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O dia em que a Lotus teve um motor Isuzu PDF Print E-mail
Written by Administrator   
Saturday, 27 August 2016 21:49

Quem lê todos os dias os jornais e revistas especializados em automobilismo – ou então, quem um dia rebusca os arquivos da sua casa e depara em revistas antigas – entretêm-se a ver os rumores de então e pensa quais foram os que deram certo e os que não resultaram. Há coisas interessantes que se lêm com um sorriso nos lábios, outras que depois vemos que se concretizaram. Mas um dos que mais me fascinou ao longo dos meus mais de trinta anos de automobilismo que sigo tem a ver com os japoneses da Isuzu. E enquanto acontecia os Jogos Olimpicos, um amigo meu me alertou no Facebook sobre as filmagens do Lotus com esse motor japonês. E há 25 anos, acontecia o único teste de um projeto que nunca aconteceu.

 

E uma revista aos arquivos – leia-se, Google – revelou a razão porque este projeto, aparentemente sólido, não avançou. Foi porque… não passava de um exercício. Mas é uma história fascinante que merece ser contada por aqui.

 

CARROS E CAMINHÕES A DIESEL

 

Comecemos pela marca: a Isuzu Motors foi fundada em 1934 no Japão, e foi batizado com o nome do rio que passa na zona de Kyoto. Já fabricou automóveis, mas hoje em dia fabrica pickups e camiões, em aliança com a General Motors. Tem fábricas não só no Japão mas um pouco por todo o mundo, em especial na India e na Turquia. Também é especializado em motores a Diesel, que são usados hoje em dia por fabricantes como a Renault, Nissan e Ford, entre outros.

 

 

Em 1990, a Isuzu tinha uma aliança com a Lotus, especialmente em fornecer motores para o modelo Elan, um dos carros de maior sucesso então, a par com o Esprit. Aliás, ambas as marcas tinham algo em comum, que era a sua ligação à General Motors. Contudo, no final daquele ano, a Isuzu decidiu experimentar algo novo: construir um motor de 3.5 litros com o objetivo último: a Formula 1. Não era a primeira marca japonesa a experimentar a ideia – já estavam Honda e Yamaha – mas queriam construir um motor V12 no sentido de saber se tinham a tecnologia para tal.


E a equipa ideal estava mesmo nas suas barbas.

 

UMA EQUIPA À BEIRA DA FALÊNCIA

 

No final de 1990, a Lotus esteve para fechar. Perdendo o patrocinio da R.J. Reynolds – detentora de marcas como a Camel – e ficando sem os pesado e gulosos V12 da Lamborghini, a empresa esteve prestes a fechar as portas no final desse ano. Os salvadores foram Peter Collins e Peter Wright, que decidiram ficar com as rédeas da Team Lotus e tentar reerguer das cinzas, quase do zero. Pegaram nos velhor motores V8 da Judd e tinham conseguido três pontos, graças a um quinto e sexto lugares no GP de San Marino, com o jovem finlandês Mika Hakkinen e o britânico Julian Bailey.

 

Sem grandes patrocinadores por trás e precisando de pilotos pagantes para sobreviver (um deles foi um alemão chamado Michael Bartels, que nunca se qualificou para qualquer corrida!), a Lotus acolhia de bom grado qualquer proposta de algum construtor que estivesse interessado em estar na Formula 1.

 

Nesse ano de 1991, a competição tinha muitas equipas (quinze ao todo) e muitos fornecedores de motores, todos de 3.5 litros, que forneciam desde os V8 (Ford e Judd, por exemplo), passando pelos V10 (Honda, Renault e Ilmor) até aos V12 (Ferrari, Lamborghini e Yamaha), e isso fazia com que muitas outras marcas vissem toda esta variedade de motores e ficassem tentados em experimentar a sua sorte na Formula 1. Alguns mais a sério, outros como mero exercício de engenharia nas horas vagas.

 

 

O projeto da Isuzu começou em dezembro de 1990 por um grupo de engenheiros da secção de pesquisa e desenvolvimento. Feito de forma secreta, todas as partes foram fornecidas por outras empresas do mesmo grupo (a Isuzu é um conglomerado industrial do qual a Isuzu Motors é apenas uma parte) e os engenheiros decidiram que um motor V12 de 3.5 litros seria o ideal para experimentar os seus conhecimentos de mecânica.

 

O motor, com o nome de código P799WE, ficou pronto em fevereiro de 1991 e nos ensaios em fábrica, alcançou valores razoáveis de 637 cavalos às 12 mil rotações por minuto (RPM), bem acima do que eles esperavam. Testes posteriores no banco de ensaios elevaram a potência para os 755 cavalos às 12 mil rpm, o que fez com que eles procurassem um chassis ideal para experimentar o motor num ensaio a sério, dentro de um carro de Formula 1.

 

A Lotus surgiu como solução relativamente óbvia. Para além da ligação comercial entre ambas as marcas em termos de carros de estrada, a Lotus tinha dois patrocinadores japoneses, a Komatsu e a Tamiya, uma das fabricantes de modelos mais conhecida do mundo. A Isuzu abordou ambas as marcas para que pedissem á Lotus que providenciasse um chassis suficientemente grande para caber o seu motor V12. E eles tinham andado no ano anterior com o V12 da Lamborghini. Eles o fizeram e em maio de 1991, ambas as partes combinaram um teste para dali a algum tempo, em terras inglesas.

