cada vez mais alto e cada vez mais forte, impressionando todos os que estavam a reparar os carros afetados, mas os comissários estavam irredutíveis na sua decisão de não deixar Hunt participar na segunda partida.


Contudo, para além dos assobios e dos cânticos, outras pessoas atiravam as garrafas de cerveja vazias para o asfalto da reta e nas curvas seguintes, como Druids e na Clark, antes da meta, onde estavam concentrados a maior parte das pessoas. E isso era mais perigoso, devido ao perigo de furos. Os senhores da RAC estavam agora perante a ameaça de um motim de consequências imprevisíveis e depois de algum tempo, autorizaram a entrada de Hunt na corrida, um pouco para acalmar os ânimos.

 

De pé, a torcida gritava: "Nós queremos Hunt! Nós queremos Hunt!" 

 

Tudo isso foi mais do que suficiente para que a McLaren conseguisse repara a suspensão danificada do M23 de Hunt, mesmo por baixo das barbas da Ferrari e dos protestos de Mauro Forgheri, Daniele Audeto… e Niki Lauda. E também aproveitaram a situação para colocar o carro de Clay Regazzoni na grelha, com o carro de reserva, e com a promessa de que independentemente do resultado, iriam protestar.

 

Quem também largou, aproveitando o esquema de Regazzoni (ou seja, com o carro-reserva), foi o Ligier de Jacques Laffite.

 

A SEGUNDA PARTIDA, LAUDA… E HUNT

 

Depois de muito tempo, os carros alinharam para a segunda partida. E aconteceu quase a mesma coisa: Lauda largou melhor, seguido por Hunt, Regazzoni e Scheckter. O sueco Gunnar Nilsson, no segundo Lotus, ficou parado na grelha, com todos a passaram por ele sem bater.

 

O austríaco manteve a liderança, com Hunt a segui-lo, sem perder de vista. Atrás, Regazzoni e Laffite continuavam no meio do pelotão, mas as suas corridas não duraram muito: o francês saiu de cena na volta 32, por causa de problemas de suspensão no seu Ligier, enquanto que o suíço desistiu cinco voltas depois, com problemas na pressão de óleo do seu Ferrari.

 

Graças a um problema de câmbio, Niki Lauda, que liderava, perdeu a ponta para James Hunt.

 

Lauda parecia que ia a caminho de mais uma vitória, mas na volta 45, porém, começou a ter problemas com a sua caixa de velocidades e viu Hunt aproximar-se depressa. Quando ambos os carros se aproximaram da curva Druids, o inglês agarrou a chance para ficar com a liderança, para delírio dos espectadores. Nas voltas seguintes, Hunt escapou de Lauda, para vencer o Grande Prémio da Grã-Bretanha.

 

No final, Hunt ficou na frente de Lauda e Scheckter, enquanto que nos lugares seguintes ficaram o Penske de John Watson, o Shadow de Tom Pryce e o Surtees de Alan Jones, com Emerson Fittipaldi a ficar à porta dos pontos, no sétimo lugar, a bordo do seu Copersucar.

 

No pódio, Hunt era… Hunt. Entre um cigarro e uma lata de cerveja, comentava o resultado com um “nove pontos, vinte mil dólares e um sentimento de dever cumprido”.

 

EM MÊS E MEIO… TUDO MUDA

 

Contudo, a Ferrari cumpriu com o prometido, protestando os resultados da corrida, afirmando que Hunt deveria ter sido desclassificado, pois não deu a volta completa ao circuito, apesar de ter usado o mesmo carro da primeira partida. O primeiro apelo foi para a RAC, que depois de um tempo de apreciação, afirmou que Hunt e a McLaren tinham cumprido os regulamentos. Não satisfeitos, apelaram para o Tribunal de Apelo da FIA, em Paris, que decidiu que iria apreciar esse recurso no final de setembro, um mês e meio depois.

 

Contudo, nesse mês e meio, muita coisa aconteceu na temporada, com o acidente de Nurburgring, que deixou Lauda à beira da morte, e depois a sua recuperação miraculosa, que o fez voltar a entrar dentro de um carro dois meses depois, em setembro, a tempo do GP de Itália, onde acabou na quarta posição, numa corrida sofrida para ele.

 

Ganhou, mas não levou. James Hunt foi ao pódio como vencedor em Brands Hatch, mas foi desclassificado em tribunal.

 

No dia do apelo, em Paris, a Ferrari estava em peso, com Luca de Montezemolo, Daniele Aduetto, Clay Regazzoni e o próprio Lauda, ainda com as feridas em carne viva, para mostrar os seus argumentos perante os juízes. No final, deram razão à Scuderia e deram os nove pontos a Lauda, com todos os que vinham atrás a subir uma posição, incluindo Fittipaldi, que passava a ser sexto e a ganhar mais um ponto com o seu Copersucar.

 

A decisão tinha acontecido na semana anterior ao GP do Canadá, e para a McLaren, a decisão foi encarada como um balde de água fria, pois tinham pensado que tinham perdido a chance de bater a Ferrari. Mas na realidade, a reação de Hunt foi de vencer as duas provas seguintes, baixando a diferença para três pontos, antes do momento decisivo, no Japão.    

 

Saudações D’além Mar,

 

Paulo Alexandre Teixeira