 

Assim sendo, a marca pegou um chassis 102, ainda com o tamanho do V12 italiano (os carros de 1991 tinham já sido modificados para caberem o V8 da Judd) foi ligeiramente modificado para poder caber o V12 japonês, e foi batizado de 102D. Tudo ficou pronto para o teste a 31 de julho.

 

CORREU… BEM DEMAIS

 

Depois de um “shakedown” a 2 de agosto, numa das partes do circuito de Silverstone, o verdadeiro teste propriamente dito aconteceu quatro dias depois, a 6 de agosto de 1991 (fez agora 25 anos), com Johnny Herbert ao volante. O 102D, modificado para poder acolher o V12 japonês, fez uma série de 15 voltas, numa espécie de comparativo com outros carros em pista, como o McLaren MP4/6 guiado por Jonathan Palmer, na altura, um dos pilotos de testes da marca, pelo Leyton House CG191 de Mauricio Gugelmin, entre outros.

 

Os engenheiros da marca estavam na pista para assistir a tudo. Um deles até levou uma câmara de vídeo para poder filmar os testes. Outro contou a experiência, anos depois, a uma revista japonesa especializada.


"O carro não tinha um alternador, então eles colocaram várias baterias [dentro do carro]. Por causa disso, o carro não podia fazer muitas voltas, andar por longos períodos de tempo. Quando o carro começou a andar, eu estava realmente impressionado, porque o som do motor que eu ouvi no banco de ensaios era totalmente diferente do que o som que fazia quando estava instalado no chassis. O pessoal da Lotus elogiou-nos sobre a velocidade e aceleração, que era melhor do que o Leyton House-Ilmor, e comparada com o McLaren-Honda, foi apenas alguns quilómetros por hora mais lento”.

 

 

Oficialmente, nunca foram tirados tempos desse teste, mas há quem jure que o carro andava ao nível do McLaren em pista. Contudo, outros dizem que os tempos foram seis segundos mais lentos do que o mais veloz (1.30 contra 1.24 do McLaren), porque o carro estava mais pesado e não tinha especificações de corrida, como pneus e gasolina. E era 125 quilos mais pesado por causa das baterias que tinha de levar, à falta de alternador.

 

Mas tirando isso tudo, o motor não apresentou problemas de maior. E isso tudo fez com que Collins sonhasse com a ideia de alargar a parceria para o automobilismo. Em setembro, quando foi ao Japão para assinar um acordo de patrocinio com a Komatsu, Collins afirmou à imprensa local:

 

"Não posso dizer qual foi a empresa [que nos forneceu] o motor para o teste. Mas esta é a primeira vez que vi um motor de corrida a funcionar na primeira tentativa. Os tempos foram OK. Pudemos cumprir um número de voltas sem qualquer problema. Não só o motor, mas os outros itens funcionaram maravilhosamente. Eu acredito que pode ser possível nós juntarmos para um esforço na Formula 1", disse.

 

Nessa altura, a imprensa internacional já falava da Isuzu como possível fornecedora de motores, e que poderiam entrar já em 1992, ou possivelmente em 1993, com o motor V12 que tinham construído.

 

UM EXERCICIO DE ENGENHARIA

 

Contudo, a realidade dizia que a Isuzu não tinha intenções de entrar. Não só não queriam alargar a parceria que tinha com a Lotus Cars, como na realidade, toda esta experimentação por mais um exercício de engenharia para saber se tinham a capacidade para tal, sem querer exportar mais alguém. Provado que tinham conseguido fazer uma coisa destas, simplesmente deram o exercício por concluído e seguiram a sua vida.

 

Em 2009, numa entrevista à japonesa Racing on Motorsport, um dos engenheiros que participou no projeto afirmou:

 

 

"A Isuzu nunca teve qualquer intenção de fornecer motores para a Formula 1, gastando dinheiro no desenvolvimento do motor, ou gastar dinheiro patrocinando ou apoiando equipas. Nós planeamos construir o motor para aprender no processo [de construção e desenvolvimento]. Esse foi o fim do projeto. O teste de Silverstone foi um extra do financiamento inicialmente destinado para a construção e ensaios. A ideia era apenas colocar o motor no chassis, esse era o plano original".

 

O motor ainda apareceu no Salão de Tóquio desse ano, quer dentro de um “concept car” que a marca construiu, o Como, num crossover com uma “pickup”, quer como o bloco por si só. Depois, desapareceu de vista, e esquecido nas poeiras do tempo. Até aos dias de hoje, a Isuzu nunca mais tentou a sua sorte do mundo do automobilismo.

 

Quando à Lotus, lutou arduamente para ter um bom fornecedor de motores, conseguindo a Mugen-Honda em 1994. Mas o chassis 107 foi um fracasso tal que a marca decidiu fechar as portas no ano seguinte, devido à falta de verba para continuar. Só regressou em 2010, primeiro com Tony Fernandes, depois como a sucessora da Renault na Formula 1 até 2015, vencendo ainda mais duas corridas.

 

O chassis em que foi experimentado ficou guardado na Lotus até 1997, altura em que a fabricante japonesa de modelos, Tamiya, ficou com o exemplar do 102D, em conjunto com o motor de 3.5 litros de marca, exposto de lado. Ambos estão no museu da marca, em Shizuoka.

 

Saudações D’além Mar,

 

Paulo Alexandre Teixeira